05/07/2007 - Caro Dom,
Tomo a liberdade de enviar mais um texto,
sobre nova polêmica em torno da teologia
da libertação que se diz perseguida
por Roma.
Anexo também uma
reflexão de Páscoa com um esclarecimento
sobre teorias de reencarnação
propagadas até em novelas.
E mais um artigo sobre a
questão das águas do São
Francisco. Já enviei o texto anexo,
mas vejo que nem todos receberam e acrescento
aqui uma observação que me parece
importante diante de informações
tendenciosas contra o projeto.
Dizem que o rio está
morrendo. A enchente deste ano mostrou que
está vivo e forte. Ainda bem que a
mesma enchente mostrou também a necessidade
de revitalização e de preservação,
não apenas do leito do rio e das suas
margens ciliares, mas de uma área muito
maior para reter as águas das chuvas
em matas adequadas e evitar que o lago de
Sobradinho fique entulhado de areia. Para
não ficar apenas falando, estou tentando
implantar um pequeno reflorestamento aqui
no sertão.
Por outro lado, não
posso ficar calado diante de uma maneira tendenciosa
de apresentar o problema. Muitos se deixaram
levar por preconceitos baseados em informações
enganosas.
Retirar alguma água
do rio depois da represa de Sobradinho em
nada afeta o rio e o povo que mora acima.
A retirada de água
em Cabrobó, a 200 km abaixo de Sobradinho,
não tem nada a ver com a vida do rio
e das terras mais acima. Problemas só
podem surgir de lá para baixo. Até
nos meses de seca, mais de dois mil metros
cúbicos de água boa são
despejadas no mar a cada segundo, graças
à barragem de Sobradinho.
O único problema
real com a transposição de água,
mesmo se for uma quantidade maior que um e
meio centésimo da água que corre
pelo leito do rio, será com a alimentação
das usinas hidroelétricas rio abaixo.
Não tenho dúvida
que nas próximas décadas vai
aumentar conflito de interesses entre a produção
de energia nas usinas e a produção
de alimentos por irrigação,
seja nas proximidades do rio ou em terras
mais distantes. Será o mesmo problema
que teremos com o aumento de áreas
destinadas à produção
de álcool e biodiesel. Com meus melhores
votos para seu serviço na diocese e
na CNBB.
Jequié, 21 de abril de 2007 + Cristiano
Krapf, bispo de Jequié
Águas disputadas
Diante de tentativas de setores que procuram
envolver a CNBB na adoção dos
seus pontos de vista e no apoio às
suas manobras, quero oferecer aos interessados
uma colaboração para um aprofundamento
de algumas questões complicadas que
estão fora do alcance da teologia e
da teologia da libertação.
A discussão sobre
o destino das águas do São Francisco
que já foi chamado de Rio da Unidade
Nacional vai engrossando cada vez que um governo
pretende passar do debate sobre a transposição
à sua realização.
Entre os adversários
mais atuantes do projeto está o Bispo
de Barra, conhecedor do rio e conhecido defensor
dos pobres. Conseguiu o apoio de muitos bispos.
Respeito suas preocupações,
mas os argumentos contra a transposição
não me convencem. Vejo poucos argumentos
razoáveis e muita pressão política,
de ambos os lados.
Falta um aprofundamento isento da questão.
Lembro que o assunto foi trazido à
Assembléia da CNBB em 1994 pelos bispos
do NE 1 e 2. Eles pediram o apoio dos bispos
à transposição. Fui o
primeiro a questionar alguns aspectos do projeto,
muito maior que o atual. Queriam desviar até
280 m3/s, 10% da água que corre pelo
rio, com diminuição considerável
na produção de energia elétrica.
Escrevi um texto com argumentos
contra aquele projeto, com o título:
"As águas da discórdia".
Fiz esta advertência, em 1994: "A
primeira grande seca do século XXI
vai provocar um racionamento de energia elétrica
em todo Nordeste".
Seis anos depois, em 2001,
já chegou o primeiro apagão,
mesmo sem nenhuma transposição.
Atingiu o Brasil inteiro, por falta de investimentos
adequados.
O projeto atual quer levar
apenas 26 metros cúbicos de água
por segundo, pouco mais de um centésimo
da água que desce para produzir energia
e desaguar no mar. Mesmo assim, adversários
da transposição querem envolver
pastorais sociais e a CNBB inteira na luta
inglória contra um projeto que pode
levar mais vida ao sertão.
A CPT está organizando
um acampamento em Brasília contra a
transposição.
Apresenta chavões
simplórios assim: "O problema
hídrico do Nordeste não é
de escassez, mas de gestão. O Nordeste
não precisa de água, mas de
justiça." Não sei se o
pessoal ainda continua com outro chavão:
"O problema do Nordeste não é
a seca, mas a cerca".
Falta gestão, sim.
Falta justiça, também. No entanto,
dizer que não falta água é
coisa de quem não enxerga ou não
quer ver.
Outros alegam que existem
alternativas melhores para solucionar o problema.
Querem um milhão
de cisternas para armazenar a água
da chuva, e chegam a dizer que essa seria
uma solução mais econômica.
Não sabem fazer cálculos?
Vai aqui um exercício
de matemática. Supondo que numa cisterna
possam caber 23 mil litros de água,
um milhão de cisternas podem armazenar
23 milhões de metros cúbicos.
Comparando: 26 m3 de água trazidas
do rio por segundo são 819 936 000
m cúbicos por ano, 35 vezes o conteúdo
de um milhão de cisternas.
As cisternas não
são alternativa, mas complemento, para
lugares onde a água do rio não
possa chegar. Um pouco de água para
beber, se todos tiverem o cuidado necessário
para não deixar entrar nenhuma sujeira
do telhado. Porém, não só
de água para beber o homem consegue
viver.
Faltando argumentos, recorrem
a pressões e agridem a quem não
pensa igual.
"Ninguém, em
sã consciência pode ir na contramão
do povo que não quer transposição".
Diz a CPT que foi Dom Luís que falou
assim.
Levar água para regiões
distantes do rio é uma questão
que envolve aspectos positivos e negativos,
vantagens e desvantagens, como qualquer projeto
humano.
Para que desqualificar os
defensores da transposição como
se fossem todos insensatos ou mal intencionados?
Quanto aos bispos, deviam
ouvir também o outro lado, antes de
tomar posição.
Algumas pastorais sociais
enxergam apenas problemas. Adotam a visão
capenga de uma esquerda radical que já
era contra Sobradinho, contra Itaipú,
contra Tucuruí. Agora são contra
novas barragens e outras obras importantes
para o desenvolvimento do país. São
contra a transferência de água
que pode ajudar um milhão de Nordestinos
a conquistar melhores condições
de vida.
Nova campanha contra a transposição
De acordo com uma carta:-circular da CPTt
o acampamento em Brasília conta com
apoio financeiro de setores da Igreja: Carros
çla Cáritas, do CIMI e da CPTt
adiantamento de recursos pela Cáritas;
coordenação,financeira do CIMI.
Tudo isso contra um projeto que pode criar
milhares de empregos na sua implantação,
e muito mais depois.
Os inimigos do projeto insistem
na prioridade do uso doméstico da água,
mas• não é lá que está
o problema. O consumo humano exige uma parte
pequena da vazão do rio. O Brasil inteiro
não conseguiria beber a água
toda do São Francisco. Se for só
para uso caseiro, reconheço que existem
alternativas. O embate maior na disputa pelas
águas será entre a irrigação
e a produção de energia elétrica.
Muitos adversários da transposição
são movidos pela aversão a projetos
de irrigação.
O impacto do projeto atual
na produção de energia será
relativamente pequeno, uma diminuição
de menos de 2%,nos meses que não houver
sobra de água. Por outro lado, a irrigação
de todas as terras irrigáveis nos Estados
banhados pelo rio exigiria uma quantidade
muito maior de água, mesmo sem a transposição.
A questão maior é
esta: Fazer irrigação apenas
aqui, ou ceder alguma água aos irmãos
distantes do nosso no? Não há
dúvida que a irrigação
nas proximidades do Rio é mais econômica.
Mas a economia não pode ser o único
critério.
Sem irrigação
não haverá desenvolvimento do
sertão. Mas a irrigação
de um milhão de hectares 'nas proximidades
do São Francisco vai exigir 700 m3js.
Para irrigar as terras boas mais distantes,
outros 700. Ao todo, metade da vazão
do rio, para fazer do Nordeste um grande celeiro
e exportador de frutas tropicais para o mundo.
É preciso superar a mentalidade tacanha
contra o agronegócio de exportação.
O Nordeste não pode
ficar condenado a produzir apenas o que o
Nordestino possa comer.
Será que plantar
de enxada e botar água de balde ainda
tem futuro?
A pergunta vale também
para o futuro dos assentamentos da reforma
agrária.
Enxadas não conseguem
competir com tratores. Os assentados terão
duas alternativas:
Ou se organizam em ,cooperativas
para mecanização, ou dependerão
para sempre de dinheiro público. A
não ser que ainda queiram uma agricultura
de subsistência e produzir
apenas a sua própria comida.•
No meu tempo de pároco
na região do cacau, fazendeiros me
pediram para botar uma máquina para
colher cacau. Respondi que não faria,
mesmo que soubesse. Não queria contribuir
para aumentar o desemprego. No entanto, num
mundo globalizado não é possível
competir sem tecnologia, mesmo que as máquinas
tirem empregos.
Por outro lado, se o desenvolvimento
da agricultura vai tirar metade da água
do rio, como ficará a produção
de eletricidade? A solução está
no Tocantins, se por lá não
surgirem defensores do rio deles que não
queiram ceder nada para nós.
Já em 1994 escrevi:
"Trazer água ou energia do Tocantins
pode ser uma solução".
Foi apenas um. palpite,
baseada na intuição, quando
olhei um mapa da fronteira oeste da Bahia.
Pensei que seria necessária outra obra
vultosa, de outros tantos bilhões.
Agora soube que uma obra
menor pode trazer água suficiente,
levando sobras de água da lagoa Varedão
e do rio do Sono na região do Jalapão
através dos rios Sapão e Preto
ao lago de Sobradinho. De quebra será
um reforço para irrigar o Oeste da
Bahia.
No entanto, de onde tirar
o dinheiro para as duas obras? E questão
de prioridade.
Um governo que gasta mais
de dez bilhões por mês para enriquecer
os ricos pelos juros da dívida interna
não pode investir alguns bilhões
para levar água ao sertão? O
Nordeste precisa de um salto para o futuro,
também para aliviar a pressão
sobre a Amazônia.
Não adianta gritar
contra a globalização. Precisamos
aprender a conviver com ela e pensar em termos
globais e no futuro. O grande dilema da humanidade
será entre a produção
de energia e a produção de alimentos.
O conflito já está começando
com a demanda crescente de terras para a produção
de biocombustíveis.
Vai crescer também
o conflito entre a promoção
do desenvolvimento e a urgência da preservação
da natureza para diminuir o aquecimento global.
O único caminho aberto passa pelo aproveitamento
direto da energia solar em coletores que não
exigem tantas terras boas como requer a produção
de biomassa. Desertos podem produzir energia.
Jequié, 12 de março de 2007
+ Cristiano Krapf