28/05/2007 No encerramento
do Encontro Visões do Rio Babel: conversas
sobre o futuro da Bacia do Rio Negro, nesta
sexta-feira, 25 de maio, em Manaus, o pesquisador
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais,
Carlos Nobre, revelou que as alterações
do clima terão menos influência
na Bacia do Rio Negro
A Bacia do Rio Negro é
a região da Amazônia onde as
mudanças climáticas globais
terão menor influência e a biodiversidade,
portanto, estará menos ameaçada
por elas. A boa notícia foi divulgada
nesta sexta-feira (25) pelo pesquisador Carlos
Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), no encerramento do Encontro
Visões do Rio Babel: conversas sobre
o futuro da Bacia do Rio Negro, em Manaus.
“Dizer que a bacia terá menos riscos
não significa afirmar que ela terá
risco zero de sofrer impactos do aquecimento
global”, ponderou o cientista. “Mas esta conclusão
faz do Rio Negro uma região prioritária
para a conservação e para experimentação
de um novo modelo de desenvolvimento para
a Amazônia”, completou.
Os principais fatores que
protegem a Bacia do Rio Negro das conseqüências
das mudanças climáticas globais,
principalmente nas suas porções
norte e oeste, são a grande quantidade
de chuvas durante o ano inteiro e a influência
da Cordilheira dos Andes. Já a porção
leste da bacia (no Alto Rio Branco, em Roraima),
que possui vegetação de Cerrado,
deverá sofrer mais com as secas resultantes
de El Niños mais intensos (o El Niño
é o fenômeno provocado pelo aquecimento
esporádicos de áreas do oceano
Pacífico).
Carlos Nobre: dizer que
a Bacia do Rio Negro terá menos riscos
em relação às alterações
climáticas não significa que
será risco zero
O Centro Hadley de Pesquisa
Climática, da Inglaterra, previu diminuição
das chuvas e um aumento médio de 5
a 6º.C na temperatura da Amazônia,
até o final do século. Tendo
como base esse cenário, os pesquisadores
do centro fizeram experimentos para estimar
o que aconteceria com 69 espécies de
árvores amazônicas. O resultado
do estudo mostrou que, no geral, 43% dessas
espécies não sobreviveriam nessas
condições. Mas, na região
do Alto Rio Negro, entre 90% e 100% delas
estariam preservadas. “É uma amostragem
pequena da nossa biodiversidade, mas significativa”,
ressaltou Nobre.
Ele coordenou uma pesquisa
do Inpe que avaliou 15 projeções
diferentes das conseqüências das
mudanças climáticas globais
para a temperatura e as chuvas da Amazônia,
até o fim do século. Todos os
modelos climáticos estudados foram
referendados pelo Painel Intergovernamental
de Mudanças Climáticas (IPCC)
- um grupo de cientistas do mundo inteiro,
do qual Nobre é membro, que reúne
e analisa pesquisas sobre o tema. Os cenários
avaliados apontam a substituição
gradativa da floresta amazônica por
Cerrado, mas divergem quanto à velocidade
da chamada savanização. Outro
ponto comum dos modelos é que eles
indicam que a maior parte da floresta da Bacia
do Rio Negro estará protegida.
Carlos Nobre ressaltou,
porém, que o estudo do Inpe se limitou
a este século. “O mundo não
acaba em 2099”, alertou. Para o coordenador
do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental
(ISA), Beto Ricardo, não há
motivos para otimismo. “Se quase toda a Amazônia
virar uma savana e a Bacia do Rio Negro estiver
preservada, imagina a pressão que haverá
sobre ela! A toda hora vai ter gente querendo
visitar o território dos Yanomami,
para ver de perto a floresta que sobrou no
mundo”, ponderou Beto. O secretário-executivo
da Fundação Vitória Amazônica
(FVA), Carlos Durigan, também se mostrou
mais preocupado do que aliviado com as previsões
apresentadas por Carlos Nobre. “Vivendo e
trabalhando no Rio Negro, a gente nota alterações
na dinâmica dos peixes. A demanda por
recursos também está crescendo,
Manaus está inchando cada vez mais”,
comentou.
Compromisso com gerações
futuras
As mudanças climáticas
globais são resultado do aumento da
concentração de gases de efeito
estufa (GEEs) na atmosfera, principalmente
nos últimos 200 anos (quando as indústrias
passaram a queimar muito combustível
fóssil). A temperatura média
da Terra atualmente é de 14º.C
– um valor entre 0,7º.C e 0,8º.C
maior do que no início do século
XX. Nos últimos cem anos, o derretimento
das geleiras elevou o nível dos oceanos
em 17centímetros.
Para desacelerar o aquecimento
do planeta, os países precisam urgentemente
diminuir a emissão de GEEs. Se essa
redução alcançar patamares
de 30% a 40% em 2015, seus efeitos começarão
a ser sentidos daqui a pelo menos 20 anos.
“A projeção de aumento de mais
0,5.C a 1º.C na temperatura até
2029 vale tanto para os cenários otimistas
quanto para os pessimistas. Agora, se olharmos
para o final do século, o cenário
de redução de 30% das emissões
a partir de 2015 aponta um aumento de 2 C
a 2,5º C na temperatura. Um cenário
em que as emissões continuarem nos
níveis atuais indica uma elevação
bem pior: de 5º C a 6º C”, explicou
Nobre. “Ou seja, o que fizermos agora terá
reflexos apenas para nossos filhos, nossos
netos. Combater as mudanças climáticas
globais, portanto, é um compromisso
ético com as gerações
futuras”.
O líder indígena
Davi Yanomami, que é também
pajé, lembrou que os mitos de seu povo
relatam o risco de o céu desabar sobre
a cabeça dos homens. Ele também
manifestou sua indignação com
a postura do presidente norte-americano, George
W. Bush, que se recusa a ratificar o Protocolo
de Kyoto (acordo no qual os países
desenvolvidos se comprometeram a diminuir,
em média, 5% de suas emissões
de GEEs entre 2008 e 2012). “O presidente
Bush é um homem mau. Será que
ele não tem medo de morrer? Não
tem pena de estragar nossa terra? A terra
precisa da floresta: é o cabelo dela.
E os rios são seu sangue”, declarou
Davi.
Davi Yanomai: "Nossos
pajés estão segurando o céu
para que não desabe sobre a Terra"
Assunto da moda
O último relatório
do IPCC, cujos dados começaram a ser
divulgados há três meses, teve
grande repercussão na mídia
mundial, inclusive a brasileira. O interesse
da sociedade pelo tema surpreendeu Carlos
Nobre. “Na última terça-feira
participei de uma sabatina com jornalistas
da Editora Abril. Um editor da ´Veja`
comentou comigo que nunca a revista vendeu
tanto quanto como nas edições
que trazem mudanças climáticas
na capa”, contou.
O cientista do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa),
Arnaldo Carneiro, afirmou que tem acompanhado
com satisfação as inúmeras
entrevistas de Carlos Nobre nas televisões,
rádios e jornais. Ele criticou, porém,
o que chamou de “discurso fatalista da ciência”.
“Nem sempre as incertezas científicas
são evidenciadas quando se divulgam
as previsões do IPCC. Além disso,
acho que a gente precisa apresentar alternativas,
dizer às pessoas que elas podem, mudando
suas próprias atitudes, contribuir
para diminuir o problema”, sugeriu.
“O assunto está na
moda, mas ele precisa aterrissar na agenda
das pessoas e dos lugares. Não pode
ser um discurso que cause síndrome
do pânico, paralisia”, concordou Beto
Ricardo. Nobre acrescentou que teme que o
excesso de notícias sobre mudanças
climáticas banalize o assunto, diminuindo
a sensibilidade das pessoas à gravidade
do problema. “Tenho medo de que aconteça
o mesmo que ocorreu com a violência.
Mas, por outro lado, vejo uma diferença
clara. No caso da violência, 1% das
pessoas comete os crimes e 99% são
vítimas impotentes. Nas mudanças
climáticas, são os 99% que têm
algo a fazer para combater o problema”, comparou
o pesquisador do Inpe.
Assunto fora da agenda governamental
A vantagem relativa da Bacia
do Rio Negro no contexto das mudanças
climáticas globais não tem se
traduzido, por enquanto, em melhoria da qualidade
de vida para os povos da região (especialmente
no que se refere ao atendimento de saúde).
Outro pesquisador do Inpa, Victor Py Daniel,
denunciou que o governo federal tem ignorado
a grande incidência de mansonelose na
Amazônia. “Desde a década de
1960 há pesquisas do Inpa apontando
que a mansonelose é patogênica.
Mas o Ministério da Saúde ainda
não assimilou isso. Não há
uma política de diagnóstico
e tratamento desse mal que causa muito sofrimento
ao ribeirinho”, criticou.
A mansonelose é causada
por um verme (do tipo filária) que
se aloja no sangue, provocando febre e dores
nas juntas e na cabeça. Seu transmissor
é o mosquito “pium”, mais conhecido
como “borrachudo” na região sul do
país. A doença tem diagnóstico
fácil: a mesma lâmina de sangue
coletado para busca ativa da malária
poderia servir para o exame da mansonelose,
desde que os agentes de saúde estivessem
treinados para identificar a Mansonella. “O
tratamento também é simples,
basta uma dose de vermífugo. Muitas
vezes encontro no interior pessoas que estão
há meses sofrendo na rede com febre,
dor de cabeça, dor no corpo. Elas fazem
e refazem o exame da malária e dá
negativo. Quando tomam o remédio contra
mansonelose, no dia seguinte já estão
na roça”, contou Py Daniel.
Desde 1995, o Inpa desenvolve
em parceria a Federação Estadual
dos Povos Indígenas (Fepi) um projeto
para caracterizar a mansonelose em todas as
terras indígenas do Amazonas. Em março
deste ano, quando percorriam o rio Içana,
na região do Alto Rio Negro, os pesquisadores
identificaram uma espécie de filária
até então não assinalada
no Brasil: a Mansonella perstans, mais nociva
que a Mansonella ozzardi (já velha
conhecida da Amazônia). Além
da febre, dor de cabeça e nas juntas,
ela se se caracteriza por provocar urticárias
e coceira na pele do doente. A primeira (causada
pela Mansonella ozzardi) ataca órgãos
internos (como fígado e o coração),
provocando lesões e distúrbios
neurológicos e psicológicos,
com risco de morte. Essa descoberta já
foi comunicada ao Ministério da Saúde.
Py Daniel tem esperanças de que, agora,
o governo brasileiro acorde para o problema.
ISA, Thais Brianezi, especial para o ISA.