18/05/2007
- O encontro Visões do Rio Babel: conversas
sobre o futuro do Rio Negro que começa
nesta terça-feira, 22 de maio, no Espaço
Cultural Usina Chaminé, em Manaus,
terá como pano de fundo uma questão
crucial para a região amazônica:
como será a Bacia do Rio Negro daqui
a 50 anos?
Organizado pelo ISA (Instituto
Socioambiental) e a FVA (Fundação
Vitória Amazônica), o evento
em Manaus pretende, por meio de conversas
e depoimentos de pessoas e instituições
bastante diferentes – não apenas em
suas vivências mas também em
relação às perspectivas
que têm da região - promover
a reflexão, o debate e recolher recomendações
para ações coordenadas em rede
a caminho do desenvolvimento regional sustentável,
com a valorização da diversidade
socioambiental. O que une atores tão
diversos como índios, extrativistas,
pesquisadores e autoridades governamentais
é sua relação com a Bacia
do Rio Negro. Clique aqui para saber um pouco
mais sobre cada um deles.
A programação
do encontro inclui duas palestras - uma do
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, Carlos Nobre, sobre as mudanças
climáticas e conseqüências
para a Amazônia e o Rio Negro e outra
do antropólogo Eduardo Viveiros de
Castro sobre perspectivismo e multiculturalismo
na América Indígena, além
de mostras de vídeos e filmes. Clique
aqui para ver a programação
completa.
A mostra, que se inicia
às 18h horas do dia 22, começará
com uma “roda de depoimentos” de quatro expoentes
da cultura manauara, pela primeira vez juntos:
os escritores Marcio Souza e Milton Hatoum,
o cineasta Aurelio Michiles e o jornalista
José Ribamar Bessa. Impossibilitado
de comparecer pessoalmente, Hatoum gravou
um depoimento, que abrirá a mostra.
Confira a programação da mostra.
“Realizar esse evento em
Manaus é simbolicamente muito importante”,
avalia o diretor e coordenador do Programa
Rio Negro do ISA, Beto Ricardo, lembrando
o escritor Guimarães Rosa que dizia
que 'só na foz do rio é que
se ouvem os murmúrios de todas as fontes’.
“Além disso, o local escolhido, a Usina
Chaminé, é tombada pelo patrimônio
histórico desde 1988 e foi transformada
em centro cultural em 2002”.
A usina foi construída
em 1910, como estação de tratamento
de esgoto. Mas não entrou em funcionamento
porque em 1913, a população
destruiu os escritórios da empresa
inglesa Manaós Improuvments, em protesto
contra as altas taxas cobradas. Com isso a
empresa deixou Manaus.
É importante ressaltar
que o acesso ao seminário será
exclusivo dos convidados e todas as vagas
já estão preenchidas. A prioridade
dos organizadores foi convidar uma amostra
representativa dos vários atores da
Bacia do Rio Negro. Para as sessões
noturnas da mostra de filmes&vídeos
ainda há algumas vagas, que serão
disponibilizadas diariamente. Os interessados
deverão retirar antecipadamente ingressos
na portaria do Centro Cultural Usina Chaminé
a partir da terça-feira, dia 22, das
11h às 16h. Entretanto, o acesso ampliado
ao conteúdo do seminário será
disponibilizado posteriormente pelo ISA e
a FVA já que todos os depoimentos serão
gravados em áudio e vídeo.
O Rio Negro e sua história
As peculiaridades do Rio
Negro lhe valem sugestivas definições
como rio de leite, rio babel, rio da fome,
rio dos descimentos de índios escravizados.
Considerada a maior bacia de águas
pretas do mundo, é uma das regiões
da Amazônia com altíssima diversidade
socioambiental, na qual os recursos naturais
estão bastante conservados pelas populações
nativas e tradicionais que aí vivem.
Fruto de uma longa evolução
histórico natural, a Bacia do Rio Negro
confina nos seus limites um conjunto de paisagens
fósseis que parecem confirmar as importantes
mudanças climáticas a que foram
submetidos. Estes fatos mostram que, ao contrário
de uma presumida 'calmaria ecológica',
a Amazônia foi, ao longo da sua história
natural, cenário de drásticas
mudanças paisagísticas, verdadeiros
ajustes adaptativos às constantes alterações
climáticas globais.
A ocupação
colonial pautou-se inicialmente pelo estabelecimento
de fronteiras pela coroa portuguesa, o que
se fez através de uma política
de concentração da população
nativa em aldeamentos e vilas coloniais já
no século XVIII.
Posteriormente, a região
foi envolvida, de forma periférica,
no ciclo da borracha, sem atrair migrantes
nordestinos, como aconteceu em outras partes
da Amazônia. Nessas fases mais antigas
da colonização, a economia da
região baseou-se na atividade extrativista,
com largo emprego de mão-de-obra nativa.
A decadência do extrativismo
e de seus patrões ao longo do século
XX se fez acompanhar pela consolidação
de centros missionários na região
e sua ocupação manteve-se dispersa
e demográficamente baixa. Em escala
inferior à que ocorreu no passado,
persiste até o presente uma atividade
intermitente de exploração de
fibras vegetais, como a piaçava e o
cipó.
O extremo noroeste da região
atravessou praticamente ileso o período
de implantação de estradas e
obras de infra-estrutura na Amazônia
nos anos de 1970 devido a seu isolamento geográfico,
solos arenosos e baixíssimo potencial
produtivo. O mesmo não aconteceu na
porção norte/nordeste, com a
abertura e consolidação da BR-174
(Manaus-Boa Vista), a abertura não
concluída da Perimetral Norte, a construção
da Hidrelétrica de Balbina e a instalação
de um pólo de mineração
de cassiterita, com efeitos devastadores sobre
os Yanomami e os Waimiri-Atroari. Além
do mais, inicia-se na década de 1970
a implantação da Zona Franca
de Manaus, a qual teve seu perfil redefinido
ao longo do tempo e impulsionou o vertiginoso
crescimento urbano da capital do Amazonas.
Fronteira geopolítica
estratégica
A partir dos anos 1980,
considerada fronteira geopolítica estratégica,
a região assistiu também a instalação
progressiva de unidades de fronteira do Exército.
Nesse mesmo período, duas grandes mineradoras
voltaram os olhos para o extremo noroeste
da região e iniciaram empreendimentos
efêmeros no Alto Rio Negro (município
de São Gabriel da Cachoeira), abandonados
antes do final dessa década. No mesmo
período, ocorreu a invasão do
território Yanomami por levas de garimpeiros
empresariados, com enormes impactos socioambientais.
A partir dos anos de 11000,
surgem novas atividades econômicas no
Médio Rio Negro, como a captura e comercialização
de peixes ornamentais, a entrada da pesca
esportiva e a implantação de
hotéis de ecoturismo. Também
nessa década organiza-se o movimento
indígena e é reconhecido oficialmente
um importante conjunto de Terras Indígenas
no Alto Rio Negro e em Roraima e criadas várias
Unidades de Conservação de Uso
Indireto no Baixo Rio Negro. No Médio
e Baixo Rio Negro há processos de ordenamento
territorial ainda em curso.
A importância dos
serviços ambientais da Bacia do Rio
Negro é grande. Estima-se, por exemplo,
que 14% do volume de água escoado na
bacia amazônica tenha origem na Bacia
do Rio Negro e que das suas águas provém
quase a totalidade do abastecimento da cidade
de Manaus.
Atualmente, em grande parte
fora dos vetores de novas formas de ocupação
econômica, a Bacia do Rio Negro é
também uma oportunidade para trilhar
e construir um processo compartilhado de desenvolvimento
regional sustentável. Trata-se de uma
região onde a questão ambiental
é indissociável de questões
relacionadas às identidades sociais
e ao patrimônio cultural.
Compartilhada por quatro
países, ocupada principalmente por
povos indígenas e populações
tradicionais, com 65% da sua extensão
sob áreas de proteção
especial (terras indígenas e unidades
de conservação), as paisagens
e recursos naturais dessa região bastante
original da Amazônia apresentam excelente
estado de conservação.
A extensão total
da Bacia do Rio Negro é de 71.438.266,88
hectares, distribuídos em diferentes
proporções por quatro países.
81% de sua extensão está no
Brasil, seguidos dos 11 % na Colômbia,
8% na Venezuela e uma pequena extensão
na Guiana (1,7 % do total). Grande parte dessa
extensão corresponde a áreas
destinadas ao uso exclusivo indígena.
No Brasil são 40 Terras Indígenas
já reconhecidas, onde vivem aproximadamente
32 povos e quatro áreas em estudo;
Na Colômbia são 16 Resguardos
Indígenas já instituídos,
com cerca de 17 povos.
No caso de serem atendidas
as demandas territoriais das comunidades indígenas
do Médio Rio Negro, recentemente encaminhadas
pelas organizações indígenas
dessa zona aos grupos de estudo de identificação
criados pela Fundação Nacional
do Índio (Funai) em 2007, a proporção
das Terras Indígenas no Rio Negro poderá
saltar dos atuais 45% da extensão total
da bacia para até 55% nos próximos
dois anos. Na porção venezuelana
da bacia vivem 5 povos indígenas.
No que diz respeito às
Unidades de Conservação, no
Brasil são 14 Federais e 8 Estaduais,
sendo 13 de proteção integral
e 9 de uso sustentável; na Colômbia,
2 Parques Nacionais e na Venezuela, igualmente,
2 Parques Nacionais (Serrania de la Neblina,
totalmente dentro dos limites da bacia e,
parcialmente, o Parque Nacional Parima Taperapecó)
e uma Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Cassiquiare
(parcialmente na bacia). A extensão
total dessas UCs é de 30% da área
da bacia total.
Atualmente, diversos programas
governamentais e de ONGs voltam-se para o
Rio Negro. Reconhecidamente, esta bacia oferece
um enorme potencial para o desenvolvimento
de modelos locais de conservação:
distante dos eixos de desenvolvimento, ocupado
historicamente de maneira branda por povos
indígenas e tradicionais, com fisionomias
florestais únicas e de grande interesse
para a pesquisa científica, o Rio Negro
constitui uma arena estratégica para
um diálogo interinstitucional e intercultural
sobre conservação, uso sustentável
e repartição dos benefícios
da biodiversidade, bem como para a implementação
de ações inovadoras.