27-03-2007
– Brasília - Greenpeace protesta em
Brasília contra planos do governo de
investir R$ 7,4 bilhões em mais uma
usina nuclear. Polícia retira carro
utilizado no protesto da frente do Palácio
do Planalto. Ativista é detido e levado
para delegacia.
O calhambeque nuclear estacionado
pelo Greenpeace nesta terça-feira em
frente ao Palácio do Planalto, em Brasília,
era ultrapassado no modelo, inseguro na condução,
poluente e desnecessário. É
possível imaginar alguém em
sã consciência oferecendo uma
fortuna por ele? Pois o governo brasileiro
pode gastar bilhões de reais em algo
muito parecido: a usina nuclear de Angra 3.
No protesto contra a possível
construção de um terceiro reator
atômico no Brasil, o Greenpeace protocolou
no Palácio uma carta de repúdio
da sociedade civil em relação
às intenções do governo
de reativar o programa nuclear brasileiro.
A carta é assinada por 19 entidades
e ONGs.
O motorista do veículo
utilizado na ação, uma brasília
amarela com 'latas de lixo nuclear' grudadas
no teto, tentou apresentar a conta da aventura
nuclear para o presidente da República,
mas foi impedido.
Estão nessa tenebrosa
contabilidade os R$ 7,4 bilhões a serem
gastos em seis anos para a construção
de Angra 3, R$ 1,64 bilhão já
gastos na compra de material para a usina,
mais os custos inestimáveis de segurança,
do lixo nuclear e danos ambientais.
O motorista do calhambeque
atômico foi detido e levado para a delegacia.
O carro foi rebocado e chegou a ser testado
por técnicos da Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN) com medidores geigers
para verificar se não havia radioatividade.
Estava prevista para o Palácio
do Planalto uma reunião do Conselho
Nacional de Política Energética
(CNPE), que tinha em pauta a construção
de Angra 3. O encontro no entanto foi adiado
para o dia 4 de abril. A sociedade civil continuará
monitorando a discussão, tão
cara ao desenvolvimento sustentável
brasileiro.
"O programa nuclear
brasileiro, que data da época da ditadura
militar, é ultrapassado e caro",
afirma Guilherme Leonardi, da campanha de
energia do Greenpeace. "Apesar de Angra
3 não constar de seu programa, se aprová-la,
o governo Lula corre o risco de entrar para
a história como aquele que ressuscitou
a injustificada e cara aventura nuclear brasileira.
Uma credencial nada popular".
O CNPE é composto
por nove ministros, um representante dos Estados
e do Distrito Federal, um representante da
univeridade brasileira e um representante
da sociedade civil, que ainda não foi
nomeado. Os ministros da Ciência e Tecnologia,
Sergio Rezende, e de Minas e Energia, Silas
Rondeau, já declararam publicamente
seu apoio à obra.
Caso seja aprovada pelo
CNPE, a decisão sobre a construção
de Angra 3 passa para as mãos do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
De todas as opções
de geração de energia existente
atualmente, a nuclear é a mais cara.
Com os R$ 7,4 bilhões previstos para
construir Angra 3, é possível
criar um parque de turbinas eólicas
com o dobro da potência prevista para
essa nova usina nuclear (1.350 mW), gerar
32 vezes mais empregos e não produzir
lixo radioativo ou representar risco de acidentes
graves.
Existe consenso entre especialistas
que a forma mais barata de gerar energia é
criando programas de incentivos para a economia
de energia. Um exemplo concreto dos benefícios
de se investir em eficiência energética
é o Programa Nacional de Conservação
de Energia Elétrica (Procel) do governo
federal. Ao longo de 20 anos, e com recursos
da ordem de R$ 850 milhões, o Procel
conseguiu economizar o equivalente à
capacidade de geração de uma
usina de 5124 MW, ou quase quatro vezes o
potencial de Angra 3.
No início de fevereiro,
o Greenpeace lançou o relatório
[R]evolução Energética
em parceria com a Poli/USP. O estudo, que
projeta cenários energéticos
até 2050, mostra que o Brasil pode
diversificar sua matriz energética
e gerar 88% de sua eletricidade a partir de
fontes renováveis de energia, tais
como biomassa, hídrica, eólica
e solar. Aliado à medidas de uso racional
da energia, o relatório mostra que
seria viável eliminar as usinas nucleares
e a carvão da matriz elétrica
nacional, colocando o Brasil na vanguarda
do desenvolvimento limpo e da segurança
energética.
O argumento de que a energia
nuclear é uma saída para combater
o aquecimento global é o clássico
caso de se "trocar o roto pelo esfarrapado",
diz Leonardi.
"Expandir o uso da
energia nuclear para combater o aquecimento
global aumentaria significativamente os riscos
à saúde e ao ecossistema, já
que o risco de acidentes cresce proporcionalmente
à quantidade de usinas. Os problemas
com lixo nuclear e a proliferação
de armas atômicas também seriam
multiplicados, já que mais usinas gerariam
mais resíduos e matéria-prima
para a fabricação de bombas",
explica Leonardi. "Além disso,
seriam necessários investimentos vultuosos
em toda a cadeia tecnológica da indústria
nuclear, da mineração ao enriquecimento
e processamento de urânio, além
de reatores. Tais pesquisas levam décadas
e a urgência do aquecimento global exige
medidas imediatas de redução
de emissões de gases estufa".
Em março do ano passado,
a Câmara dos Deputados aprovou relatório
apontando vários problemas graves na
área de segurança nuclear no
Brasil, como a contraditória duplicidade
de funções da Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que ao
mesmo tempo incentiva e fiscaliza o setor.
Outros problemas apontados foram falhas no
plano de emergência das instalações
nucleares; inexistência de fiscais e
de normas de fiscalização e
punição para irregularidades;
tratamento improvisado para o lixo nuclear;
e a falta de acesso público à
informação.
Foto: Greenpeace