Brasília
(21/12/2006) - Há pessoas cuja obra
merece ser imortalizada. Principalmente, quando
os resultados de seus trabalhos beneficiam
quem sequer conhecem. Muitas vezes, o reconhecimento,
quando há, é tardio. Noutras,
seus feitos são tão extraordinários
que extrapolam o anonimato. É o caso
de Sérgio Brant e Peter Crawshaw, analistas
ambientais do Ibama, que ganharam espaço
e biografia no livro Água Mole em Pedra
Dura – Dez histórias de luta pelo meio
ambiente, escrito pelos jornalistas Marcos
Sá Corrêa e Manoel Francisco
Brito, editado pelas editoras Senac Rio e
Aeroplano, e patrocinado pela Fosfértil.
Ao lado de algumas personalidades famosas,
como o ator Marcos Palmeira, outras nem tanto,
todas as biografias retratam pessoas que revolucionam,
de alguma forma, a maneira como se trata o
meio ambiente. Como bem dito na introdução
do livro, “eles são poucos. Mas o que
fazem transborda os limites convencionais
da escala humana e, às vezes, só
se revela em toda a sua grandeza quando os
satélites artificiais focalizam o país
com os olhos de Deus”.
Sérgio Brant
Quando chega o final de
semana, milhares de pessoas saem de suas casa
e vão aos parques nacionais. Lá,
passam o dia, divertem-se, fazem esporte,
tomam banhos de cachoeira ou apenas meditam
longe da civilização. Sérgio
Brant, servidor no Ibama/Sede, em Brasília,
também freqüenta os parques. Pelo
menos, antes de serem criados. É que
seu trabalho é criar Unidades de Conservação,
áreas onde o país preserva pedaços
de sua paisagem original para a memória
e para a biodiversidade. Lá, os humanos
são os exóticos e só
entram com autorização. Ele
pode ser considerado o maior criador de parques
do país. Esteve presente em muito mais
da metade das 54 unidades de conservação
criadas entre 1980 e 1989.
Já no início
da carreira pública, após três
anos de concursado, teve a idéia de
proteger o que sobrava de natureza numa região
no planalto central baiano, onde fez sozinho
os levantamentos biológicos e fundiários.
Nasceu daí o Parque Nacional da Chapada
Diamantina. É responsável também
pela criação dos parques nacionais
de Tumucumaque (o maior do Brasil), Grande
Sertão Veredas, Serra do Cipó
e Fernando de Noronha.
Perseverante, seu trabalho
somente será reconhecido daqui a muitos
anos. Numa administração pública
voltada para o político e diplomático,
Brant não tem o menor jogo de cintura,
o que, se prejudicou sua carreira, deu ao
país algumas de suas mais importantes
unidades de conservação. Cumpre
todas as ordens superiores, desde que sejam
técnicas, e, por isso, diz-se que não
sabe ceder. Se preciso, vai contra a chefia
e quem quer que seja para que o correto aconteça.
Devido a isso, as Cataratas do Iguaçu
não desapareceram. É que no
final dos anos 90 comprou a briga de manter
intacto o parque, pois prefeitos e deputados
do oeste do Paraná resolveram reabrir
uma estrada no meio do local. Como prêmio,
ganhou uma sindicância interna.
Tem também seu trabalho
reconhecido no exterior. Como fotógrafo
de natureza, é considerado um dos melhores
do país. Ganhou diversos prêmios,
inclusive internacionais, com publicação
de fotos na revista National Geographic. Esteve
em regiões onde pouca gente pisou e
conheceu paisagens que poucos brasileiros
conhecerão. Para ele, não se
pode permitir que, em nome do progresso, o
país devaste sua natureza.
Peter Crawshaw
Descendente de ingleses
que emigraram para o Brasil no século
passado, Peter é um dos maiores especialistas
em felinos no mundo. Suas pesquisas orientam
a atividade de conservação de
onças no país. Morando em uma
casa recheada com referências ao animal
na Floresta Nacional de São Francisco/RS
desde 2001, foi o responsável por livrar
as onças do desaparecimento. Um dos
pioneiros no uso de radiotelemetria (quando
é colocado um transmissor no animal
para ter sua localização rastreada),
iniciou suas pesquisas na fazenda Acurizal
como assistente do pesquisador George Schaller,
renomado internacionalmente por seus estudos
de campo. O gerente da fazenda, não
contente com a presença dos dois, boicotou
a pesquisa, matando as onças que haviam
sido capturadas e encoleiradas com transmissores.
Foram estudar em outra área para não
piorar a situação das onças
no local.
O amor pela natureza começou
cedo. Ainda criança saía com
seu pai para caçar graxaim e ratão-do-banhado.
Na adolescência, as leituras de aventuras
cujo clímax era o encontro com as onças
o fascinavam. Para capturar o bicho, prefere
cachorros. E, se encontros com onças
não são necessariamente tranqüilos,
teve uma que, após acordar do sonífero,
o atacou e à equipe. Chegou a ser mordido
no polegar direito e ter o corpo arranhado.
Mas, de acidente, o pior foi uma queda de
ultraleve que o deixou paralítico por
dois anos. De seqüela, ainda manca de
uma perna.
Foi o primeiro estudioso
a perceber as conseqüências da
pressão humana sobre a fauna de fragmentos
florestais. Descobriu que o que ameaçava
a população de onças
no Parque Nacional de Foz do Iguaçu
não era a perda de habitat, mas a presença
humana no entorno e dentro da floresta. Suas
onças têm nome, de acordo com
o temperamento. Em seus 30 anos de serviço
público já formou vários
pesquisadores e ensinou dezenas de estagiários.
Muito amável, com ele, as onças
brasileiras já têm alguma chance
de comemorar.
Informações
Todas as informações
acima foram retiradas do livro citado na introdução
do texto. Os outros idealistas merecedores
de participantes na obra são: Adelmar
Coimbra Filho, pioneiro da primatologia no
Brasil; Cláudio Pádua, abandonou
a presidência de uma multinacional de
remédios e fundou o Instituto de Pesquisas
Ecológicas; Ibsen de Gusmão
Câmara, Almirante, brigou contra a caserna,
na ditadura, a favor da proibição
da caça à baleia em mar territorial
brasileiro; Luciano Loubet, promotor do Ministério
Público da União que mudou o
panorama ambiental da região de Bonito,
no Mato Grosso do Sul; Marcos Palmeira, conhecido
ator brasileiro, virou fazendeiro orgânico
respeitado; Maria Tereza Pádua, ex-presidente
do Ibama, comandou por 14 anos a divisão
de parques do IBDF, criando oito milhões
de hectares de unidades de conservação;
Miguel Milano, ex-professor universitário,
criou a Fundação O Boticário
de Proteção à Natureza,
que já investiu em mais de mil projetos
de conservação ambiental; Paulo
Adario, que já arriscou a vida como
coordenador da Campanha Amazônia do
Greenpeace.
Luis Lopes