19/01/2007
- A idéia é incluir no plano
de manejo da Floresta Estadual Trombetas,
criada em dezembro passado no norte do Pará,
uma espécie de “zona de amortecimento
de impacto” para evitar a contaminação
da população indígena
que vive em território vizinho. No
ano passado 80% da população
Zo´é contraiu malária
pela atividade madeireira no entorno da Terra
Indígena.
O Ministério Público
Federal no Pará vai apresentar uma
proposta inovadora para o governo do Estado
com o objetivo de adequar o plano de manejo
de Floresta Estadual (Flota) Trombetas, criada
no fim do ano passado, à presença
dos Zo´é, povo indígena
que vive em área vizinha à UC
estadual, no norte do Pará. Isso porque
a Flota Trombetas deve receber trabalhadores
para o manejo e exploração de
madeira e a presença de não-índios,
ainda que fora da Terra Indígena Zo´é,
oferece riscos à saúde da população
indígena.
Em janeiro do ano passado,
por exemplo, a atuação ilegal
de madeireiros às margens do rio Erepecuru,
que marca o limite oeste da TI Zo´é,
provocou uma grave epidemia de malária
que incidiu sobre 80% da população
de 239 índios. Antes deste episódio,
havia três anos que casos de malária
entre os Zo´é não eram
registrados. A TI Zo´é foi declarada
em 2001 com 624 mil hectares. Saiba mais sobre
a TI Zo´é.
A idéia do MPF é
que o plano de manejo da Flota Trombetas,
cuja área total é de 3.172.978
hectares, preveja uma espécie de “zona
de amortecimento de impacto” paralela ao rio
Erepecuru. “Para evitar que o mosquito da
malária contamine os índios
que caçam e pescam perto do rio essa
faixa deve ter 20 quilômetros de extensão
e cobrir toda a divisa entre a TI e a Flota”,
diz o procurador federal Felício Pontes
Júnior. “E ficaria bloqueada para projetos
de manejo florestal”.
A Flota Trombetas foi criada
pelo governo do Pará em dezembro do
ano passado como parte de um grande mosaico
de Unidades de Conservação no
trecho paraense da calha norte do Rio Amazonas
(veja mapa ao lado). Sua divisa com a TI Zo´é
tem mais de 212 quilômetros de extensão.
As Florestas Estaduais, assim como as Florestas
Nacionais (Flonas) são categorias de
UCs nas quais é permitido o manejo
sustentável de recursos florestais,
principalmente a extração de
madeira.
Pontes esteve na TI Zo´é
na semana passada junto com representantes
da Fundação Nacional do Índio
e da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa) para discutir a erradicação
da malária com os próprios índios.
“O que estamos querendo fazer com essa proposta
é importar uma regra do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC)
para a proteção de uma Terra
Indígena”, explica Pontes. “O que faz
todo o sentido, até porque está
mais do que provada a função
que as áreas indígenas exercem
para a proteção das florestas.”
O SNUC (Lei nº 9.985/00)
prevê que as Unidades de Conservação
devem ter em seus entornos “zonas de amortecimentos”,
nas quais atividades de impacto ambiental
como mineração e extração
de madeira podem ser proibidas. O advogado
André Lima, coordenador do Programa
de Política e Direito Socioambiental
do ISA, afirma que a proposta do MPF é,
além de plausível, necessária.
“O governo do Estado pode estabelecer no plano
de manejo da Flota uma faixa de proteção
para evitar que os problemas ocorridos no
ano passado com a população
indígena vizinha se repitam”. Lima
lembra ainda que há um precedente normativo
importante relacionado à idéia
de uma zona de amortecimento para as Terras
Indígenas, aprovado ano passado pelo
Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
De acordo com o artigo 4º da Resolução
Conama 378/06:
Art. 4o A autorização
para exploração de florestas
e formações sucessoras que envolva
manejo ou supressão de florestas e
formações sucessoras em imóveis
rurais numa faixa de dez quilômetros
no entorno de terra indígena demarcada
deverá ser precedida de informação
georreferenciada à Fundação
Nacional do Índio (Funai), exceto no
caso da pequena propriedade rural ou posse
rural familiar, definidas no art. 1o, §
2o, inciso I da Lei no 4.771, de 1965. "O
fato da resolução estabelecer
10 quilômetros como limite para exigência
de informe à Funai não impede
que o plano de manejo da UC, havendo justo
receio de graves danos à saúde
e ao modo de vida das populações
indígenas, possa estabelecer uma área
mais ampla com restrições justificadas",
ressalva o advogado.
O procurador Felício
Pontes afirma que em sobrevôo sobre
a região pôde constatar que a
TI não vem sendo invadida por madeireiros
e que ao visitar as aldeias encontrou um atendimento
sanitário satisfatório por parte
da prefeitura de Altamira. “A TI está
de fato bem equipada, com remédio e
sala de cirurgia em boas condições.
Mas, se queremos erradicar a malária
definitivamente daquela população,
temos que garantir que a parte da Flota que
faz divisa com a TI não seja manejada”.
O MPF deve propor ao governo
do Estado a assinatura de um Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) até o fim de fevereiro
para que garantir que o plano de manejo da
Flota reserve a faixa de amortecimento de
impacto a fim de evitar a aproximação
entre brancos e os Zo'é. O TAC também
deve conter o compromisso do Estado em reforçar
a fiscalização da Flota para
evitar que madeireiras atuem nas proximidades
da TI.
Os Zo´é
A antropóloga Dominique
Gallois, em verbete publicado na Enciclopédia
Povos Indígenas no Brasil, escreve:
“Os Zo´é habitam
uma faixa de terra firme, cortada por pequenos
igarapés afluentes de dois grandes
rios, o Cuminapanema e o Erepecuru, no município
de Oriximiná, norte do Pará.
Trata-se de uma região montanhosa de
grandes castanhais, que apresenta maximização
dos recursos de subsistência. Além
da mandioca, que corresponde a cerca de 90%
da área plantada da roça, a
castanha-do-pará é o produto
mais consumido pelos índios, que utilizam
também a casca e a entrecasca para
confeccionar a maioria de seus artefatos.
O território ocupado pelos índios
é entrecortado por pequenos igarapés,
onde realizam pescarias com timbó.
A relativa escassez de recursos faunísticos
nessa zona de ocupação resulta
do longo tempo de permanência das aldeias
e, portanto, do esgotamento da caça.
A área habitada corresponde à
uma zona de "refúgio", onde
os Zo'é mantiveram-se isolados dos
brancos, que conheciam através de contatos
intermitentes há várias décadas,
e de outros povos indígenas vizinhos,
que consideram inimigos.
Os Zo'é aceitaram
a convivência pacífica com os
brancos em 1987. Quatro anos depois, estima-se
que tenham morrido 45 indivíduos por
epidemias de malária e gripe. Em 1991
eles eram 133. Hoje vivem um processo de recuperação
demográfica...”. Saiba mais sobre os
Zo´é.
ISA, Bruno Weis.