Liminar
suspende Consulta Pública para criação
da RESEX, mas comunidade de pescadores organiza
ato público e recebe forte apoio dos
governos do estado e federal.
Salvador, 27 de março
de 2007 — A terceira consulta pública
para a criação da Reserva Extrativista
(RESEX) do Cassurubá na região
dos Abrolhos, marcada para domingo, dia 25,
não pode ser realizada por conta de
uma liminar conseguida de última hora,
pelo grupo contrário ao movimento.
Como a liminar foi concedida na sexta-feira
depois das 18:00 horas, toda a estrutura para
o evento já estava contratada. Da mesma
forma as comunidades ribeirinhas, muitas em
locais de difícil acesso, já
estavam mobilizadas e avisadas. Diante da
situação a Associação
dos Marisqueiros de Ponta de Areia e Caravelas-AMPAC
solicitou ao chefe do Parque a utilização
do espaço para realizar a reunião
para discussão e esclarecimentos sobre
o processo de criação da RESEX,
aproveitando também as diversas autoridades
presentes, que não tiveram tempo hábil
para cancelar suas viagens. O encontro ocorreu
no Centro de Visitantes do Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos, em Caravelas (BA), e
contou com a presença de cerca de 400
pessoas, entre pescadores e marisqueiros dos
municípios de Caravelas e Nova Viçosa,
representantes das RESEX do Corumbau e Canavieiras,
da Universidade Federal da Bahia e Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, da Assembléia
Legislativa do Estado da Bahia e de autoridades
do Ministério do Meio Ambiente, do
IBAMA, da Superintendência de Recursos
Hídricos, do Centro de Recursos Ambientais,
da Diretoria de Unidades de Conservação,
da Diretoria de Educação Ambiental,
todas ligadas à Secretaria Estadual
de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
(SEMARH), além da BAHIAPESCA, ONGs
e movimentos sociais.
O evento contribuiu para
afirmar o apoio de diversos atores da comunidade
e, principalmente, do governo da Bahia e do
governo federal ao processo de criação
da RESEX. Júlio Rocha, Superintendente
de Recursos Hídricos do Estado da Bahia
que participou do encontro, tornou pública
a posição favorável do
governo do estado: “O Governador Jaques Wagner
veio para mudar. Para mostrar que tem posição!
A posição que trago aqui é
uma posição de Governo, discutida
na Casa Civil do Estado. O Governo do Estado
apóia a criação da RESEX
Cassurubá!” Esteve presente também
o assessor da Ministra Marina Silva, Pedro
Ivo, representando o Ministério do
Meio Ambiente (MMA), que manifestou total
apoio do órgão enfatizando o
envolvimento pessoal da Ministra em favor
da causa. “O MMA não vai arredar pé
da criação da RESEX, e vai dar
todo o apoio para vocês. A Ministra
Marina está pessoalmente envolvida
na questão e nós não
vamos nos intimidar com o poder econômico”,
afirma Pedro Ivo. Ainda segundo ele, o MMA
e o Ibama estarão presentes para fortalecer
a conclusão da RESEX. “A posição
favorável por parte dos governos federal
e estadual e demais órgãos públicos
foi um dos pontos fortes da reunião
e mais um passo fundamental desta mobilização”,
conclui Guilherme Dutra, diretor do Programa
Marinho da Conservação Internacional
(CI-Brasil).
A área proposta para
a criação da nova Unidade de
Conservação (UC) tem uma extensão
aproximada de 47.000 hectares na região
de mangues e restingas entre as cidades de
Caravelas e Nova Viçosa (BA). Lá
residem aproximadamente 350 famílias
que dependem da mariscagem, da agricultura
familiar e da pesca para sua subsistência.
Além de sustentar estas comunidades,
os maiores manguezais do Complexo dos Abrolhos
são fundamentais para os ecossistemas
costeiros e marinhos adjacentes, caracterizando-se
como ambiente de reprodução
e de crescimento de inúmeras espécies.
“Somada a importância para a conservação
da biodiversidade do Banco dos Abrolhos, o
estuário do Cassurubá apresenta
grande interesse econômico e social.
Abrolhos é a região mais piscosa
da Bahia, e grande parte das espécies
de interesse para a pesca completa uma porção
de seu ciclo de vida no estuário do
Cassurubá. Lembrando ainda que, as
restingas da região são um importante
manancial de água doce para o manguezal
e para o estuário. Diferentemente de
outros estuários onde a água
doce é proveniente de grandes rios,
no Cassurubá esta fonte é o
lençol freático, fundamental
para o ecossistema e a vida das comunidades
ribeirinhas", afirma o Prof. Mário
Soares, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
As discussões para
a implantação da Reserva estão
em andamento desde 2003. Duas consultas públicas
já tinham sido realizadas na região,
em janeiro e fevereiro de 2006, mas uma ação
movida pela Prefeitura e Câmara de Vereadores
de Caravelas, pela Diretoria da Colônia
de Pescadores Z-25, pelo Rotary Clube e associações
locais ligadas a este grupo, sob a alegação
de que o processo de criação
da UC não havia seguido todos os ritos
formais necessários, provocou a interrupção
do processo em maio do mesmo ano. Em decisão
publicada no Diário Oficial de 29 de
janeiro de 2007, a justiça federal
determinou a realização de nova
consulta pública, que disponibilizasse
os estudos técnicos à população,
movimentos e organizações sociais
interessados, observando-se os preceitos legais
e regulamentares.
A liminar concedida pela
Justiça Federal no final da última
sexta-feira, causou revolta na comunidade
de pescadores, que luta pela criação
da RESEX. Para o Sr. Antônio Pedro Santos,
56 anos, pescador em Barra de Caravelas: “Querem
atrapalhar a criação da nossa
Reserva, mas vamos seguir em frente! Não
vamos esmorecer com estes empresários
que vêm de fora! Vamos olhar pra frente.
Vamos pensar no nosso futuro e nos nossos
filhos!”. Uma outra fonte, que não
quis se identificar denuncia: “A Colônia
Z-25, que deveria defender os interesses dos
pescadores, só apóia a prefeitura
e os empresários. Isso porquê
o Presidente da Colônia é também
o Secretário de Pesca da cidade. Um
absurdo!”.
Riqueza Ameaçada
– A região de estuários, mangues
e restingas da “Ilha do Cassurubá”
é reconhecida como o berçário
das formas de vida marinha do Banco dos Abrolhos,
área com a maior biodiversidade marinha
do Atlântico Sul, que abriga diferentes
espécies exclusivas em um ecossistema
raro. Os recursos naturais de Abrolhos sustentam
cerca de 20 mil pessoas dependentes da pesca
e outras 80 mil do turismo, no Extremo Sul
da Bahia.
Recentemente, empresários
da Cooperativa de Criadores de Camarão
do Extremo Sul da Bahia - COOPEX - propuseram
a instalação de um mega-empreendimento
de carcinicultura na região. O projeto
vem causando muita polêmica. “Caso as
fazendas de camarão sejam implantadas,
o modo de vida dessas populações
e o ecossistema local podem ser abalados de
forma irreversível, a exemplo do que
vem ocorrendo no litoral do Ceará e
Rio Grande do Norte, estados que lideram a
criação de camarão em
cativeiro”, afirma Renato Cunha, do Grupo
Ambientalista da Bahia.
Reservas Extrativistas e
Desenvolvimento Sustentável – A sobre-exploração
dos recursos naturais nos ecossistemas marinhos
e costeiros já não é
mais a exceção. “Infelizmente,
temos observado no litoral brasileiro um modelo
de crescimento predatório e insustentável
em médio e longo prazo. É necessária
uma revisão urgente desse paradigma
de desenvolvimento ou prejudicaremos nossas
maiores fontes de riqueza e biodiversidade”
– afirma Renato. “Grandes empreendimentos,
como as fazendas de camarão, os mega-complexos
hoteleiros e as monoculturas, se instalam
em áreas costeiras com grandes promessas
de lucros e empregos. Depois, o que se constata
são impactos ambientais irreversíveis,
bem como conflitos com populações
tradicionais de pescadores, extrativistas
e pequenos agricultores. E o lucro acaba concentrado
nas mãos de pequenos grupos, muitas
vezes, estrangeiros”.
A criação
de UCs de uso sustentável, como as
reservas extrativistas, tem se mostrado uma
alternativa viável para a gestão
dos recursos naturais e para o fortalecimento
das comunidades costeiras. Na Bahia, as Reservas
Extrativistas de Canavieiras e do Corumbau
constituem exemplos dos benefícios
da gestão participativa das áreas
protegidas. “A RESEX é a única
forma de vocês defenderem o que é
de vocês. Lá em Canavieiras os
empresários fizeram o mesmo terror.
Chegaram lá e prometeram 5000 empregos.
Vai ver quantos empregos tem? Não chegam
a 200” justifica Carlos Alberto, da Associação
de Pescadores de Atalaia, na RESEX de Canavieiras.