Panorama
 
 
 

PARA GILBERTO GIL, OS POVOS INDÍGENAS TÊM MUITO A ENSINAR À ALDEIA GLOBAL

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2007

06/07/2007 Em discurso proferido na semana passada em Brasília, o ministro da Cultura Gilberto Gil defendeu a diversidade cultural como antídoto às leis de mercado e comparou os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas às mais altas tecnologias de informação que estão transformando e fundindo os papéis de produtor e consumidor cultural.

Talvez perdida em meio ao tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ou atrás do cheiro de pizza que exala dos corredores do Senado Federal, em Brasília, a “grande imprensa” brasileira não deu ouvidos para o que disse o ministro da Cultura, Gilberto Gil, em discurso proferido na semana passada. Pois deveria ter dado. As palavras de Gil na abertura do Seminário Internacional da Diversidade Cultural, organizado pelo Ministério da Cultura e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que ocorreu na Capital Federal e reuniu a maioria dos ministros de Cultura da América Latina, representam um marco no posicionamento do governo brasileiro sobre assuntos tão complexos como importantes, e que passam por acelerada transformação.

O monopólio da produção cultural por grandes corporações, a entrada em cena de tecnologias que revolucionam as formas de se produzir e acessar cultura, a convergência digital, os modos colaborativos de produção cultural como os softwares livres, a crise do direito autoral e alternativas de acesso aberto, a valorização e proteção dos conhecimentos indígenas, a diversidade cultural das Américas. Todos estes temas e muitos outros foram costurados por Gilberto Gil ao avaliar o quanto a produção e o acesso a cultura são realmente democráticos em um planeta cuja indústria do entretenimento vem sofrendo alterações radicais, algumas das quais já podem ser quantificadas nos seguintes dados:

a venda de CDs no mundo caiu 40% nos últimos cinco anos;

das 2.100 salas de cinema do País, 2.010 exibem filmes produzidos em Hollywood;

no ano passado, o Brasil produziu cerca de 50 filmes, enquanto os Estados Unidos cerca de 500, a Índia algo em torno de 900 e a Nigéria, mais de 1.200;

O único meio de exibição da imensa produção cinematográfica nigeriana são os DVD vendidos em camelódromos.

Os números foram divulgados pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas durante oficina realizada em Brasília como preparação ao seminário, cujo pano de fundo é o de fortalecer a agenda de cooperação cultural entre países da OEA e a aprovação recente da Convenção para Proteção e Promoção da Diversidade Cultural da Unesco.

A Convenção da Unesco, que entrou em vigor em tempo recorde - mais de 60 países a ratificaram desde outubro de 2005 –, representa o mais importante marco legal internacional sobre cultura e abre caminho para a construção de novas políticas de fomento e promoção cultural pelos países membros. O reconhecimento da soberania dos países em conceber, criar e disseminar políticas culturais apropriadas para suas realidades abre um campo político e jurídico sobre o qual podem ser construídas políticas culturais que combatam a concentração industrial no setor e promovam iniciativas locais. E não são poucas as novidades nesse campo.

O cenário de transformação cultural contemporâneo está pautado no avanço das tecnologias de informação, convergidas no ambiente digital da Internet, que permitem que atuais consumidores passivos se transformem também em produtores ativos de informação e cultura. Nesse contexto é que se coloca hoje a discussão sobre políticas e direitos capazes de promover a diversidade cultural: questionar a afirmação (quase natural) de que é preciso proteger e restringir o acesso às criações culturais através de direitos autorais para incentivá-las, evitar a formação de monopólios na indústria cultural, e estimular modelos colaborativos de produção cultural fora do mercado formal.

A produção colaborativa de conhecimentos indígenas como exemplo

No entanto, para buscar uma política que dê visibilidade e voz à diversidade cultural, esta própria diversidade exige um mergulho para além da dicotomia consumidor-produtor. Os povos indígenas no Brasil mantêm um conjunto de práticas, conhecimentos e tecnologias que se manifestam à sociedade por meio de expressões como grafismos corporais, sílabas gráficas de cestarias e tecelagem, música, arte plumária, arquitetura, dança, entre tantas outras. Essas manifestações têm despertado interesse crescente da sociedade envolvente para fins científicos, informativos, educacionais e comerciais.

Mergulhando mais fundo, cada povo indígena mantém suas próprias estruturas sociais e jurídicas dentro das quais se inserem essas práticas e saberes. Ou seja, os conhecimentos que se encarnam em uma determinada expressão cultural indígena circulam mais ou menos livremente conforme regras próprias de gestão e uso. Por exemplo, grosso modo, conhecimentos associados a práticas xamânicas tendem a ser mais restritos do que conhecimentos ligados a práticas cotidianas (confecção de cestarias, por exemplo), de acesso mais universal. Seja como for, a circulação de conhecimento (e de recursos naturais associados) entre comunidades e povos indígenas tece redes de intercâmbio que operam em dinâmicas e escalas próprias, em nível local ou regional. Essas redes, essenciais para a própria existência dessa diversidade cultural, operam também mediante a observação de regras de uso e acesso peculiares de cada povo.

Embora, via de regra, os povos indígenas não estejam ainda “conectados” ao ambiente global virtual, há uma afinidade com o debate sobre o processo de transformação cultural pautado pela revolução tecnológica. Ambos têm como princípio de sobrevivência a circulação de conhecimento através de formas colaborativas de produção e de controle social difuso. Porém, em esferas e sob marcos jurídicos diferentes. O desafio de implementação dos princípios da Convenção da Unesco no Brasil passa, portanto, em se criar políticas públicas culturais capazes de abranger a perspectiva dos diferentes povos que contribuem para a construção do cenário cultural brasileiro.

Por tudo isso, vale a pena ler o que disse Gilberto Gil:

- “Espero que o princípio de complementaridade entre cultura e natureza, que nos ensina a mais alta tecnologia dos povos indígenas, seja obedecido aqui por nós, em nossas conversas e nas políticas que estamos formulando. Diversidade cultural como origem da América, como fundamento e condição perene”.

- “Há cerca de quinze anos, finada a guerra fria, falava-se da perda da importância dos Estados na formulação de políticas para o desenvolvimento. Dizia-se que as forças auto-reguladoras do mercado poderiam promover pluralidade, liberdade e diversidade em nome do interesse público e do desenvolvimento social. Esse discurso hegemônico não durou muito, mas causou grandes danos às instituições culturais”.

- "Línguas, saberes tradicionais e crenças são recursos não renováveis depois de extintos, sistemas complexos que não são renovados por novas plantações. Não há como isolar princípios ativos ou genes que sejam capazes de reviver, no futuro, em procedimentos sintéticos e laboratoriais, a riqueza viva de construções semânticas e simbólicas. Assim como expulsar populações com complexos turísticos e fazer de vilas e centros históricos territórios de uso restritivo e de exploração econômica, tudo isso cria ciclos não reversíveis de degradação dos valores culturais. Essas populações não voltam a viver da forma como viviam depois da febre passada, suas construções e técnicas tradicionais herdadas de gerações dão lugar à precariedade habitacional das favelas”.

- “Não há como falar mais em um modelo de Estado apenas, nem de um modelo único de democracia, ou de qualquer outro regime político. Devemos aceitar que a diversidade cultural também exige modelos de instituições, legislações e práticas políticas diferenciadas”.

- (Devemos) ampliar o emprego do termo tecnologia, incorporar ao reconhecimento dos conhecimentos tradicionais a sua consideração como tecnologias fundamentais para os povos tradicionais, para os povos indígenas, mas também para as demais coletividades que são formadas por contribuições significativas dessas culturas. Agregar a preservação da imaterialidade dos saberes e a concessão de propriedade aos povos que a originaram, garantindo seus interesses econômicos e políticos. (...) Pois os Estados têm uma enorme dívida para com as populações indígenas do continente, bem como face aos quadros ecológicos e os recursos bióticos que constituem o contexto de exercício e reprodução das culturas e nações indígenas. Culturas formadoras de nossas identidades e que possuem uma grande sofisticação simbólica, arquitetônica e estética por tudo isso devem ser reconhecidas formalmente pelas nossas instituições culturais e jurídicas. (...) Essas populações — isoladas, em contato ou integradas — precisam ter a autonomia e o direito à auto-determinação e à liberdade de serem índios ou de se relacionarem em diversos níveis com a pós-modernidade ocidental. Aos povos indígenas não cabe mais a velha escolha oferecida pela modernidade ocidental, a opção unilateral da instrumentalização pela integração na economia ou a supressão total. É preciso, neste sentido, inverter a falsa hierarquia dos conhecimentos e saberes tradicionais, até hoje sem o mesmo reconhecimento dos saberes bacharelescos e universitários. Uma política de combate ao uso ilícito, não autorizado e com fins comerciais do patrimônio imaterial coletivo, dos saberes e conhecimentos das coletividades. Precisamos constituir uma política universitária do hemisfério americano para o nosso imenso patrimônio etnológico e arqueológico, a memória viva e soterrada da ocupação indígena, e suas múltiplas contribuições realmente originais na organização de nosso vasto território, grande parte dele ainda em estudo e investigação”.
ISA, Bruno Weis e Fernando Mathias.

 
 

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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