Política
de povos e comunidades tradicionais é
lançada em meio a promessas e críticas
03/05/2007 - Lançamento
da Política Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais, em Brasília, é
marcada por clima de celebração,
promessas e críticas pela exclusão
desses grupos e de seus direitos nas macropolíticas
do governo federal.
A Política Nacional
de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT)
foi oficialmente lançada no dia 27,
em Brasília, pelos ministérios
do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social,
que ocupam respectivamente a secretária-executiva
e a presidência da Comissão Nacional
de Povos e Comunidades Tradicionais, instalada
em agosto de 2006 (saiba mais). Representantes
do governo apontaram a importância do
colegiado e da nova norma para o fortalecimento
das organizações das populações
tradicionais, o reconhecimento de seus direitos
e a inclusão de suas reivindicações
nos programas governamentais, bem como o fomento
e o fortalecimento da produção
sustentável. O evento do lançamento
ocorreu em clima de festa.
A ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, enfatizou que a comissão
e a política são conquistas
que os brasileiros precisam aprender a celebrar
e significam um esforço inédito
para integrar ações voltadas
a 5 milhões de pessoas. “Quem foi esquecido
por 500 anos, custa a acreditar quando são
lembrados”, afirmou. A ministra ressaltou
o esforço dos órgãos
de governo que integram a comissão
para incluir as diretrizes previstas na nova
norma no Plano Plurianual (PPA). Para esse
fim, já teria sido agendada uma reunião
com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
Marina considerou que também o Plano
de Aceleração do Crescimento
(PAC) deve acolher reivindicações
semelhantes. Segundo estimativas, povos e
comunidades tradicionais ocupam, na prática,
quase 25% do território nacional. Apesar
disso, suas terras reconhecidas legalmente
passaram de 5 milhões de hectares,
em 2003, para apenas 10 milhões de
hectares atualmente – resultado do esforço
dos últimos 4 anos de governo, de acordo
com Marina Silva.
O presidente da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), Márcio
Meira, defendeu a integração
dos trabalhos da Comissão Nacional
de Povos e Comunidades Tradicionais com a
recém-instalada Comissão Nacional
de Povos Indígenas. Meira disse que
pretende estabelecer mecanismos para que isso
ocorra por meio do diálogo direto com
os ministérios do Desenvolvimento Social
e do Meio Ambiente.
No evento, também
estiveram presentes representantes de parte
dos 15 órgãos da administração
federal integrantes da comissão, como
Márcia Helena Lopes, secretária-executiva
do Ministério do Desenvolvimento Social,
a ministra interina Maria do Carmo Ferreira
Silva, secretária especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial,
e Sérgio Mamberti, secretário
da Identidade e da Diversidade Cultural do
Ministério da Cultura. Compareceram
ainda lideranças dos povos e comunidades
tradicionais que integram a comissão
– açorianos, babaçueiros, caboclos,
caiçaras, caipiras, campeiros, jangadeiros,
pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros,
sertanejos, extrativistas, ribeirinhos, marisqueiros,
povos indígenas, quilombolas e faxinaleiros,
entre outros.
Reivindicações
e críticas
Em tom crítico, Jocilene
Brandão, da Coordenação
Nacional de Quilombos (CONAQ), manifestou
o desejo de que estivessem presentes todos
os ministros, o presidente Lula e principalmente
os meios de comunicação. Segundo
Jocilene, a imprensa tem veiculado matérias
preconceituosas e distorcidas que atacam as
populações tradicionais. “A
imprensa vem passando uma imagem racista de
forma vergonhosa, fazendo a sociedade crer
que não somos portadores de direitos.
O reconhecimento da sociedade é um
direito nosso”, afirmou.
Jocilene explicou que os
locais onde os empreendimentos do PAC serão
construídos são territórios
de populações tradicionais.
“Não somos sem-terra, temos terras,
mas não temos nossos direitos a elas
reconhecidos e resguardados”. E criticou a
influência das empresas multinacionais
junto à Casa Civil, onde têm
suas reivindicações atendidas,
o que não ocorre com as populações
tradicionais. A liderança quilombola
reivindicou mais diálogo, inclusão
e reconhecimento dos direitos dessas populações
nas políticas públicas, “Não
aceitamos mais ver nossas reivindicações
serem engavetadas”. E finalizou: “quem não
sabe quem são os seus, nunca os reconhecerá”.
Pedro Ramos, do Conselho
Nacional de Seringueiros (CNS), lembrou que,
pela primeira vez, as populações
tradicionais têm parceiros dentro do
governo para alcançar desenvolvimento
sustentável. Afirmou, no entanto, que
ele só será possível
se as condições mínimas
para a garantia da sobrevivência das
comunidades forem asseguradas. “Queremos renda
para ter dignidade”, disse. Ramos comentou
também que “num caminho de muitos quilômetros,
andamos alguns metros”. Ele questionou qual
o lugar das populações tradicionais
no PAC. “Sempre fomos excluídos das
políticas macroeconômicas, queremos
acessar a infra-estrutura, queremos tecnologia.
Somos tradicionais, mas temos direito às
conquistas da humanidade”.
O principal desafio da PNPCT
é a integração, na prática,
tanto dos órgãos e ministérios
que atuam em seu âmbito, quanto das
demandas dos grupos recém-reconhecidos
e daqueles que já estão na batalha
há certo tempo, como o é o caso
das populações indígenas
e extrativistas.
Definição
dos conceitos
É a primeira vez
depois da criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), em 2000, que a legislação
brasileira define o que são populações
tradicionais e seus territórios. Dúvidas
sobre os dois conceitos vinham dando margem
a diferentes interpretações,
o que dificultava o reconhecimento dos direitos
dessas comunidades.
A PNPCT, publicada no Diário
Oficial da União (DOU) do dia 8 de
fevereiro de 2007, por meio do Decreto Nº
6.040, de 7 de fevereiro de 2007, tem como
principal objetivo promover o desenvolvimento
sustentável dos povos e comunidades
tradicionais com ênfase no reconhecimento,
fortalecimento e garantia dos seus direitos
territoriais, sociais, ambientais, econômicos
e culturais, com respeito e valorização
à sua identidade, suas formas de organização
e suas instituições. Está
estruturada em quatro grandes eixos: acesso
a territórios tradicionais e aos recursos
naturais; infraestrutura; inclusão
social e educação diferenciada;
fomento à produção sustentável.
O artigo 4º da nova
lei menciona os instrumentos de implementação
da PNPCT: I - os Planos de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais; II - a Comissão Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais, instituída
pelo Decreto de 13 de julho de 2006; III -
os fóruns regionais e locais; e IV
- o Plano Plurianual.
O que diz a PNPCT
Povos e comunidades tradicionais:
“grupos culturalmente diferenciados e que
se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios
e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações
e práticas gerados e transmitidos pela
tradição”.
Territórios tradicionais:
“os espaços necessários à
reprodução cultural, social
e econômica dos povos e comunidades
tradicionais, sejam eles utilizados de forma
permanente ou temporária, observado,
no que diz respeito aos povos indígenas
e quilombolas, respectivamente, o que dispõem
os arts. 231 da Constituição
e 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e demais
regulamentações”
Desenvolvimento Sustentável:
o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado
para a melhoria da qualidade de vida da presente
geração, garantindo as mesmas
possibilidades para as gerações
futuras.
ISA, Cristina Velasquez e Henry Novion.