A
Funai publicou hoje (15), no Diário
Oficial da União, portaria que estabelece
restrição ao direito de ingresso,
locomoção e permanência
de pessoas estranhas aos quadros da Fundação,
na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo,
localizada no município de Colniza
(MT), até a publicação
da homologação da demarcação.
A área é habitada
por um grupo indígena autônomo
(também chamado de “isolado”), que
vive na floresta, sem relações
diretas com a sociedade nacional, sofrendo
ameaças de madeireiros que atuam na
região. Considerada a cidade mais violenta
do País, Colniza é também
o centro geográfico do “arco do desmatamento”
na Amazônia (veja mapa), o que põe
em risco a sobrevivência do grupo. Funcionários
da Funai que trabalham na região já
relataram terem sofrido graves ameaças.
De acordo com os dados coletados pelas equipes
da Funai, é possível que o grupo
indígena seja composto por pelo menos
duas famílias, com uma população
de 26 pessoas.
Há 34 posses declaradas
na área, todas elas como títulos
precários, a partir de cadeia forjada
por Mário Soares Brandão e que
se originaria em concessões de antigos
seringais para o peruano Alejandro Lopes,
na década de 1920. A região
onde se insere a TI Rio Pardo exibe o maior
índice (absoluto e proporcional) de
desmatamento ilegal continuado na Amazônia
brasileira. Compreendida pelo extremo noroeste
do Mato Grosso, leste de Rondônia e
o sul do Amazonas, concentra parte de um locus
geográfico conhecido como “arco do
desmatamento” e é o ambiente dinâmico
de toda sorte de ilegalidades, já alvo
de três operações do Departamento
de Polícia Federal e IBAMA em 2005
(as operações “Curupira” I e
II e “Pardo”) e uma da Secretaria de Meio
Ambiente do Mato Grosso (a “Operação
Pica-Pau”).
Em 2001, a Funai interditou
uma área que denominou Terra Indígena
Rio Pardo para proteger um grupo de índios
isolados descobertos por acaso por “pesquisadores”
de madeira em 1999, nos contrafortes da Serra
Grande (ou Morena), entre os rios Guariba
e Aripuanã, no então distrito
(hoje município) de Colniza, norte
do Mato-Grosso, perto da divisa com o Amazonas.
Além de realizar
atividades de proteção, a interdição
da área visou dar condições
para que a Funai realizasse os estudos antropológicos
necessários para identificação
da área efetivamente ocupada e necessária
para a reprodução física
e sociocultural daquele grupo indígena
isolado. Entre junho de 1999 e outubro de
2006, as equipes da Frente de Proteção
Etno-Ambiental Madeirinha, da Funai, realizaram
cerca de 30 expedições na área
interditada e fora dela, entre os rios Guariba
e Aripuanã, localizando e identificando
45 acampamentos provisórios, duas malocas
(habitações permanentes) e três
capoeiras, registrando ainda o avanço
da ação de madeireiros e de
fazendeiros.
“Um conjunto de informações
nos leva a considerar, com propriedade, que
os assim chamados “isolados do rio Pardo”
fazem parte dos povos chamados pela literatura
antropológica de Kawahiva e aos quais
também se filiam os Uru-Eu-Wau-Wau
(Amondawa, Jureiy) e Karipuna (no noroeste
de Rondônia), Parintintim, Tenharim,
Diahói e Juma (no sul do Amazonas);
os “Kawahibí” do Madeirinha e os Kayabi
(nordeste do Mato Grosso). Todos estes povos
se autodenominam “Kawahiva””, escreveu o antropólogo
Gilberto Azanha, coordenador do Grupo de Trabalho
de Identificação da área,
A região compreendida
entre os cursos médios dos rios Guariba
e Aripuanã foi alvo de diferentes levas
de exploração econômica
ao longo dos últimos 70 anos (1930-2000).
Caucheiros, seringueiros, “gateiros”, garimpeiros,
copaibeiros e madeireiros penetraram na região
pela calha do rio Madeira (desde o Amazonas)
subindo o rio Tapajós e depois o rio
Aripuanã e daí atingiram o rio
Guariba.
A seqüência acima
corresponde, em linhas gerais, com a cronologia
da ocupação por frentes exploradoras
da região: caucheiros, seringueiros
e copaibeiros dos anos 1920 aos 1950; nos
1950-60, garimpeiros, gateiros e copaibeiros;
nos 1970-1980, garimpeiros e copaibeiros (Menéndez,
Tese de Doutorado inédita, USP: cap.
II) e estes últimos e os madeireiros
nos 11000-2000 até o presente. Esta
última ocupação foi a
responsável pela “delimitação”
do território atual dos Kawahiva do
Pardo e também, como vimos, sobre as
primeiras informações sobre
a presença deste grupo na região.
“Podemos deduzir então
que, com a abertura da estrada (MT 206), o
território dos isolados passou a ser
mais intensamente explorado, levando o grupo
a refugiar-se nos contrafortes da Serra Grande,
local mais inacessível à penetração
dos pesquisadores e exploradores de madeira.
E os “isolados do Pardo” deixaram de colocar
roças, vivendo exclusivamente da coleta,
da pesca e da caça de pequenos animais
e aves”, afirma Azanha. Foram encontrados
até novembro de 2006, quarenta e cinco
acampamentos provisórios na região,
alguns deles periodicamente revisitados por
indígenas.
Esses índios vêm
sofrendo enorme pressão, sobretudo
nos últimos dez anos, mas estão
conseguindo manter três gerações
de descendentes (avós, pais, netos).
O povo não estaria, dessa forma, em
condições “terminais” - casos
de grupos ameaçados de serem extintos.
“Se o Estado brasileiro
lhes garantir a segurança necessária,
temos a absoluta certeza que os Kawahiva do
Pardo experimentarão um crescimento
demográfico significativo, a exemplo
do que ocorreu com os Zo’é do Amapá”,
enfatiza Azanha. “Para tanto, é fundamental
que lhes sejam garantidas, dentro do território
que ocupam, as áreas para as suas atividades
econômicas de subsistência que,
como pretendemos ter demonstrado, se sobrepõe
àquelas imprescindíveis à
manutenção dos recursos necessários
ao seu bem-estar: sem segurança nestas
áreas de entorno, os isolados do Pardo
não retomarão seu padrão
tradicional de reprodução sociocultural,
que tem nas roças a sua base. Esta
é uma das poucas certezas que os dados
disponíveis e expostos até aqui
nos dão”.
Serviço:
Referência: Processo nº 0564/2001/DAF.
Terra Indígena: Kawahiva do Rio Pardo.
Localização: Município
de Colniza, Estado do Mato Grosso. Superfície
aproximada: 411.000 hectares. Perímetro
aproximado: 320quilômetros. Sociedade
Indígena: Kawahiva. Tronco Lingüístico:
Tupi, da família Tupi-Guarani. População:
indefinida. Identificação e
Delimitação: Grupo Técnico
constituído pelas Portarias nº
1.126/PRES, de 30 de agosto de 2006, e 1335/PRES
de 20 de outubro de 2006, coordenado pelo
antropólogo Gilberto Azanha.
+ Mais
Lula homologa terras indígenas
no Amazonas e na Bahia
13 de março - O Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva homologou, nesta terça-feira
(13), outras duas terras indígenas,
uma no estado do Amazonas e outra na Bahia.
A Terra Indígena
Apurinã do Igarapé São
João (AM), com 18.232 ha, localizada
no município de Tapauá, região
do rio Purus, é habitada pelo povo
Apurinã. No município de Porto
Seguro (BA), foi homologada a Terra Indígena
Imbiriba, com 408 ha, habitada pelo índios
Pataxó.
Às margens do Córrego
Chato, um dos formadores do rio Caraíva,
a homologação da TI Imbiriba
resulta de uma luta de mais de dez anos dos
Pataxó para a proteção
da área. “Somos 52 famílias
lá, e não tem invasor. Essa
é uma grande vitória do povo
Pataxó”, afirmou o líder Zeca
Pataxó, administrador da Funai em Porto
Seguro.
Festa indígena do
Pequi vira documentário
13 de março - O documentário
Mapulawache: Festa do Pequi será exibido
nesta quarta-feira (14), às 19h, no
auditório 1 do Museu da República,
em Brasília. O filme ilustrará
a exaltação, em ritual indígena,
às características nutritivas
e oleosas do fruto. Idealizado pela professora
do Departamento de Música da Universidade
de Brasília (UnB) Beatriz Castro e
pelo índio Aiuruá Mehináku,
o projeto ficou em primeiro lugar no Distrito
Federal (DF) no Programa de Fomento à
Produção e Teledifusão
do Documentário Brasileiro (DOC-TV),
promovido pelo Ministério da Cultura
(Minc) pela terceira vez.
O DOC-TV, que tem por finalidade
a regionalização da produção
de documentários e a articulação
de circuito nacional de difusão desses
trabalhos, teve mais de 40 projetos inscritos
somente no DF. O total brasileiro chegou a
859 roteiros.
Mapulawache: Festa do Pequi
mostra a origem da relação humana
com o pequi a partir da festa realizada pela
etnia indígena Mehináku, do
Parque do Xingu. A festa do pequi ocorre em
outubro, época da colheita. Dirigido
pelo indígena Aiuruá Mehináku,
o documentário não possui diálogos
ensaiados, o que permite, segundo seus idealizadores,
“apreender os conteúdos e o modo de
vida nas aldeias”. Até o próximo
dia 17, a série inédita desta
edição do DOC-TV será
apresentada em várias capitais brasileiras,
depois desta data, os filmes serão
exibidos nas emissoras da Rede Pública
de Televisão, sempre aos domingos às
23h.
Resposta da Funai a reportagem
de Veja
À redação
de VEJA
Brasília, 14 de março
de 2007
A reportagem “Made in Paraguai”
(VEJA, 14/03/2007, pág. 56-58) apresenta
conclusões precipitadas e equivocadas.
Em primeiro lugar, a Funai ainda não
chegou a uma definição sobre
o processo de regularização
da Terra Indígena Morro dos Cavalos,
cujo trâmite administrativo cumpre rigorosamente
os requisitos do artigo 231 da Constituição
Federal e do Decreto Presidencial 175/96.
Em segundo lugar, a reportagem
estimula velhos preconceitos contra a população
indígena de um país que se orgulha
de suas raízes multiculturais. Os índios
Guarani M`byá habitam os territórios
do Brasil, do Paraguai e da Argentina. Como
vários outros povos indígenas,
vivem no Brasil e em demais países
da América do Sul. É o caso
dos Tikuna, dos Ingaricó, dos Galibi,
dos Ashaninka, dos Kaiowá e de tantos
outros. É graças aos povos indígenas
que o Brasil possui suas dimensões
continentais.
Por fim, a Funai se alegra
com o fato de VEJA reconhecer seu esforço
pela demarcação das terras e
pela proteção dos direitos indígenas.
Contudo, a Fundação reitera
que, ao contrário do sugerido pelo
texto, suas ações orientam-se
pela legislação nacional.
Coordenção Geral de Assuntos
Externos