21/06/2007 Evento vai acontecer
quase 20 anos depois do primeiro encontro,
marco do movimento socioambiental. A expectativa
é reunir cerca de 10 mil pessoas. A
novidade e o desafio é tentar unir
sob bandeiras comuns povos tradicionais dos
outros biomas brasileiros, como o Cerrado,
a Mata Atlântica e a Caatinga.
Índios, seringueiros,
ribeirinhos e organizações da
sociedade civil da Amazônia vão
tentar retomar uma aliança histórica.
O II Encontro Nacional dos Povos da Floresta
está marcado para acontecer entre os
dias 18 e 23 de setembro, em Brasília.
O lançamento do evento aconteceu na
terça-feira, na capital federal, e
contou com a presença da ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, líder
seringueira e discípula de Chico Mendes.
O novo encontro vai acontecer
quase 20 anos depois do primeiro, um marco
do movimento socioambiental brasileiro que
levou a floresta amazônica ao centro
dos debates internacionais sobre meio ambiente.
Na organização, estão
o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS),
a Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab) e o Grupo de Trabalho Amazônico
(GTA).
Participaram do lançamento
a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
e a Rede Cerrado, entre outros. Juntos, representam
quase duas mil organizações
civis e movimentos sociais. A expectativa
é reunir cerca de 10 mil pessoas, entre
indígenas, seringueiros, ribeirinhos,
quilombolas, sertanejos, ambientalistas, sindicalistas,
empresários e integrantes do governo.
O I Encontro dos Povos da
Floresta foi promovido, em março de
1989, em Rio Branco (AC), pela União
das Nações Indígenas
e pelo CNS, cuja principal liderança
era Chico Mendes, assassinado alguns meses
antes. O evento projetou a inédita
Aliança dos Povos da Floresta e outras
lideranças, como David Yanomami e Ailton
Krenak (confira abaixo).
Desafio
A novidade e o desafio colocado
pela retomada da articulação
é tentar unir sob bandeiras comuns
povos tradicionais dos outros biomas brasileiros,
como o Cerrado, a Mata Atlântica e a
Caatinga. Além da conservação
da floresta e da distribuição
de renda, a pauta da mobilização
inclui temas mais recentes que estão
na ordem do dia, como mudanças climáticas
e grandes obras de infra-estrutura.
De acordo com Jecinaldo
Barbosa Saterê-Mawê, coordenador-geral
da Coiab, os setores que defendem um modelo
de desenvolvimento predatório para
a Amazônia avançaram bastante
politicamente e é preciso uma ampla
articulação para confrontá-los.
“Esse encontro é uma reação.
Queremos promover novas alianças, mais
diálogo. Temos de nos unir”, defende.
Ele aponta o agronegócio, a bancada
ruralista, as usinas hidrelétricas,
os grileiros e madeireiros como ameaças
aos povos da floresta.
A Aliança dos Povos
da Floresta atuou durante alguns anos, no
início da década de 11000, mas
perdeu muita influência política.
Para Jecinaldo Saterê-Mawê, o
movimento não foi à frente porque
as organizações que o integravam
ainda estavam se consolidando, precisavam
institucionalizar-se e voltaram-se para agendas
próprias. Ele não acha, porém,
que a aliança fracassou. “Aprendemos
com essas experiências e hoje estamos
mais fortes”.
Nas próximas semanas,
as redes que vão promover o novo encontro
devem se reunir para elaborar uma carta de
princípios e diretrizes comuns. Existe
a preocupação de que a busca
por uma atuação unificada não
comprometa a independência das pautas
e estratégias políticas de cada
segmento envolvido. A aposta das coordenações
das redes é de que a experiência
acumulada no movimento iniciado há
20 anos permita não repetir antigos
erros.
“Muitas vezes, acabamos
tentando nos meter nas coisas dos índios.
Queríamos que dirigissem o movimento
deles como o nosso. Isso não deu certo”,
lembra Pedro Ramos, membro do CNS, ex-presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais do Amapá
e um dos companheiros mais próximos
de Chico Mendes. O seringueiro aposentado
defende que sejam definidas grandes linhas
de ação na retomada da Aliança
dos Povos da Floresta, como o reconhecimento
das terras tradicionais, mas que cada povo,
movimento e organização preserve
seus costumes, seus hábitos e sua pauta
específica de reivindicações.
A intenção
das redes que vão promover o novo encontro
não seria unificar o movimento social
e as organizações de tantas
populações diferentes, mas influenciar
políticas públicas, dar visibilidade
a tecnologias e experiências de sucesso
e aprofundar o debate sobre os grandes temas
socioambientais. Deve ser discutida uma espécie
de PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) socioambiental, uma série
de propostas de alternativas econômicas
sustentáveis às grandes obras
de infra-estrutura que o governo Lula pretende
construir e ao agronegócio. A idéia
é estimular a economia agroflorestal
e criar incentivos para a conservação
da floresta.
“A Amazônia vive um
novo boom de visibilidade nacional e planetária,
associado às mudanças climáticas.
Nesse contexto, a iniciativa dessas redes
é oportuna”, afirma Beto Ricardo, secretário-executivo
do ISA, que participou do I Encontro, como
representante do Centro Ecumênico de
Documentação e Informação
(Cedi). Ele lembra que, nos últimos
30 anos, houve outros momentos, como a ECO-92,
por exemplo, em que os povos das florestas
conseguiram projeção política
articulando-se com outros setores da sociedade.
“Mas seu sucesso dependerá da capacidade
das lideranças de revisitar suas referências
de origem, de atualizar e construir conexões
com uma extensa rede de alianças para
apoiar suas propostas”.
Memória
O I Encontro dos Povos da
Floresta aconteceu juntamente com o II Encontro
Nacional de Seringueiros, em Rio Branco, entre
25 a 31 de março de 1989. Estiveram
presentes 187 delegados seringueiros e indígenas
do Acre, Amazonas, Pará, Amapá
e Rondônia. A Aliança dos Povos
da Floresta foi formalizada no evento e suas
grandes reivindicações eram
o reconhecimento oficial e a defesa das terras
dessas populações, a implementação
de políticas que garantissem sua sobrevivência
e sua cultura.
A articulação
chamou a atenção da sociedade
brasileira e internacional para o problema
fundiário e o desmatamento na Amazônia.
Também consolidou os povos da floresta,
em especial seringueiros e indígenas,
como interlocutores políticos. O movimento
que deu origem ao encontro e a Aliança
dos Povos da Floresta nasceu na onda de mobilizações
ocorridas por conta da redemocratização
do País e da Assembléia Nacional
Constituinte, no final dos anos 1980.
Chico Mendes foi um dos
grandes inspiradores do encontro, que foi
realizado ainda sob o impacto de sua morte.
O líder seringueiro foi assassinado
em 22 de dezembro de 1988, em Xapuri (AC),
na porta de sua casa. Ele participara da fundação
do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS),
em 1985, e fora ao Senado dos Estados Unidos,
em 1987, para denunciar o financiamento internacional
de projetos de devastação das
florestas brasileiras. As denúncias
fizeram com que os projetos fossem suspensos
e Chico fosse acusado por fazendeiros e políticos
de prejudicar o "progresso" do Estado
do Acre. Vários dos líderes
que participaram do encontro também
estavam sob ameaça de morte.
Foi a Aliança dos
Povos da Floresta que juntou os ideais de
uma reforma agrária ampla e da conservação
ambiental. Era preciso, então, não
apenas garantir o direito à terra das
populações indígenas
e dos seringueiros, mas também os recursos
naturais que em que estavam baseados o seu
modo de vida tradicional. O movimento também
foi responsável pela divulgação
da idéia das Reservas Extrativistas.
“Havia um senso comum de
que a floresta estava sendo desmatada pelas
populações locais e quem se
interessava pela conservação
estava nas grandes cidades. Isso mudou a partir
daí”, relembra Steve Schwartzman, diretor
do Programa Internacional da Environmental
Defense – ED – organização sediada
em Washington (EUA). Ele foi uma das pessoas
que ajudou a divulgar internacionalmente a
luta dos seringueiros e da Aliança
dos Povos da Floresta. Schwartzman considera
que o conceito de Reserva Extrativista é
um dos grandes legados da mobilização
dos povos da floresta, inclusive como uma
idéia genuinamente brasileira.
Declaração dos Povos da Floresta
- Março de 1989
As populações tradicionais que
hoje marcam no céu da Amazônia
o arco da Aliança dos Povos da Floresta
proclamam sua vontade de permanecer com suas
regiões preservadas. Entendem que o
desenvolvimento das potencialidades destas
populações e das regiões
em que habitam se constitui na economia futura
de suas comunidades, e deve ser assegurada
por toda nação brasileira como
parte da sua afirmação e orgulho.
Esta aliança dos
Povos da Floresta reunidos – índios,
seringueiros e ribeirinhos – iniciada aqui
nesta região do Acre estende os braços
para acolher todo esforço de proteção
e preservação deste imenso porém
frágil sistema de vida que envolve
nossas florestas, lagos, rios e mananciais,
fonte de nossas riquezas e base de nossas
culturas e tradições.
Conselho Nacional de Seringueiros
(CNS)
União das Nações Indígenas
(UNI)
ISA, Oswaldo Braga de Souza.