Meio
Ambiente / Ecossistema - 16/03/2007 - Os pesquisadores
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa/MCT) alertam para um problema grave
que está acontecendo no entorno da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá (RDSM): a matança desordenada
de botos. Alguns desses animais foram encontrados
mutilados por anzóis e redes de pesca.
Segundo a pesquisadora do Inpa e do projeto
Boto (RDSM), Vera da Silva, a cena é
triste, mas serve de alerta para as agressões
que os golfinhos de água doce boto-
tucuxi, Sotalia fluviatilis, e o boto-vermelho
ou cor-de-rosa, Inia geoffrensis, estão
sofrendo.
A matança está
acontecendo porque os animais servem de iscas
para a pesca do peixe piracatinga, Calophysus
macropterus, que é muito apreciado
como alimento na Colômbia e encontrado
em muitas partes da bacia do rio Amazonas,
por exemplo, na área coberta pela RDSM.
A piracatinga é um
peixe necrófago, ou seja, alimenta-se
de resto de animais aquáticos, por
isso, não é consumido do lado
brasileiro. Dessa forma, toda a pesca é
exportada para o país vizinho por meio
de barcos lotados com o peixe, além
de outras espécies de peixe-liso. "Os
barcos sobem pelo município de Tefé
deixando o gelo nas comunidades ou com os
pescadores e quando voltam coletam o pescado
e, junto, a piracatinga. Existe também
um outro ponto que sai de Fonte Boa direto
para Tabatinga até chegar na Colômbia",
explicou Silva.
A situação
foi constatada durante as expedições
feitas pela equipe do projeto Boto, que é
desenvolvido na reserva Mamirauá desde
1992. Durante os trabalhos de campo, os cientistas
capturam, marcam e soltam os animais para,
então, realizar o monitoramento da
variação populacional. Por meio
do dados coletados, foi constatado a diminuição
do número de botos, que até
2000 era previsível e normal.
Além da equipe do
projeto Boto, existem outros técnicos
e pesquisadores que fazem o monitoramento
dentro da reserva. Eles detectaram os mesmos
problemas nas proximidades de Mamirauá
e em algumas localidades entre Coari e Tabatinga.
Segundo Silva, existem comunidades que estão,
praticamente, sobrevivendo da pesca da piracatinga.
Contudo, não é só o boto
que está sofrendo, o jacaré
também, mas a preferência continua
sendo pela carne do boto. "Como ele é
um mamífero, a musculatura é
mais rígida, com isso, a isca dura
mais. Quando o animal é esquartejado
pelos pescadores, ele solta muita banha atraindo
a piracatinga. Ela é puxada com as
mãos para dentro de caixas de madeira
dentro d'água", disse Silva.
"Nos últimos
quatro anos estamos capturando animais com
cabos de nylon em volta da cauda, o que indica
que foram mantidos amarrados. Outros foram
encontrados com restos de malhadeira e cabos
de nylon presos pelo corpo, provocando lesões
sérias, inclusive alguns correndo o
risco de perder a cauda. Também encontramos
animais com a nadadeira peitoral cortada,
com ferimentos feitos por objetos pontiagudos
com nomes escritos e até mesmo animais
retalhados", resignou-se Silva.
De acordo com a pesquisadora,
os botos se alimentam de peixe e aprenderam
que rede na água é sinal de
comida fácil e tentam tirá-la
da malhadeira. Todavia, quando tentam livrar-se
da rede podem morrer e/ou destruí-la.
"Devido a isso, os pescadores, de um
modo geral, não gostam do boto, mas,
ainda assim, existia os que os protegiam.
No entanto, nos últimos sete anos começou
a existir uma captura direta. Até então,
as mortes dos botos nas redes eram acidentais
ou provocada pelo pescador quando o animal
ameaçava sua pesca. Mas, agora, não,
está havendo uma matança indiscriminada",
lamentou Silva.
Conforme algumas entrevistas
feitas pela equipe do projeto com os moradores
das comunidades da região, a matança
está associada à encomendas
dos donos dos barcos e de comerciantes que
levam os peixes à Colômbia. Além
disso, os peixes capturados não entram
nas estatísticas pesqueiras do Estado,
pois não são comercializados
do lado brasileiro. "Acreditamos que
os colombianos não sabem que estão
levando gato por lebre, porque a piracatinga
é necrófaga", afirmou.
Em relação
às medidas para conter a situação,
a pesquisadora afirmou que denunciou as ocorrências
para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
e está aguardando uma posição.
"O Ibama não tem fiscais suficientes
para fiscalizar toda a Amazônia. Além
do mais, os fiscais precisam pegar o infrator
em flagrante, o que é quase impossível.
A saída, então, é o controle
maior do que é pescado, no caso, a
piracatinga, pois sabe-se qual é o
destino", destacou.
Luís Mansuêto - Assessoria de
Comunicação do INPA