23/03/2007
- Na cerimônia de posse realizada ontem,
novo presidente da Funai destacou que caberá
ao órgão ser o articulador das
políticas de atenção
aos povos indígenas e que sua gestão
dará prioridade à participação
direta do movimento indígena na formulação
e atualização dessas políticas.
Meira prometeu que a primeira medida da nova
gestão será instalar a Comissão
Nacional de Política Indigenista, paralisada
há mais de um ano.
O antropólogo Márcio
Meira assumiu a presidência da Fundação
Nacional do Índio (Funai) ontem, dia
22 de março, em Brasília, na
sede da instituição, numa cerimônia
com direito ao hino nacional em tupi-guarani
e a presença de diversas lideranças
indígenas. O salão repleto e
abafado ouviu do novo presidente a promessa
de lutar pela reestruturação
do órgão.
O discurso de Meira centrou-se
na necessidade de articulação
e de controle social das políticas
governamentais voltadas aos povos indígenas.
Ele afirmou que a Funai deve agir como articuladora
dessas políticas e da relação
entre os mais de 225 povos indígenas
e o Estado nacional. “Se tem um desafio que
unifica todos os outros é a necessidade
de o Estado exercer, com políticas
próprias, seu papel e sua responsabilidade
integrar as suas ações de forma
a otimizar e ter resultados concretos e práticos
no atendimento aos direitos indígenas”,
disse. "A Funai não pode sozinha,
mesmo que ela tivesse todas as condições
ideais de orçamento, mesmo assim não
daria conta de atender aos direitos indígenas
em sua plenitude", finalizou.
Meira afirmou que já
conversou com o ministro da Justiça,
Tarso Genro, sobre a urgência de se
instalar definitivamente a Comissão
Nacional de Política Indigenista (CNPI),
que foi criada há um ano, mas que não
começou a funcionar porque Ministério
da Justiça ainda não nomeou
seus membros. A comissão foi criada
para ser o espaço preferencial de articulação
entre o movimento indígena e o governo
federal e sua instituição é
uma antiga demanda do movimento indígena.
O novo presidente frisou
a necessidade de se avançar na afirmação
dos direitos indígenas e lembrou que,
se por um lado o Brasil ratificou recentemente
a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) – que regulamenta
internacionalmente alguns dos direitos indígenas,
– por outro não conseguiu aprovar ainda
um novo Estatuto das Sociedades Indígenas,
cuja tramitação está
paralisada no Congresso Nacional há
mais de 12 anos. Este deve ser um dos principais
desafios para a nova gestão da Funai,
já que há fortes pressões
para se regulamentar a atividade de mineração
e os projetos hidrelétricos em Terras
Indígenas. O governo finalizou recentemente
uma minuta de projeto de lei sobre o tema
da mineração (saiba mais). Enquanto
isso, o movimento indígena luta pela
votação do Estatuto.
Meira ressaltou ainda a
necessidade de se evitar o desperdício
de recursos e a ineficiência administrativa,
destacando a importância de se aumentar
o orçamento da Funai, criar um plano
de carreira e investir na capacitação
de seus funcionários. Atualmente, cerca
de 2 mil servidores do órgão
são responsáveis por um território
do tamanho da Colômbia. O novo presidente
destacou o papel fundamental dos povos indígenas
localizados em regiões de fronteira
no projeto de integração da
América Latina encampada pela gestão
federal.
Na cerimônia de posse,
o ex-presidente Mércio Pereira Gomes
ressaltou o clima de “tranquilidade e normalidade
institucional” da troca de cadeiras, algo
incomum para uma instituição
acostumada a mandatos-relâmpago na presidência
e muita turbulência (veja histórico
dos presidentes da Funai). Mércio foi
o presidente que mais tempo ficou no cargo
desde o fim do governo militar. Evocando o
Marechal Rondon, pioneiro do indigenismo nacional,
afirmou que “o sonho da Funai é que
os povos indígenas sejam reconhecidos
como nações, que conquistem
sua autonomia” dentro do território
nacional. Ele atacou aqueles que “querem tirar
a responsabilidade do Estado de proteger os
povos indígenas”, ressaltando que sob
sua gestão tentou reerguer a estrutura
administrativa da Funai. Terminou afirmando
que “quem aposta contra os povos indígenas
sempre perde” e que, em seus cálculos,
o Brasil devolverá a eles cerca de
13,5% do território nacional, dando
a entender que este seria o “teto” para a
demarcação de territórios
indígenas. Hoje, as Terras Indígenas
ocupam 12,8% do Brasil.
A nova gestão do
órgão indigenista federal terá
muito trabalho. Há um crescente movimento
no Congresso Nacional que questiona a demarcação
de Terras Indígenas e luta pela revisão
dos direitos consagrados na Constituição
Federal. A Funai é sempre o alvo preferencial
desses ataques. Por outro lado, os povos indígenas
estão crescendo demograficamente (4,5
% ao ano, segundo Meira) e cada vez mais demandam
políticas diferenciadas, que não
se esgotam na melhoria na política
de assistência da Funai. Ao contrário,
exigem a inclusão nos diversos órgãos
governamentais de políticas que respeitem
as diferenças e valorizam do caráter
pluricultural de nossa sociedade. Talvez a
saída mesmo seja transformar a Funai
num articulador interinstitucional mais do
que na única porta de entrada dos povos
indígenas às políticas
sociais do Estado nacional.
ISA, Raul Silva Telles do Valle.
Márcio Meira
assume a presidência da Funai
20/03/2007 - O novo presidente
da Fundação Nacional do Índio
tem identificação com os direitos
indígenas desde a luta pela sua inclusão
na Constituição de 1988, além
de ter trabalhado no processo de reconhecimento
de territórios indígenas na
Amazônia. Sua indicação,
confirmada ontem à noite pelo Ministro
da Justiça Tarso Genro, encerra a polêmica
gestão de Mércio Pereira Gomes
à frente do órgão.
O paraense Márcio
Meira, 43 anos, é o novo presidente
da Fundação Nacional do Índio
(Funai). O nome foi confirmado ontem à
noite pelo ministro da Justiça, Tarso
Genro. Formado em História pela Universidade
Federal do Pará (UFPA), com mestrado
em Antropologia pela Universidade de Campinas
(Unicamp), Meira pesquisou os povos Warekena,
da região do Xié, um dos afluentes
do rio Negro, no Amazonas, no início
dos anos 11000 e é o autor da tese
"No tempo dos Patrões", sobre
o regime de aviamento que ainda vigora nas
relações entre extrativistas
e comerciantes no interior da Amazônia.
Sua atuação com os povos indígenas,
porém, é anterior. “Meira é
identificado com a luta em defesa dos direitos
indígenas desde a Constituinte de 1988”,
lembra o antropólogo Beto Ricardo,
secretário-executivo do ISA.
Márcio Meira foi
responsável pelo GT da Funai de identificação
das Terras Indígenas do Médio
Rio Negro e participou de sua demarcação,
em 1997, em cooperação com a
Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) e com
o Instituto Socioambiental (ISA). Mais recentemente,
Meira foi um dos interlocutores das organizações
indígenas na equipe de transição
do governo Lula, em 2002. Na época,
elaborou a parte referente à Cultura
no programa do primeiro mandato.
Em seguida, assumiu a Secretaria
de Articulação Institucional
do Ministério da Cultura, cargo que
ocupou até janeiro passado. Ele conduziu
as discussões e a estruturação
do Sistema Nacional de Cultura. Entre 1995
e 2003, o historiador foi presidente da Fundação
Cultural de Belém e dirigiu o Arquivo
Público Paraense, que recebeu em sua
gestão o prêmio Afrânio
de Melo Franco, do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.
Meira foi um dos responsáveis pela
revitalização do Mercado Ver-o-Peso,
de Belém.
Márcio Meira é
o 32º presidente do órgão
e substitui Mércio Pereira Gomes, que
assumira o cargo em setembro de 2003 e protagonizou
um dos mais longos e controversos mandatos
à frente da presidência da Funai.
Apesar de ter conseguido a homologação
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol,
em Roraima, durante seu mandato, após
décadas de impasse, Gomes acumulou
em quase quatro anos de gestão conflitos
com o movimento indígena organizado,
declarações infelizes – como
a de que a demanda indígena por terras
é excessiva, dita para a agência
Reuters em janeiro de 2006 –, episódios
polêmicos, como o da demissão
do sertanista Sidney Possuelo dos quadros
da Funai, e a crescente dificuldade da fundação
em intermediar as relações entre
povos indígenas e setores da sociedade
nacional.
Repercussão
Para o movimento indígena,
a indicação de Meira combina
doses distintas de expectativa positiva e
frustração. “O novo presidente
da Funai precisa renovar o diálogo
com o movimento indígena para os grandes
temas de nosso interesse”, afirma Domingos
Tukano, diretor da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn). “Tem que trabalhar pela
aprovação do Estatuto do Índio
e pressionar por uma reforma no sistema de
saúde indígena, entre outras
questões urgentes”.
Mas parte das lideranças
indígenas ficou decepcionada com o
novo nome. “Era o momento de um índio
finalmente assumir a presidência da
Funai”, diz Jecinaldo Barbosa Cabral, da Coordenação
das Organização Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab). “Temos
que conseguir a implementação
de uma nova política indigenista no
Brasil, com mais diálogo entre governo
e movimento organizado”, diz Jecinaldo Cabral.
Em reportagem publicada pela Agência
Estado na semana passada, assessores da Presidência
da República afirmaram que “divergências
entre as etnias inviabilizam a escolha de
um nome de consenso para comandar o órgão”,
ainda que muitos índios estejam preparados
para a função.
Para Beto Ricardo, do ISA,
embora as políticas públicas
referentes ao índios extrapolem o campo
de competência da Funai, há um
espaço político que deve ser
preenchido pelo órgão. “Espero
que o novo presidente possa liderar as relações
das políticas publicas do governo Lula
com os povos indígenas, começando
com uma atenção imediata sobre
a grave situação de atendimento
saúde indígena, sob competência
da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa)”.
A atual crise na saúde
indígena é marcada pelas recentes
mortes de crianças indígenas
por desnutrição no Mato Grosso
do Sul e por hepatite no Vale do Javari, no
Amazonas, mas não é um problema
novo. Saiba mais sobre a crise na saúde
indígena. “Nossa expectativa é
que Meira tenha condições de
trazer a atenção do núcleo
de poder do governo para esse tema”, afirma
Beto Ricardo. Segundo o representante do ISA,
outro desafio para Meira será conseguir
coordenar o trabalho dos vários órgãos
de Estado que lidam com a questão indígena,
como os Ministérios da Cultura e do
Meio Ambiente, a Funasa, o Ministério
da Educação (MEC), a Polícia
Federal (PF) e as organizações
indígenas e indigenistas da sociedade
civil.