05/04/2007
- Área é mais um exemplo de
como protelar a regularização
das Terras Indígenas pode provocar
conflitos fundiários na Amazônia.
A demarcação do território
do povo Arara vem sendo obstruída por
grupos de posseiros e continua inacabada mais
de 20 anos depois de sua interdição.
Cerca de 25% dos 734 mil hectares da terra
estariam invadidos por mais de 1,2 mil famílias
não-indígenas.
A demarcação
da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca,
no Pará, continua inacabada e anda
a passos lentos mais de 20 anos depois de
sua interdição (o primeiro passo
na regularização das TIs). A
ineficiência do governo para oficializar
a terra vem abrindo espaço para ações
judiciais e invasões. Grupos de posseiros
estão tentando obstruir os procedimentos
demarcatórios. Em pouco menos de um
mês, expira o prazo legal para a apresentação
de contestações ao novo laudo
sobre a área, aprovado por um despacho
do presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai) de 27 de fevereiro.
Quase 25% dos 734 mil hectares
da TI estão invadidos por mais de 1,2
mil famílias não-indígenas,
segundo a Funai e o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi). Aproximadamente 54% da área
invadida estariam nas mãos de pouco
menos de 60 pessoas – grileiros e fazendeiros
com posses acima de 500 hectares.
“O pior de tudo era a indefinição
sobre a situação. Agora, com
a última decisão da Funai, temos
uma referência para conversar com os
segmentos interessados”, explica Marco Antônio
Delfino, procurador federal em Altamira. Ele
vai promover algumas reuniões com as
lideranças dos posseiros. A intenção
é dar informações sobre
os trâmites de oficialização
da terra, inclusive os procedimentos para
encaminhar as contestações.
Delfino garante que o tamanho e o perímetro
da área não estão em
discussão. “O direito à informação
é constitucional. Estamos tentando
prevenir conflitos”.
Em janeiro, a Funai encaminhou
ao procurador uma denúncia sobre desmatamentos
recentes destinados à exploração
madeireira e pastagens na TI. O responsável
seria Vicente Nicoloddi, dono de um posto
de gasolina em Uruará, um dos municípios
onde está localizada a terra. Além
de uma grande derrubada, o empresário
estaria abrindo estradas, o que sempre estimula
novos desmates. Delfino pediu ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) a vistoria
do local para ajuizar uma Ação
Civil Pública contra Nicoloddi. O procurador
já apresentou uma ação
contra uma serraria que estava atuando na
região. Em 2004, mais de 9,5 mil hectares
de florestas foram destruídos na área.
Transamazônica
A construção
da rodovia Transamazônica (BR-230) estimulou
a ocupação de vários
territórios indígenas no Pará,
entre eles o do povo Arara, habitante da TI
Cachoeira Seca. No início da década
de 1980, o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) assentou
200 famílias no local. O órgão
alega que não tinha conhecimento da
existência da TI.
A interdição
do território e o contato com os Arara
datam de 1985, mas a portaria declaratória
só saiu em 1993. Em 1997, dois mandados
de segurança pedidos por invasores
foram aceitos pela Justiça, o que obrigou
a Funai a refazer o laudo antropológico.
Ocorre, porém, que o órgão
federal só tomou conhecimento da decisão
judicial em 2004, quando finalmente resolveu
fazer a demarcação física.
Na época, os funcionários responsáveis
tiveram de se retirar da região ameaçados
por uma mobilização apoiada
por políticos locais que interditou
a Transamazônica por cinco dias para
protestar contra o processo demarcatório.
Além dos pequenos
agricultores que foram assentados pelo Incra,
outros entraram na área a partir dos
anos 1980. Grileiros e madeireiros ilegais
acabaram se aproveitando da situação
e também têm explorado a terra.
As ocupações e a degradação
vêm aumentando. Em comum, a maioria
dos posseiros pretende inviabilizar a regularização
do território conforme o último
desenho estabelecido pela Funai. Lideranças
não-indígenas e políticos
têm feito declarações
na imprensa local contrárias à
demarcação. As manifestações
são um sinal de que os ânimos
na região podem acirrar-se mais uma
vez.
Desmatamento identificado pela Funai em dezembro
de 2006. Quase 25% dos 734 mil hectares da
área estão invadidos. Em 2003,
Cachoeira Seca foi a segunda TI mais desmatada
do País.
Cachoeira Seca também
abriga ribeirinhos descendentes dos “soldados
da borracha”, migrantes, geralmente nordestinos,
que foram enviados à Amazônia
pelo governo federal para trabalhar nos seringais
entre o final do século XIX e metade
do século XX. Cerca de 15 famílias
devem ser levadas para a Reserva Extrativista
do Iriri, contígua à TI, mas
a transferência, de responsabilidade
do Ibama, também se arrasta a passos
lentos.
Pressão
“A maioria das pessoas que
entrou lá sabia que aquilo era uma
Terra Indígena”, aponta Benigno Pessoa
Marques, administrador-regional da Funai em
Altamira. Ele lembra que a proposta atual
para a TI procurou deixar de fora de seu perímetro
a maior parte das posses e já é
resultado das reivindicações
de prefeitos, sindicatos e associações
dos municípios próximos. Mesmo
com a pressão por novas alterações,
Marques acredita que até o fim do ano
seja iniciada a demarcação física.
Desde 2004, a Funai tem
se reunido com as lideranças não-indígenas
para tentar resolver o conflito. Elas apresentaram
várias alternativas, mas todas diminuem
ou dividem a área. Uma das principais
reivindicações seria manter
o acesso dos posseiros a estrada conhecida
como Transiriri. Trata-se de uma vicinal da
rodovia Transmazônica que corta a TI
e passa pela Vila de Canaã, distrito
de Uruará e o centro urbano mais próximo
ao território indígena.
“Não acredito que
os colonos serão reassentados. O governo
promete e acaba não cumprindo. Essas
pessoas foram trazidas para cá pelo
próprio Incra”, critica João
Batista dos Santos, o Joãozinho, presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Uruará.
Ele reconhece o direito dos índios
à terra, mas assume que o objetivo
dos posseiros é inviabilizar a proposta
atual de demarcação. O sindicalista
diz representar apenas os interesses de quem
tem posses com até 100 hectares. Admite
ainda que a invasão tem sido explorada
eleitoralmente por políticos da região
e que existem grandes desmatamentos na área.
“A Funai tem de corrigir isso sim”, diz. A
legislação não obriga
o Estado a reassentar quem ocupa território
tradicional de comunidades indígenas,
mas apenas indenizá-los por benfeitorias
construídas de boa-fé.
Santos afirma que a proposta
de uma área com pouco mais de 686 mil
hectares teria sido feita originalmente pela
antropóloga Wilma Marques Leitão,
coordenadora do primeiro grupo de identificação
e delimitação. Mais tarde, outro
laudo ampliou a área para 1000 mil
hectares, interligando-a a Terra Indígena
Arara I, à oeste, pertencente a outro
grupo Arara. Santos acredita que a disputa
pela terra começou por causa da divergência
entre os dois estudos e defende a primeira
proposta. “Algumas lideranças indígenas
já aceitaram esta alternativa”, garante.
De acordo com a Funai, Vicente
Nicoloddi seria o responsável pela
abertura das estradas. Elas costumam acelerar
o desmatamento.
O despacho da Funai que
aprovou o último laudo antropológico
da TI - estabelecendo uma área de 734
mil hectares - afirma que “a contigüidade
das duas terras Arara justifica-se ainda pelas
necessidades de uso comum de recursos ambientais
dessas áreas, e de interações
sócio-culturais entre eles [os dois
grupos Arara], o que viabilizará sua
reprodução física e cultural
enquanto grupos diferenciados."
Cachoeira Seca tem importância
estratégica por ser uma barreira ao
avanço das frentes de desmatamento
que partem da Transamazônica. Localizada
ao norte da região conhecida como Terra
do Meio (PA), a TI é parte de um dos
mais importantes corredores de áreas
protegidas da Amazônia e um dos maiores
do mundo. Trata-se de um conjunto de TIs e
Unidades de Conservação (UCs)
de alta importância para a conservação
da biodiversidade, com mais de 28 milhões
de hectares interligados ao longo da Bacia
do Rio Xingu, desde o nordeste do Mato Grosso,
atravessando o centro do Pará (veja
mapa acima)
“A solução
do caso vai depender de uma ação
política firme do governo federal que
articule o Ministério da Justiça,
Funai, Ministério do Desenvolvimento
Agrário e Incra. Não se trata
apenas de assegurar o direito do povo Arara,
mas também de retirar e reassentar
os pequenos agricultores que entraram na área
de boa fé”, defende André Villas-Bôas,
coordenador do Programa Xingu do Instituto
Socioambiental (ISA). Ele considera fundamental
também a regularização
fundiária dos agricultores familiares
que estão em torno da TI, o que vai
lhes garantir acesso ao crédito agrícola
e renda. “Da mesma forma, é urgente
uma medida enérgica contra os abusos
cometidos por alguns fazendeiros que estão
ocupando áreas maiores do que o permitido
pela legislação e se escudando
nos pequenos produtores.”
ISA, Oswaldo Braga de Souza.
+ Mais
Tijuco Alto: está
aberto o prazo para a realização
de audiências públicas
04/04/2007 - O prazo para
a solicitação de audiências
públicas para discutir o Estudo de
Impacto Ambiental (EIA/Rima) da Usina Hidrelétrica
de Tijuco Alto, planejada para o rio Ribeira
de Iguape, foi aberto no dia 30 de março.
Os interessados devem enviar ao Ibama o pedido
de realização das audiências,
que deve estar assinado por uma associação
civil ou por 50 ou mais cidadãos, até
o dia 14 de maio. A realização
das audiências não significa
que a obra já esteja aprovada. Participe
da Campanha contra barragens no Ribeira.
Foi aberto no último
dia 30 de março, por meio de edital
publicado no Diário Oficial da União,
o prazo para a solicitação de
audiências públicas para discutir
o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da
Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto,
planejada para o rio Ribeira de Iguape. Os
interessados devem enviar ao Ibama o pedido
de realização das audiências,
que deve estar assinado por uma associação
civil ou por 50 ou mais cidadãos, até
o dia 14 de maio.
A realização
das audiências não significa
que a obra já esteja aprovada. Pelo
contrário, elas são realizadas
para que as pessoas saibam quais os possíveis
impactos da obra e para que o Ibama conheça
a opinião das pessoas e comunidades
que serão direta ou indiretamente impactadas
pelo empreendimento. É também
nas audiências que qualquer cidadão
pode apresentar observações
sobre os estudos realizados ou mesmo novos
estudos indicando problemas que não
foram previstos no EIA/Rima. Apenas depois
das audiências é que o Ibama
deve decidir se autoriza ou não a construção
da obra.
O local e data das audiências
ainda não foram decididos, pois dependem
das cidades que queiram sediá-las.
Como a hidrelétrica vai prejudicar
mais de uma cidade, é muito provável
que cada uma realize pelo menos uma audiência.
No caso de Tijuco Alto, com certeza haverá
audiências em Cerro Azul (PR) e em Ribeira
(SP), municípios que seriam diretamente
afetados pela barragem. Para as outras cidades
do Vale do Ribeira, situadas rio abaixo, só
haverá uma audiência se houver
solicitação de muita gente,
embora algumas delas – como Iporanga, Itaóca
e Eldorado - venham a ser diretamente impactadas
pelas outras barragens projetadas para o rio
Ribeira.
Quem quiser discutir o projeto
em sua cidade deve organizar um abaixo-assinado,
com mais de 50 assinaturas, e enviá-lo
à Diretoria de Licenciamento Ambiental
do Ibama (SCEN Trecho 2 - Ed. Sede Bloco "C"
1º andar - Cx.Postal nº 09870 -
Asa Norte - Brasília DF) até
o dia 14 de maio. Muito possivelmente as audiências
serão realizadas na última quinzena
de maio, embora a lei não diga nada
a respeito.
Com as audiências,
começa a fase decisiva do processo
de Tijuco Alto. É nelas que as dúvidas
sobre o projeto devem ser sanadas, e que os
possíveis problemas devem ser apontados.
Podem ser feitas manifestações
orais ou entrega de documentos escritos. É
com base em tudo isso que o Ibama vai decidir
sobre a viabilidade ambiental do empreendimento.
Por isso a participação ativa
de todos os interessados é de grande
importância. Participe da Campanha contra
barragens no Ribeira.