03/07/2007 Professores e
pesquisadores de 22 povos da Amazônia
se reuniram no mês passado para trocar
conhecimentos sobre as atividades de pesquisa
desenvolvidas em suas aldeias. Destacaram,
entre outros pontos, a importância do
envolvimento de suas comunidades na produção,
registro e transmissão dos saberes
pesquisados e como as atividades de investigação,
combinadas com o uso de novas tecnologias,
têm estimulado as novas gerações
a saber mais sobre sua própria cultura.
Representantes de 22 povos
indígenas de diferentes pontos da Amazônia
brasileira se reuniram no mês passado
em Macapá, no Amapá, para trocar
experiências, idéias e informações
relativas às atividades de pesquisa
que cada povo tem realizado para proteger
e fortalecer suas culturas e conhecimentos
tradicionais. A reunião ocorreu por
ocasião do seminário “Experiências
Indígenas de Pesquisa e Registro de
Conhecimentos Tradicionais”, promovido pela
Rede de Cooperação Alternativa
Brasil (RCA-Brasil) entre os dias 18 e 23
de junho. O encontro reuniu representantes
dos povos Aparai, Galibi-Marworno, Gavião,
Ikpeng, Kaiabi, Karipuna, Katukina, Kaxinawa,
Kaxuyana, Krahô, Marubo, Panará,
Terena, Tiriyó, Tukano, Wajãpi,
Wayana, Tuyuka, Yanomami, Yawanawa e Baniwa
e de suas respectivas organizações
e associações (veja lista abaixo).
Os relatos feitos pelos
participantes do seminário demonstraram
a variedade das experiências que vêm
sendo desenvolvida em diferentes regiões
do País e os diversos modos que os
povos indígenas estão se apropriando
de ferramentas tecnológicas e de metodologias
científicas nas diferentes realidades,
constituindo, assim, jeitos específicos
de se conceber e fazer “pesquisa indígena”.
Investigações feitas por professores
e alunos, pesquisas para a formação
de agentes de manejo ambiental ou de pesquisadores
indígenas, estudos e levantamentos
voltados ao fortalecimento cultural, manejo
e sustentabilidade, e ao conhecimento do “mundo
do branco” estão entre os temas apresentados
no encontro.
De acordo com os relatos,
o exercício de pesquisa vem funcionando
como um importante meio para a produção
e registro de conhecimentos nas escolas indígenas,
nos cursos de formação de professores
e de agentes agroflorestais. “Como os pesquisadores
têm dificuldade de acessar nossas terras,
a idéia é os alunos aprendam
eles mesmo a serem pesquisadores da comunidade”,
disse o professor baniwa Armindo Brazão.
Os índios ressaltaram também
que as pesquisas são importantes porque
despertam nos mais jovens o interesse e valorização
da própria cultura. “A gente pesquisa
para aprender com aquele velho que sabe de
uma coisa. Para não perder aquele conhecimento.
A gente pesquisa porque os mais jovens não
estão interessados no conhecimento
nosso. Então a gente pesquisa para
mostrar que nosso conhecimento também
é bonito, não só o do
branco”, disse o professor Seki Wajãpi.
Participação
das comunidades
O encontro propiciou uma
primeira sistematização das
diferentes formas de trabalhar a pesquisa
e as metodologias utilizadas. Durante a conclusão
do seminário, os participantes indígenas
destacaram que o processo de decisão
em relação às temáticas
de pesquisa deve contar com a participação
ativa dos membros das respectivas comunidades,
o que deve se estender também à
transmissão, produção
e registro dos conhecimentos. Nesse sentido,
as experiências desenvolvidas nas escolas
baniwa, tukano e tuyuka, na região
do Alto Rio Negro, no Amazonas, foram referências
deste modo “participativo” de fazer pesquisa.
Os professores João
Bosco Rezende, da Associação
Escola Indígena Tuyuka Utapinopona,
Vicente Azevedo Rezende, da Associação
Escola Indígena Tukano Yupuri, e Armindo
Brazão, da Organização
Indígena da Bacia do Içana,
ao lado da antropóloga Melissa Oliveira,
do Programa Rio Negro do ISA, relataram suas
experiências em pesquisa sobre as “Paisagens
Florestais Tuyuka”, “Astronomia Tukano”, “Manejo
do Arumã”, “Identificação
de espécies de Pimenta” e “Manejo dos
peixes entre os Baniwa”. As apresentações
dos representantes do Alto Rio Negro ainda
demonstraram como é possível
construir parcerias positivas entre pesquisadores
indígenas e não-indígenas
e entre os conhecimentos tradicionais e os
métodos e técnicas da pesquisa
cientifica.
Os participantes do seminário
também perceberam que as experiências
indígenas de pesquisa podem gerar produtos
que beneficiam as comunidades de diversas
formas: desde a elaboração de
materiais didáticos para as escolas
e a revitalização de práticas
culturais, pouco conhecidas pelos mais jovens,
até o registro e divulgação
de cantos, danças, grafismos e artesanatos
tradicionais. Esses registros podem inclusive
ser utilizados em processos de proteção
de conhecimentos relacionados à biodiversidade
dos territórios indígenas e
no reconhecimento oficial de patrimônio
cultural.
Esse é o caso do
Dossiê das Artes Gráficas Wajãpi,
registrado como patrimônio imaterial
pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan) em dezembro
de 2002. “Posteriormente, as “Expressões
Gráficas e Oralidade entre os Wajãpi
do Amapá” obtiveram junto à
Unesco o título de Obra-Prima do Patrimônio
Oral e Imaterial da Humanidade”. Estes reconhecimentos
da cultura wajãpi tem ajudado na revitalização
de suas práticas nas próprias
aldeias e na mobilização das
comunidades em torno de ações
que valorizem tanto as formas de transmissão
oral como os conhecimentos relacionados.
Por outro lado...
Uma importante questão
levantada durante o seminário diz respeito
aos limites das pesquisas nos processos de
fortalecimento cultural dos povos indígenas.
“A relação dos índios
com seus conhecimentos tradicionais não
deve apenas ser intermediada pelas novas tecnologias,
mas ser também vivenciada no cotidiano
das aldeias”, afirma Rosana Gasparini, do
Programa Xingu do ISA. “Por isso as pesquisas
não são um fim em si, mas um
caminho de redescoberta de identidades e saberes”.
Nessa perspectiva, a prática das pesquisas
não deve tirar a importância
da transmissão oral do conhecimento,
assim como o registro de conhecimentos (gravação
ou escrita de cantos, danças, benzimentos,
por exemplo) não substitui as próprias
vivências (cantar, dançar, benzer).
Outra preocupação
expressada pelos participantes indígenas
trata dos cuidados que as comunidades devem
tomar ao pesquisar sobre conhecimentos tradicionais,
especialmente aqueles relacionados aos recursos
naturais e à biodiversidade existente
em seus territórios, para evitar que
sejam apropriados de forma indevida pelos
não-índios. Nesse caso, as línguas
indígenas são reconhecidas como
importantes formas de proteção
no registro das informações,
pois restringem o acesso ao conhecimento.
O seminário “Experiências
Indígenas de Pesquisa e Registro de
Conhecimentos Tradicionais” foi coordenado
pelo Iepé e contou com o apoio da Fundação
Rainforest da Noruega, USAID, Ministério
do Meio Ambiente, Fundação Nacional
do Índio, Instituto Internacional de
Educação do Brasil e Fortaleza
São José de Macapá.
Participantes do encontro:
APROTEM – ASSOCIAÇÃO
DOS PROFESSORES TERENA DO MUNICÍPIO
DE MIRANDA
LASA - LATIM AMERICAN STUDIES ASSOCIATION
CIVAJA – CONSELHO INDÍGENA DO VALE
DO JAVARI
AEITY - ASSOCIAÇÃO DA ESCOLA
INDÍGENA TUKANO YUPURI
AEITU - ASSOCIAÇÃO ESCOLA INDÍGENA
TUYUKA – UTÃPINAPONA
OPIAC - ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES
INDÍGENAS DO ACRE
APITIKATXI – ASSOCIAÇÃO DOS
POVOS INDÍGENAS TIRIYÓ, KAXUYANA
E TXIKYANA
FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL DO
ÍNDIO
ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL
CONSELHO DAS ALDEIAS WAJÃPI APINA
USAID/BRASIL - AGÊNCIA DOS EUA PARA
O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL
MUSEU KUAHI - MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS
DO OIAPOQUE
CPI/AC - COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO
DO ACRE
IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E ARTÍSTICO NACIONAL
MMA – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
AIP – ASSOCIAÇÃO IAKIÔ
PANARÁ
AMAAIAC – ASSOCIAÇÃO DO MOVIMENTO
DOS AGENTES AGROFLORESTAIS INDÍGENAS
DO ACRE
RCA BRASIL – REDE DE COOPERAÇÃO
ALTERNATIVA BRASIL
OPIMO - ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES
INDÍGENAS DO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE
HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI
CCPY - COMISSÃO PRÓ YANOMAMI
ACIGAR – ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE
INDÍGENA GAVIÃO ALDEIA RIACHINHO
ATIX - ASSOCIAÇÃO TERRA INDIGENA
XINGU
FOIRN – FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS DO RIO NEGRO
OTCA – ORGANIZAÇÃO DO TRATADO
DE COOPERAÇÃO DA AMAZÔNIA
WYTY-CATË – ASSOCIAÇÃO
DOS POVOS TIMBIRA DO MARANHÃO E TOCANTINS
AIMCI – ASSOCIAÇÃO INDÍGENA
MOYGU COMUNIDADE IKPENG
CTI – CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA
OIBI – ORGANIZAÇÃO INDÍGENA
BACIA DO IÇANA
APITU – ASSOCIAÇÃO DOS POVOS
INDÍGENAS DO TUMUCUMAQUE
IEPÉ - INSTITUTO DE PESQUISA E FORMAÇÃO
EM EDUCAÇÃO INDÍGENA
Aliança entre indígenas
e indigenistas
A RCA Brasil é uma
aliança formada por entidades socioambientais
indígenas e indigenistas reunidas em
uma rede de cooperação, sinergia
e intercâmbios entre seus membros desde
1997. A RCA Brasil tem logrado a definição
de diretrizes políticas e estratégicas
comuns em: Educação Indígena;
Pesquisa e Conservação da Biodiversidade
em Terra Indígena; Fortalecimento da
Autonomia dos Povos Indígenas; e Ampliação
da Sustentabilidade das Associações
Indígenas.
A RCA Brasil é uma
iniciativa pioneira no País ao propiciar,
de modo sistemático, interlocução
entre diferentes povos e organizações
indígenas, notadamente através
de intercâmbios – concebidos e executados
enquanto um instrumento de construção
e aprimoramento de capacidades em várias
dimensões.
ISA, Paula Mendonça e Melissa de Oliveira.