3 de Julho de 2007 - Mylena
Fiori - Enviada especial - Wilson Dias/ABr
- Coimbra (Portugal) - O professor do Centro
de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra, Boaventura de
Sousa Santos, concede entrevista.
Lisboa (Portugal) - Interesses
econômicos e políticos norteiam
a parceria estratégica proposta pela
União Européia ao Brasil. Na
avaliação do sociólogo
e professor Boaventura de Sousa Santos, do
Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra, o Brasil, neste momento, é
um "fruto apetecido" devido à
atuação protagonista nas negociações
comerciais internacionais e à influência
regional e em outras regiões importantes
do mundo em desenvolvimento. É, também,
o mais "moderado" entre os países
sul-americanos.
"O Brasil tem tido
posição mais moderada, é
o governo mais pró-ocidental, não
tem uma linguagem anti-imperialista, enquanto
os outros países tem posição
mais extremista em relação aos
objetivos ocidentais", diz Boaventura.
"A Europa obviamente pretende, com esta
negociação, premiar a moderação
brasileira e, talvez perversamente, isolar
as versões mais extremistas. Nomeadamente
a Venezuela", avalia em entrevista à
Agência Brasil, entre as centenas de
livros que ocupam cada centímetro quadrado
de sua sala de trabalho em Coimbra.
"Estes são os
jogos, as grandes manobras políticas
globais que se jogam nestas cimeiras",
afirma, em referência à primeira
Cúpula Brasil-União Européia,
que será realizada amanhã (4),
em Lisboa, com a presença do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e outros
líderes europeus.
Boaventura destaca, porém,
as limitações da diplomacia
européia, por não poder se sobrepor
aos interesses nacionais de cada um dos 27
países-membros. Também aposta
na "lucidez" da política
externa brasileira e de outros países
do mundo. Por estas razões, não
acredita no êxito da estratégia
européia. "A Europa não
está em condições de
impor condições ao mundo. Acredito
que esta parceria pode ser boa para a Europa
para começar a ver outra realidade,
outras pessoas, outras caras. A Europa tem
que aprender muito, o retorno das caravelas
ainda não aconteceu e é bom
que aconteça agora".
Agência Brasil: Portugal
assume a presidência rotativa da União
Européia colocando o Brasil e a África
entre suas prioridades de política
externa. O mandato começa com a Cúpula
Brasil-UE e termina, em dezembro, com outra
cúpula, entre europeus e africanos.
Quais os objetivos desta estratégia?
Todos podem ganhar com isso?
Boaventura de Sousa Santos: Penso que fundamentalmente
as duas cimeiras se justificam por razões
distintas. Portugal é quem teve contatos
políticos, culturais e econômicos,
para o bem e para o mal, com Brasil e África.
No meu entender, mais para o mal, porque foi
um contato colonial. Mas foi de muitos séculos
e, portanto, criou também algumas possibilidades
de cooperação cultural. Portugal,
que teve sempre esta fronteira muito flexível
entre a Europa e o que está além
da Europa, está bem posicionado para
trazer estes temas à discussão.
O problema é saber como é que
vão ser tratados. E aí, claro,
Portugal não tem poder para imprimir
uma marca especial a estas negociações
porque, fundamentalmente, o que está
em jogo é a negociação
econômica e o que fala mais alto são
os números, os interesses no comércio.
Portugal, aí, tem uma posição
subordinada.
ABr: Por que o interesse
europeu de aprofundar o diálogo com
o Brasil?
Boaventura: O Brasil é um fruto apetecido
para a Europa por duas razões. Em primeiro
lugar, porque é uma potência
regional e também inter-regional, devido
a suas interações com Índia
e África do Sul. A Europa procura adensar
seu intercâmbio com o Brasil fundamentalmente
no plano econômico para procurar um
tratado comercial bilateral no momento em
que o comércio global está bloqueado.
Isto é muito semelhante ao que os Estados
Unidos têm feito na América Latina
depois que falhou a Alca [Área de Livre
Comércio das Américas]. Há
também outra coisa na agenda no plano
econômico, que é tentar que o
Brasil contribua para o desbloqueamento do
comércio internacional. Mas a política
externa do Brasil tem sido muito lúcida
no sentido de mostrar que se não houver
cedências importantes da União
Européia e dos Estados Unidos, estes
países não servem para o Brasil.
ABr: E qual a outra razão?
Boaventura: A outra razão tem a ver
com os aspectos políticos. O Brasil
tem uma posição geoestratégica
nas mudanças políticas que têm
ocorrido no continente sul-americano. Vários
governos foram democraticamente eleitos com
um programa que procura pôr fim a uma
ordem internacional que consideram injusta
e imperialista, porque permite a exploração
desenfreada dos seus recursos naturais e de
suas riquezas enquanto a esmagadora maioria
das populações vive na miséria
e na pobreza. Durante muitos séculos
suas riquezas foram sendo saqueadas e, neste
momento, estes povos disseram ponto final
de alguma maneira. É assim que devemos
entender a posição de [Nestor]
Kirchner [presidente argentino] quando decidiu
reduzir unilateralmente parte da dívida
externa. É assim também na Bolívia
e na Venezuela, quando decidem nacionalizar
o petróleo e o gás. Neste domínio,
a filosofia política do governo brasileiro
pretende se aproximar da filosofia política
da Europa, do modelo social europeu, de tentar
alta competitividade e alguma proteção
social. O Brasil tem tido uma posição
mais moderada, é o governo mais pró-ocidental,
não tem uma linguagem anti-imperialista.
ABr: E a estratégia
pode funcionar?
Boaventura: Não penso que neste aspecto
a cimeira vá ter um grande êxito,
precisamente porque o Brasil tem uma política
externa muito lúcida, assentada na
idéia de que o Brasil tem suas opções
políticas, que são diferentes
da Bolívia e da Venezuela, mas tem
solidariedade continental com estas opções
políticas porque todas elas, no seu
conjunto, contribuem para um objetivo comum,
que é melhorar as condições
de vidas das populações excluídas.
Portanto, penso que não vai ser possível,
através do Brasil, isolar a Bolívia
ou a Venezuela. O presidente Lula já
deu mais do que sinais de que não pretende
isso.
ABr: Durante o mandato português,
também estão previstas cimeiras
com outras grandes economias consideradas
emergentes, como Rússia e Índia...
O jogo é o mesmo?
Boaventura: Todas estas cimeiras têm
essa característica: adensar o comércio
bilateral quando o comércio global,
na Organização Mundial do Comércio,
está bloqueado. O que interessa sempre,
do ponto de vista da Europa, é fundamentalmente
os negócios, não é uma
visão política estratégica
alternativa aos Estados Unidos. Vejo com bastante
distância estas cimeiras. Sou europeu,
não eurocêntrico, e procuro me
colocar sempre na posição dos
outros países e das outras regiões
diante da Europa. E se eles forem lúcidos,
sabem que não há muito mais
do que isto em jogo neste momento.