01/03/2007 - O nível do mar pode
subir até 50 centímetros na
costa brasileira, o que deve afetar cerca
de 42 milhões de pessoas. O oceano
pode avançar até 100 metros
em praias do Norte e Nordeste. Já a
temperatura média do País pode
subir em até 3,8 Cº.
Projeções feitas por especialistas
contratados pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA) apontam a possibilidade de
queda nas chuvas e aumento de até 8
ºC na temperatura média da Amazônia,
até 2100. Em um cenário mais
pessimista, mantendo-se o ritmo atual de devastação,
a Floresta Amazônica pode tornar-se
alguma coisa parecida com o Cerrado e, ainda
pior, passar a contribuir com o aquecimento
global, emitindo gás carbônico
e não mais regulando sua quantidade,
como ocorre hoje. As pesquisas citam o Brasil
como um País bastante vulnerável
às mudanças climáticas:
tanto a matriz energética de base hidrelétrica
quanto a grande produção agropecuária
dependem muito do regime de chuvas.
As conclusões são preliminares
e não podem ser consideradas fato consumado,
mas uma tendência. Elas fazem parte
de um conjunto de oito estudos cujos resultados
foram divulgados ontem, dia 27 de fevereiro,
em Brasília, pela ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva. A partir da análise
da evolução do clima no século
passado, foram projetados dois cenários
climáticos extremos – um pessimista
e outro otimista – e seus impactos na biodiversidade.
Foram listados possíveis efeitos do
aumento do nível do mar, até
o fim do século, sobre populações
humanas, ecossistemas e espécies em
alguns pontos do litoral. Participaram das
pesquisas cientistas do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade
de São Paulo (USP), da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), entre outras instituições.
Pesquisadores, a ministra Marina Silva e
o secretário João Paulo Capobianco.
Os oito estudos foram elaborados por especialistas
de alto nível de 13 instituições
nacionais e internacionais.
Ainda de acordo com os estudos, o Nordeste
é considerado a área mais vulnerável:
na pior das hipóteses, de semi-árida
a região pode tornar-se árida.
O trabalho confirma que as populações
mais pobres, principalmente as nordestinas,
seriam as mais atingidas pelas alterações
do clima. A temperatura média do País
pode aumentar em até 3,8 Cº. Nos
próximos noventa anos, o nível
do mar pode subir até meio metro na
costa brasileira, o que deve afetar cerca
de 42 milhões de pessoas, 25% da população
do Brasil hoje. O oceano poderia avançar
até 100 metros em praias do Norte e
Nordeste. O Rio de Janeiro também é
citado como uma das cidades mais sensíveis
ao fenômeno.
“Temos de 60% a 70% de certeza que a Amazônia
vai esquentar e ficar mais seca; os ecossistemas
vão mudar e teremos muito mais eventos
climáticos extremos, como a seca que
aconteceu na região em 2005”, alertou
José Marengo, do Inpe. Ele explicou
que, devido a dificuldades técnicas,
as modelagens feitas agora não incluíram
dados sobre o desmatamento, que contribui
para o aquecimento regional e global. “Se
contarmos com o deflorestamento, poderemos
constatar um aumento ainda maior da temperatura”.
Marengo admitiu que a menor umidade e a diminuição
da área da floresta podem provocar
alterações em seus processos
bioquímicos, levando-a a um “colapso”
e convertendo-a num grande emissor de gás
carbônico. Há uma polêmica
na comunidade científica sobre se a
Floresta Amazônica absorve ou expele
carbono no cálculo do saldo global
do clima. Segundo estudos recentes, é
mais provável que ela não faça
nem uma coisa nem outra, mas funcione como
um grande armazém de dióxido
de carbono e mantenha estável sua quantidade
na atmosfera.
José Marengo foi o responsável
pelos dados e cenários climáticos
no estudo do MMA (confira). Ele também
participou da elaboração do
4º relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC,
na sigla em inglês), divulgado no início
deste mês. O relatório é
o primeiro documento oficial da Organização
das Nações Unidas (ONU) que
admite com alto grau de certeza a influência
das atividades econômicas no aquecimento
do planeta e foi usado como subsídio
para os trabalhos encomendados pelo MMA.
“Se o avanço da fronteira agrícola
e da indústria madeireira for mantido
nos níveis atuais, a cobertura florestal
poderá diminuir dos atuais 5,3 milhões
de quilômetros quadrados (85% da área
original) para 3,2 milhões de quilômetros
quadrados (53% da cobertura original) em 2050.
O aquecimento global vai aumentar as temperaturas
na região amazônica, e pode deixar
o clima mais seco, provocando a savanização
da floresta. [...] Os níveis dos rios
podem ter quedas importantes e a secura do
ar pode aumentar o risco de incêndios
florestais”, afirma o estudo chefiado por
Marengo.
Metas
“O trabalho pretende definir indicadores,
metodologias e ferramentas para tratar do
tema das mudanças climáticas
e não estabelecer metas para redução
de emissões de carbono. O governo já
assumiu o compromisso com a queda do desmatamento”,
argumentou João Paulo Capobianco, secretário
de Biodiversidade e Florestas do MMA. Ele
admitiu, no entanto, que metas nacionais e
internacionais de redução das
emissões e do desmatamento podem ser
aceitas pelo governo no futuro dentro de um
processo de negociação. “Não
podemos perder de vista o princípio
das responsabilidades comuns, mas diferenciadas
[entre países pobres e ricos]. O Brasil
não pode ter um rompante de heroísmo
e assumir por si só uma meta. Não
podemos ter uma posição ingênua.
Isso tem de ser negociado com todos os países”.
Os países desenvolvidos são
os principais responsáveis pela emissão
dos gases do efeito-estufa e os únicos
que têm metas de redução
de suas emissões previstas no Protocolo
de Kyoto. Nas negociações internacionais
sobre o tema, o governo brasileiro tem resistido
à idéia de fixação
de metas de diminuição das emissões
para os países pobres. Mais de 70%
das emissões de carbono do Brasil são
provocadas por queimadas e desmatamento.
A ministra Marina Silva explicou que os estudos
realizados agora deverão ser aprofundados
e servirão para a elaboração
de políticas públicas para prevenção,
mitigação e adaptação
às mudanças climáticas.
Ela defendeu a adoção de um
plano nacional para o problema, a exemplo
do que acontece com o desmatamento, com participação
de Estados, municípios e sociedade.
“Temos de nos antecipar a um processo que
já está acontecendo. É
fundamental diversificar nossa matriz energética”.
A ministra elogiou a produção
do etanol e disse que ela pode fortalecer
a posição do País como
detentor de uma matriz energética limpa.
Marina disse que a partir dos estudos poderão
ser desenvolvidas análises sobre os
efeitos das alterações no clima
para a agricultura, a geração
de energia e a economia em geral.
“O mantra do crescimento a qualquer preço,
repetido à exaustão por autoridades,
economistas e meios de comunicação,
deveria subordinar-se ao alerta contido nos
estudos encomendados pelo MMA", adverte
Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental
(ISA). Ele defende que a mudança climática
não é apenas o tema mais importante
da agenda ambiental, mas deve ser reconhecido
como prioritário em relação
à própria política econômica
em virtude da gravidade do problema.
Relatórios do IPCC vêm reforçando
que o aquecimento da Terra acelerou-se no
último século. Acima, tabela
com anomalias globais de temperatura, no período
1850-1920, com base em registros instrumentais,
comparadas com a média de um conjunto
de quatro simulações de modelos
com as seguintes forçantes: solar e
vulcânica (natural); gases de efeito-estufa
(antropogênica); combinação
das forçantes. A linha vermelha representa
as observações e a área
cinza representa os quatro modelos climáticos
usados. As médias são anuais.
ISA, Oswaldo Braga de Souza.