Brasília
(12/02/07) - Com o Decreto presidencial 6.040,
publicado no Diário Oficial da União
do dia (7), o governo brasileiro reconhece
formalmente, pela primeira vez na história
do País, a existência formal
de todas as chamadas populações
“tradicionais” do Brasil. Ao longo dos seis
artigos do decreto, que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT),
o governo estende um reconhecimento feito
parcialmente, na Constituição
de 1988, apenas aos indígenas e aos
quilombolas. As negociações
que culminaram no decreto tiveram participação
direta da ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, e do ministro do Desenvolvimento Social,
Patrus Ananias.
Daqui em diante, todas as
políticas públicas, decorrentes
da PNPCT, beneficiarão oficialmente
o conjunto das populações tradicionais,
incluindo ainda faxinenses (que plantam mate
e criam porcos), comunidade de “fundo de pasto”,
geraizeiros (habitantes do sertão),
pantaneiros, caiçaras (pescadores do
mar), ribeirinhos, seringueiros, castanheiros,
quebradeiras de coco de babaçu, ciganos,
dentre outras.
Tais políticas serão
desenvolvidas pela Comissão Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).
“Elas terão como objetivo central promover
o desenvolvimento sustentável, com
ênfase no reconhecimento, fortalecimento
e garantia dos direitos territoriais, sociais,
ambientais, econômicos e culturais,
além de respeito à valorização
de identidade daquelas populações,
às suas formas de organização
e às suas instituições”,
sublinhou o diretor de Agro-extrativismo do
Ministério do Meio Ambiente, Jorge
Zimmermann.
Definição
- Segundo o artigo 3 do decreto, povos e comunidades
tradicionais são grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios
e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações
e práticas geradas e transmitidas pela
tradição.
Tais populações
- a maior parte sem documentos de identidade,
totalmente à margem dos direitos civis
- habitam sobre um quarto do território
brasileiro, em todas as regiões do
País, formando um contingente de cerca
de 5 milhões de pessoas, equivalente
à população de muitos
países europeus. “De forma inédita,
o governo brasileiro reconhece o Brasil como
um estado pluriétnico; assim, abre
possibilidades de gestão mais enriquecedora
para o conjunto da sua população”,
disse Zimmermann.
Ações - Com
base na Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais (PNPCT), as várias instâncias
do governo federal, de forma integrada entre
si e com as lideranças das comunidades
tradicionais, poderão, juntas, desenvolver
planos, projetos e ações destinadas
a promover a inclusão daquelas populações.
Muitas ações
nesse sentido já são desenvolvidas
hoje, como, por exemplo, as Reservas Extrativistas
(Resex), criadas e geridas pelo Ibama. “Mas,
de agora para frente, aquelas ações
poderão ser realizadas de forma ainda
mais articulada dentro do governo e, por isso
mesmo, ter seus efeitos potencializados. O
trabalho buscará sempre o desenvolvimento
sustentável, ou seja, o uso equilibrado
dos recursos naturais”, enfatiza o diretor.
Eixos - Segundo Zimmermann,
são três as diretrizes centrais
da PNPCT. A primeira delas pretende assegurar
a todos os direitos civis, por meio do reconhecimento
legal dos habitantes daqueles habitantes,
inclusive com fornecimento de documentos de
identificação; a segunda diretriz
diz respeito ao reconhecimento explícito
do respeito à diversidade étnica,
ao direito à educação
diferenciada e à prática religiosa
específica. A terceira perna do tripé
pretende equacionar a regularização
fundiária, já que muitas das
comunidades tradicionais sofrem com o desrespeito
à sua referência geográfica,
como é o caso dos quilombolas, que,
em muitos casos, foram incorporados pelas
cidades, sofrendo achaques da especulação
imobiliária.
“Havia uma ausência
de marcos legais que garantissem direitos
às populações tradicionais.
Agora, porém, com o decreto, temos
uma situação em que, com amparo
da PNPCT podemos transformar a realidade daqueles
povos positivamente”, diz Zimmermann. Até
porque, insiste ele, o País vive um
momento em que a especificação
profissional e as novas tecnologias roubaram
praticamente todos os espaços para
a migração das populações
tradicionais da zona rural para as cidades.
Com o PNPCT, o governo pretende criar condições
para que aquelas pessoas encontrem maneira
de viver digna em seu próprio meio
ambiente.
Uma das primeiras providências,
segundo o diretor, será tentar incluir
as ações integradas (governo/populações)
no Plano Plurianual (PPA), o que possibilitaria
estruturar melhor atividades voltadas àquela
população, inclusive pela vinculação
de dotação orçamentária.
Até a redação
do texto do decreto, foi um longo processo
de discussão. Numa comissão
democrática, que juntou 15 representantes
de vários setores do governo e 15 representantes
das comunidades tradicionais, as sugestões
e críticas de todos foram colhidas
no período de um ano. Foram cinco grandes
reuniões regionais, realizadas no Acre,
no Pará, em Pernambuco, no Paraná
e na Bahia. “No decorrer dos encontros, a
sensação foi de que aos poucos,
juntos, aquelas comunidades foram sendo retiradas
da invisibilidade”, diz Zimmermann