Ação
movida por fazendeiros que ocupam terras
na região declarada Sítio
do Patrimônio Natural pede a extinção
da Área de Proteção
Ambiental do Pouso Alto, criada para
proteger Parque Nacional
Brasília, 12
de março de 2007 — Considerada
uma das áreas mais importantes
para a biodiversidade do Cerrado, a
Chapada dos Veadeiros, no nordeste goiano,
enfrenta mais uma vez grave ameaça
aos seus ecossistemas e espécies
nativas. Um grupo de 18 fazendeiros,
vindos do Distrito Federal, Paraná,
Goiás, Santa Catarina e Rio de
Janeiro, está movendo ação
popular solicitando a extinção
da Área de Proteção
Ambiental (APA) do Pouso Alto, unidade
de conservação (UC) estadual
com 872 mil hectares. Criada em maio
de 2001, a unidade é essencial
para garantir a proteção
e o uso sustentável dos recursos
naturais únicos da Chapada dos
Veadeiros, declarada Sítio do
Patrimônio Natural pela UNESCO.
No último dia 18 de janeiro,
a Comarca de Alto Paraíso, concedeu
liminar que suspende a implementação
da APA do Pouso Alto.
A argumentação
utilizada pelos autores da ação
é a de que a unidade causou uma
“desapropriação indireta”
aos proprietários reclamantes,
embora esse tipo de UC tenha exatamente
como função principal
promover o ordenamento territorial sem
a desapropriação de terras,
além de estimular atividades
de caráter sustentáveis.
A liminar, recentemente expedida, paralisa
a elaboração do Zoneamento
Ecológico Econômico (ZEE)
da região, que orientará
o Plano de Manejo da unidade, ferramenta
indispensável para impulsionar
o desenvolvimento sustentável
da área. “Com isso, frea-se também
a possibilidade da população
ser beneficiada”, destaca Álvaro
De Angelis, Diretor de Meio Ambiente
da ONG Oca Brasil e anteriormente Secretário
Executivo da Reserva da Biosfera do
Cerrado.
Desmatamento e importância
biológica – A exemplo do que
ocorreu nas áreas que perderam
a proteção do Parque Nacional,
a extinção da APA dá
abertura para a expansão do desmatamento.
Para se ter idéia, já
foram desmatadas quase duas vezes a
área atual do Parque: 116 mil
hectares, dos 565 mil suprimidos da
unidade desde sua criação.
De acordo com o Diretor
do Programa Cerrado-Pantanal da ONG
Conservação Internacional,
Ricardo Machado, a região é
tão importante para o Cerrado
como a Mata Atlântica é
para o Brasil. “Deveríamos trabalhar
no sentido de implementar a APA de forma
participativa e buscar formas opcionais
de desenvolvimento econômico e
não reverter o tênue processo
de conservação da Chapada
dos Veadeiros”, salienta.
Desde 1998, quando
o Ministério do Meio Ambiente
(MMA) realizou o ‘Seminário de
Áreas e Ações Prioritárias
para a Conservação da
Biodiversidade dos biomas Cerrado e
Pantanal’, as regiões da Chapada
dos Veadeiros e do Pouso Alto são
apontadas como de extrema importância
biológica. Nesse evento, 250
especialistas, técnicos e cientistas
foram consultados para identificar quais
seriam as regiões mais relevantes
para a conservação do
Cerrado e Pantanal, relacionando 87
áreas. A importância deve-se
em grande parte ao elevado grau de espécies
endêmicas, ou seja, que somente
são encontradas nessa região.
Estudos recentes também
indicam a Chapada dos Veadeiros como
um dos poucos centros de endemismos
do Cerrado (os outros são a Cadeia
do Espinhaço, o Vão do
Paranã e o Vale do Araguaia).
No final do ano passado, durante a revisão
das áreas prioritárias
para a conservação, promovida
pelo MMA, seguindo as recomendações
da 7ª Conferência das Partes
(COP7) da Convenção sobre
Diversidade Biológica, a região
foi novamente confirmada como sendo
de extrema riqueza biológica
e altamente insubstituível (o
que indica que a área é
única em sua composição
de fauna e flora).
Rejeição
histórica – A região da
Chapada dos Veadeiros já foi
mais protegida do que na atualidade.
Em 1961, a pedido do então Senador
por Goiás, Jerônimo Coimbra
Bueno, o presidente Juscelino Kubitschek
criou o Parque Nacional do Tocantins
com uma área de 625 mil hectares.
Ao longo do tempo o Parque foi sendo
sucessivamente reduzido até chegar,
em 2002, a menos de 10% de sua área
original. A argumentação
utilizada para a primeira redução
no tamanho do Parque do Tocantins, em
1972, quando passou para 172 mil hectares
e teve o seu nome alterado para Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros, foi
exatamente a mesma utilizada pelos atuais
reclamantes: prejuízos econômicos
e estagnação do crescimento.
Em 1981, a unidade foi novamente reduzida,
ficando restrita a apenas 60 mil hectares.
As premissas que ampararam
a redução de mais de 90%
da área do Parque, entretanto,
não se mostram verdadeiras. A
principal delas é o baixo dinamismo
econômico da região. Segundo
Machado, ele não ocorre por entrave
da conservação ambiental,
mas sim por um modelo de crescimento
que é incompatível com
as características de solo e
topografia da região. Ele lembra
que, em 2002, houve uma nova tentativa
para manter seus ecossistemas preservados
- que propunha a ampliação
do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
para 235 mil hectares e foi rechaçada
pelos ruralistas, alguns do mesmo grupo
que hoje solicita a extinção
da APA do Pouso Alto. “A qualidade ambiental
dessa região é ímpar
no Cerrado, pois mais de 90% dos ecossistemas
nativos ainda estão preservados,
o que possibilita a implantação
de variados modelos de desenvolvimento”,
aponta. É justamente onde se
concentra a maior parte da vegetação
nativa do estado de Goiás, que
já desmatou 68% de sua área.
Compromisso público
– Uma possível extinção
da APA do Pouso Alto poderá trazer
sérios prejuízos políticos
ao Governo de Goiás, réu
da ação impetrada pelo
pequeno grupo de fazendeiros da região.
Isso porque o aumento da proteção
da biodiversidade foi um dos compromissos
assumidos pelo estado de Goiás,
quando da obtenção de
empréstimos junto ao Banco Mundial,
para restauração e ampliação
de sua malha viária.
De acordo com De Angelis
“mesmo considerando que o tipo de categoria
de manejo não é o ideal
para assegurar a proteção
da biodiversidade, a existência
de uma APA representa um primeiro passo
para que ações mais concretas
de conservação e uso sustentável
sejam desenvolvidas”. Além disso,
lembra Álvaro, o Governo de Goiás
já investiu um expressivo volume
de recursos na APA do Pouso Alto, e
sua extinção poderia ser
caracterizada como uma malversação
e desperdício de recursos públicos.
Pelo fato da região ser considerada
uma das áreas-núcleo e
zona de amortecimento da Reserva da
Biosfera, qualquer revés na conservação
de suas paisagens e recursos naturais
poderá comprometer sua implantação.
Desenvolvimento justo
– A busca de um desenvolvimento socialmente
justo e sustentável é
o desejo da maioria da população
da Chapada dos Veadeiros. Desde cedo
se percebeu que o turismo seria uma
grande oportunidade econômica
para a região, mas a atividade
turística, sozinha, não
é capaz de assegurar uma condição
confortável para seus habitantes.
“Como as restrições físicas
são impedimentos reais para a
implantação de monoculturas
mecanizadas e concentradoras de renda,
a solução deve passar
pela discussão com os cidadãos
locais de formas de desenvolvimento
compatíveis com a manutenção
dos ecossistemas da Chapada dos Veadeiros
e que beneficiem todas as camadas sociais”,
avalia De Angelis.
Para estudiosos da
região, os ingredientes para
a sustentabilidade ecológica
e econômica da Chapada dos Veadeiros
são a extração
equilibrada de recursos naturais do
Cerrado, propiciando educação
e saúde à população,
a intensificação da oferta
de roteiros e serviços turísticos
e a facilitação da participação
comunitária nas instâncias
decisórias.
Saiba o que é
uma APA
A Área de Proteção
Ambiental é uma área em
geral extensa, com um certo grau de
ocupação humana, dotada
de atributos abióticos, bióticos,
estéticos ou culturais especialmente
importantes para a qualidade de vida
e o bem-estar das populações
humanas, e tem como objetivos básicos
proteger a diversidade biológica,
disciplinar o processo de ocupação
e assegurar a sustentabilidade do uso
e a repartição de benefícios
econômicos da utilização
dos recursos naturais.
Fontes:
Álvaro De Angelis – Diretor de
Meio Ambiente da Oca Brasil
Ricardo Machado – Diretor do Programa
Cerrado-Pantanal da CI - Brasil
A Oca Brasil foi criada
em 1997, com sede em Alto Paraíso
de Goiás, na Chapada dos Veadeiros,
e escritório em São Paulo
(SP), e atua com os objetivos principais
de conservação da biodiversidade,
produção agroecológica
e educação ambiental.
Como membro do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama), a Oca Brasil
representa as ONGs ambientalistas da
região Centro-Oeste. A organização
desenvolve projetos próprios
e em parcerias com instituições
governamentais e privadas, sendo parceira
da CI Brasil no Corredor Ecológico
Paranã – Pirineus. A Oca Brasil
participa ainda de diversos colegiados,
como do Conselho Deliberativo da Rede
de ONGs do Cerrado, Conselho Gestor
da APA do Pouso Alto, Conselho Consultivo
do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
e do Conselho Municipal de Defesa do
Meio Ambiente de Alto Paraíso
(GO), entre outros. Para conhecimento
do trabalho da organização,
visite sua sede: Rodovia GO-239, Trecho
Alto Paraíso – Nova Roma, S/N,
Alto Paraíso – GO.