31/05/2007 - Ao manejar
ovos, pós-larvas e alevinos, alunos
da Escola Indígena Tuyuka Utapinopona,
no Alto Rio Negro, conjugam o aprendizado
de biologia, matemática, português
e língua nativa em ensinamentos práticos
e teóricos. Assim, a escola indígena
mostra que é possível trilhar
caminhos pedagógicos nos quais as matérias
são ensinadas em direta conexão
com a realidade sociocultural de seus alunos.
Para os alunos do ensino-médio
tuyuka, na Terra Indígena do Alto Rio
Negro, no Amazonas, as aulas do mês
de abril começaram bem diferentes do
que se espera de uma escola comum. Em vez
de levar para a sala de aula o caderno de
anotações, alguns alunos saíram
de canoa em direção a um igarapé
ns cercanias na escola para acompanhar a desova
dos peixes aracu-três-pintas. Enquanto
isso, outros alunos abriam um pacote recém-chegado
com material de laboratório e começavam
a se familiarizar com recipientes para medição
de volume, como a proveta, a pipeta e o béquer.
Na Escola Indígena
Tuyuka Utapinopona, matérias como matemática,
português e biologia não são
oferecidas como disciplinas separadas, mas
ensinadas por meio de pesquisas e práticas
integradas. Várias atividades agrícolas,
como manejo agroflorestal, meliponicultura
(criação de abelhas indígenas)
e piscicultura são integradas no currículo
do ensino médio tuyuka. As atividades
agrícolas da escola têm três
objetivos: complementar e diversificar a merenda
escolar, ensinar os alunos algumas práticas
agrícolas que podem complementar a
agricultura indígena tradicional e
ensinar matérias como matemática
e biologia através da prática.
Nos últimos anos
a escola construiu uma infra-estrutura agrícola
que inclui um viveiro de mudas, um galinheiro
e um meliponário. Atualmente a escola
está aumentando sua infra-estrutura
de piscicultura. Com assessoria técnica
da equipe da Estação Caruru
(o centro da Piscicultura Indígena
na região) e apoio financeiro da Federação
das organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn), a escola está
construindo um mini-laboratório para
a incubação dos ovos dos peixes,
além de quatro viveiros para a criação
de alevinos (filhotes de peixe).
A pesca dos alunos no igarapé foi bastante
produtiva, embora bem diferente da pesca tradicional.
Em vez de voltar com cestas cheias de peixe,
eles voltaram com várias bacias cheias
de um líquido formado pela mistura
de ovos com sêmen de peixe. Isso porque
no método de reprodução
adotado pela escola, os ovos de peixes são
obtidos através de extrusão
dos peixes capturados durante a desova. A
pesca durante a desova no rio faz parte da
pesca indígena do Rio Negro. A diferença
na escola Tuyuka é que, embora os peixes
maduros sejam capturados e consumidos, aqui
os ovos são resgatados. Nesse dia,
os pescadores tuyuka presentes no lugar da
desova colaboraram com os alunos. Eles “emprestaram”
aos alunos seus peixes para que eles pudessem
extrair seus ovos e sêmen.
A safra de ovos foi levada
para a sala de aula para ser medida pelos
alunos com os novos instrumentos. Os pescadores
anunciaram aos colegas que tinham conseguido
alguns ovos. Eles se mostraram muito modestos,
porque foram obtidos 15.650 litros de ovos,
ou seja, mais ou menos 460 mil ovos. Isso
equivale à metade da produção
anual da Estação Caruru, um
centro de reprodução profissional
que conta com pessoal treinado.
Essa grande quantidade fez
com que a única incubadora da escola
não desse conta do tamanho da coleta.
Quatro litros de ovos ficaram no mini-laboratório
da escola para ser incubado, e o restante
foi levado para a Estação Caruru,
localizada meia hora de voadeira rio abaixo,
para ser incubado lá. Os meninos mais
interessados em piscicultura fizeram um acompanhamento
ao lado do mini-laboratório inacabado.
Durante a fase de incubação
é preciso manter uma vigilância
permanente, porque uma pequena interrupção
do fluxo da água pode resultar na perda
total dos ovos.
Após cinco dias a
incubação das larvas de peixes
foi concluída. A incubadora foi desativada
e as pós-larvas contadas. A safra da
incubadora da escola foi de aproximadamente
44 mil pós-larvas. Infelizmente, a
infra-estrutura de piscicultura da escola
ainda não está completa. Os
quatro viveiros especiais para os primeiros
meses de vida dos peixes (os chamados “viveiros
berçários”) só ficarão
prontos no segundo semestre de 2007. O único
lugar disponível para se colocar as
pós-larvas foi um antigo açude
comunitário da comunidade, já
que o açude escolar está ocupado
com peixes adultos. Oito mil pós-larvas
foram colocadas no açude, enquanto
que o restante foi transferido para açudes
familiares que já estavam com peixes.
Nesses últimos, a chance de sobrevivência
das pós-larvas é pequena porque
elas podem ser comidas pelos peixes maiores.
Mais importante que a produção
dos alevinos, contudo, foi o processo de aprendizagem.
Todos os alunos participaram na parte teórica
da larvicultura (como é chamada a fase
da reprodução dos peixes). Foram
dias de trabalho com matemática aplicada,
biologia, português e tuyuka. O desenvolvimento
das larvas foi acompanhado diariamente através
de observações com uma lupa.
Termos técnicos foram traduzidos do
português para o tuyuka. Muitos cálculos
foram feitos. Foi necessário, ainda,
saber a quantidade de adubação
que deveria ser colocada no açude comunitário
e calcular a área desse açude
e fazer a transformação de unidades
(de gramas para quilos). Outros cálculos
envolveram o fluxo de água na incubadora
e a densidade de pós-larvas no açude.
A utilidade de calcular com porcentagem, um
conceito normalmente pouco entendido pelos
alunos, ficou mais clara quando a porcentagem
da fecundação e da sobrevivência
foi quantificada.
Embora não tenha
sido possível aproveitar o máximo
desta safra, já que a infra-estrutura
ainda está incompleta, essa primeira
produção pode ser considerada
um grande sucesso. Além de produzir
larvas para a piscicultura, a escola está
formando seus alunos combinando ensinamentos
práticos e teóricos. Se na educação
tradicional muitas vezes as matérias
são ensinadas sem conexão com
a realidade sociocultural dos alunos indígenas,
a Escola Indígena Tuyuka Utapinopona
vem mostrando que é possível
sim trilhar outro caminho.
ISA, Pieter Van Der Veld.