13/07/2007 Nas audiências
públicas sobre os impactos ambientais
da usina hidrelétrica de Tijuco Alto,
realizadas nos últimos dias em cinco
cidades do Vale do Ribeira, milhares de pessoas
afirmaram que não querem que o rio
Ribeira seja privatizado para aumentar a produção
de alumínio da CBA e demonstraram
inúmeras falhas no Estudo de Impacto
Ambiental do empreendimento.
As audiências públicas
sobre os impactos da Usina Hidrelétrica
de Tijuco Alto, realizadas entre os dias 6
e 10 deste mês em cinco cidades do Vale
do Ribeira, demonstraram que não vai
ser fácil para a Companhia Brasileira
de Alumínio (CBA) obter as licenças
necessárias para a construção
do polêmico empreendimento.
Ao longo dos eventos nas
cidades de Cerro Azul e Adrianópolis,
no Paraná, e Ribeira, Eldorado e Registro,
em São Paulo, lideranças comunitárias,
promotores públicos, pesquisadores
e representantes de organizações
da sociedade civil protestaram enfaticamente
contra o projeto de hidrelétrica e
conseguiram demonstrar que os Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) apresentado ao Ibama pela
empresa minimizam uma série de conseqüências
negativas para os meios bióticos, físicos
e socioeconômicos da área estudada.
A consistência do EIA também
foi questionada por não incluir em
suas análises os impactos da barragem
para a região do chamado Baixo Ribeira
e o Complexo Esturino Lagunar de Iguape, Cananéia
e Paranaguá.
As audiências públicas
comprovaram também que a maioria da
população do Vale do Ribeira
é contra a inundação
de terras produtivas e a apropriação
privada de seu principal rio – o único
rio não barrado do estado de São
Paulo - para que a CBA, uma das empresas do
grupo Votorantin, do empresário Antonio
Ermírio de Morais, consiga aumentar
sua produção de alumínio.
O ISA, organização integrante
da Campanha Contra Barragens no Ribeira, acompanhou
e participou das audiências, uma etapa
importante para o processo de licenciamento
ambiental do empreendimento, iniciado em 2004.
Caixão com produtos
da roça
O deslocamento das audiências
pelo Vale do Ribeira, da região montanhosa
de Cerro Azul, no Alto Vale do Ribeira, a
Registro, quando o rio já corre em
planíce, permitiu que diversos segmentos
da sociedade regionais pudessem dar o seu
recado. Os agricultores familiares de Cerro
Azul, município que seria mais afetado
pela formação do lago, entraram
em cena com um caixão contendo exemplares
de seus produtos da roça e lembraram
que a CBA já deve à população
local compensações por ter contribuído
com a decadência econômica e a
desarticulação social da região
ao comprar terras ali, nas décadas
de 80 e 90, largando à própria
sorte 228 famílias de meeiros, arrendatários,
parceiros ou posseiros.
O passivo social da CBA
provoca desconfiança na população
rural da região, que reluta em aceitar
deixar suas casas e roças férteis.
“Nas audiências ficou claro que as pessoas
não querem deixar suas propriedades,
ao contrário, querem seguir produzindo
e crescendo”, afirma Raul Silva Telles do
Valle, advogado do ISA. Para a Procuradora
da República Maria Luiza Grabner, que
acompanha o caso de Tijuco Alto desde seu
início, a empresa deveria responder
a esta dívida social antes mesmo do
licenciamento seguir adiante. “Vamos pedir
o diagnostico exato deste problema, calcular
os impactos e elaborar um programa de compensação
e indenização das famílias
prejudicadas, e isso não vai ser algo
condicionante para que façam depois”.
O prefeito de Ribeira, Jonas
Dias Batista, aproveitou a audiência
na cidade para protocolar um documento no
qual faz longos questionamentos ao empreendimento.
“Vejo um verdadeiro caos instalado na cidade
de Ribeira pela falta de infra-estrutura suficiente
a partir de moradias, supermercados, atendimento
na saúde, na educação,
na área social, na segurança.”
Segundo o documento, “o que a hidrelétrica
nos oferece pelo alagamento de terras do município
não nos encanta, pois perderemos grande
parte da excelente área para a agricultura
(...) a única certeza é que
o custo social em todos os seus aspectos e
a qualidade de vida da região será
deteriorado”.
Um dos pontos levantados
pelo prefeito e por muitos dos moradores de
Ribeira foi a inexistência no projeto
da barragem de uma escada de peixes. A ausência
da estrutura pode comprometer a existência
das espécies nativas do rio, como o
cascudo. Os técnicos contratados pela
CBA justificaram a não existência
de escada pelo fato de não haver peixes
migradores no rio. Essa informação,
no entanto, é contrariada pelo próprio
Relatório de Impacto Ambiental (Rima)
de Tijuco Alto, que afirma textualmente que
“o estudo realizado na região concluiu
que a maioria das espécies de peixes
encontradas é composta por espécies
que migram rio acima, para se reproduzirem
especialmente nos afluentes do rio Ribeira”.
Presença quilombola
As comunidades quilombolas
de Eldorado participaram das audiências
ativamente, sabendo que dos quatro reservatórios
projetados para o Ribeira, três inundam
terras de quilombo. Embora Tijuco Alto não
inunde áreas de quilombos, situadas
rio abaixo, ele torna viável economicamente
os demais aproveitamentos hidrelétricos
e traz riscos para a agricultura, pesca e
transporte para essas comunidades. “O rio
Ribeira é nosso maior patrimônio”,
diz o jovem quilombola André Luís,
da comunidade de André Lopes. Ele comemorava
nas audiências a aprovação,
pela Assembléia Legislativa de São
Paulo, na semana passada, o Projeto de Lei
394/2007, que declara o rio Ribeira como Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental do
Estado. O PL agora precisa ser sancionado
pelo governador José Serra para virar
lei.
A enxurrada de questionamentos e protestos
contra o empreendimento seguiu até
Registro, a maior cidade do Vale do Ribeira,
e também contou com manifestações
de ambientalistas, de membros da igreja e
de movimentos sociais, pesquisadores, pescadores,
índios Guarani e estudantes. Do lado
favorável à construção
da barragem, em pequeno número, alguns
políticos, comerciantes e grandes produtores
rurais. Estes defendem a obra por sua suposta
função de conter as cheias do
Ribeira, o que o próprio EIA contesta
ao afirmar que, na região do Baixo
Vale, esse controle, se existente, seria bastante
modesto e teria efeito apenas até o
município de Sete Barras.
Na audiência de Cerro
Azul a eficiência de barragens para
conter as cheias foi duramente contestada.
Um morador da cidade de Juquiá, que
fica às margens do rio homônimo,
também no Vale do Ribeira e no qual
a CBA tem sete represas para geração
hidrelétrica, deu um depoimento emocionado
contando que, à época da construção
das barragens, as promessas eram as mesmas
de agora, “mas não só a vida
do povo não melhorou como as enchentes
continuam acontecendo sempre que chove em
grande quantidade, inclusive na área
urbana do município, apesar das barragens”.
Maria Luiza Grabner, do
Ministério Público Federal,
conta que, ao longo dos anos, a empresa sempre
tentou encontrar um motivo de interesse público
para justificar a obra. “Agora ela fala que
todo o aproveitamento hidrelétrico
é de interesse público. Mas
não é bem assim, pois a manutenção
do patrimônio natural e cultural da
região, os outros usos relacionados
ao rio, como a pesca e a agricultura, também
são de interesse público”, explica
a procuradora. “É nessa comparação
de custos e benefícios que o EIA tem
que ser um instrumento de avaliação
consistente para que o Estado possa decidir
qual interesse público deve prevalecer
e qual deve ceder”.
Um EIA destroçado
Para muitos dos presentes
nas audiências é necessário
avaliar a prática do empreendedor em
outras regiões para se poder avaliar
as promessas feitas para Tijuco Alto. “É
preciso saber, por exemplo, o que aconteceu
nos municípios do Vale do Ribeira nos
quais a CBA ergueu barragens”, lembra o promotor
José Molina. A equipe de procuradores,
promotores e defensores públicos presente
às audiências avaliou que os
estudos de impacto ambiental de Tijuco Alto,
produzidos pela Cnec Engenharia, são
incompletos e contêm inconsistências
suficientes para impedir que seja tomada uma
decisão sobre a viabilidade da obra.
A delimitação
da área de influência do empreendimento,
da região do reservatório projetado
até o encontro do rio Ribeira com a
cidade de Registro, deixou de fora das análises
de impacto um dos principais patrimônios
ambientais da região, o Complexo Estuarino
Lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá.
“Os estudos contêm uma grande lacuna
e vamos pedir a complementação
dos impactos até a foz do rio, incluindo
os previstos para o complexo estuarino, uma
parte importante da região”, avalia
Maria Luiza Grabner, que protocolou junto
ao Ibama pedido de nova audiência pública
no município de Cananéia. O
Instituto de Pesca de São Paulo somou
voz ao MPF ao relatar que muitas espécies
pesqueiras sobem o Ribeira durante seu ciclo
reprodutivo e podem ser afetadas pela mudança
de vazão causada pela barragem.
A redução
da produtividade da pesca artesanal de Iguape
e Cananéia que sustenta mais de 2.500
famílias caiçaras é só
um dos impactos não dimensionados no
estudo de Tijuco Alto. O MPF acumula exemplos
de casos de licenciamento de grandes obras
nos quais a má delimitação
da área de influência de hidrelétricas
e estradas gera uma série de problemas
em cascata. “O EIA de Tijuco Alto tem tantos
problemas metodológicos quanto o próprio
empreendimento tem de polêmico, ainda
por cima por estar projetado para uma região
ambiental e socialmente frágil”, aponta
a procuradora Maria Luiza Grabner.
O advogado Raul Silva Telles
do Valle apontou em sua intervenção
nas audiências outros problemas no EIA.
Apresentou um parecer da Sociedade Brasileira
de Espeleologia (SBE) contestando dados dos
estudos sobre impactos nas cavernas do Alto
Ribeira. O parecer assinado por Emerson Gomes
Pedro, presidente da SBE, afirma entre outras
considerações que os estudos
espeleológicos apresentados não
garantem a estanqueidade do reservatório.
“A barragem está projetada para uma
região de cavernas que não foram
exaustivamente estudadas e que ninguém
sabe dizer ao certo onde começa uma
e termina outra; sem isso não há
segurança suficiente para formar o
reservatório”, afirma Raul.
O advogado do ISA também
contestou a afirmação feita
pela equipe que elaborou os estudos de impactos
ambientais de que não existe agricultura
de beira de rio à jusante da barragem,
antes do município de Eldorado, razão
pela qual não seria necessário
realizar estudos sobre os impactos da mudança
na vazão e na composição
físico-química do rio sobre
essa atividade econômica. Apresentando
uma imagem de satélite com fotos georreferenciadas
de roças na beira do Ribeira, na altura
do quilombo de Praia Grande, entre Iporanga
e Eldorado, a pouco mais de 60 km da barragem,
Raul demonstrou que a informação
está equivocada.
Na ocasião, o quilombola
João Paulo, representante da comunidade
de Praia Grande, confirmou publicamente que
há muitas roças na beira do
rio que dependem das pequenas cheias do Ribeira,
não só na sua comunidade como
em outras situadas rio acima, e convidou a
equipe da Cnec para visitar as áreas.
“O EIA também conclui que não
haveria impacto na pesca e segurança
alimentar dos ribeirinhos pois segundo levantamento
eles se alimentam com peixe em média
três vezes por semana, o que seria pouco!”,
ressalta Raul.
Um rio de impactos
Como o Ibama está
em greve, a equipe técnica do órgão
que vem analisando o processo, e que emitirá
os pareces que fundamentarão a decisão
sobre a emissão ou não da licença
ambiental, não compareceu às
audiências. Mesmo assim o diretor de
licenciamento ambiental do Ibama, Valter Muchagata,
que coordenou parte das audiências,
diz que a realização dos eventos
foi válida. “Existem pontos relevantes
levantados aqui e já considero a necessidade
de realizarmos vistorias nas áreas
mais próximas ao local do empreendimento”.
Para Raul do Valle, não
faltam motivos para que o Ibama não
conceda a licença para a barragem.
“Como qualquer empreendimento desse porte,
ele traz riscos de várias ordens. Há
risco de contaminação do reservatório
por metais pesados, de perda de qualidade
da água, de impactos sobre as comunidades
ribeirinhas rio abaixo, pela alteração
nos ciclos naturais e pela eventual liberação
de ondas de cheias, da própria segurança
do reservatório por se localizar numa
região dominada por cavernas. Por que
as pessoas da região devem assumir
esses riscos para que a CBA aumente sua produção
de alumínio? Qual o benefício
que fica para elas e para o País?”,
questiona o advogado. “A população
do vale disse claramente nas audiências
que não quer a destruição
do rio. Falta agora a sociedade brasileira
decidir se está disposta a colocar
seu patrimônio ambiental em risco para
a prosperidade de uma empresa”.
Uma lei em boa hora
A luta contra as barragens
no Ribeira é uma luta contra um modelo
de desenvolvimento que não vê
limite, acredita o deputado estadual Raul
Marcelo (PSOL), autor do Projeto de Lei 394/2007,
que declara o rio Ribeira como Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental do
Estado. “O projeto é importante para
preservar o Vale do Ribeira, que está
para os paulistas como a Amazônia está
para os brasileiros” compara o deputado. O
PL, aprovado do dia 28 de junho, seguiu para
avaliação do governador José
Serra.
Raul Marcelo espera uma
pressão duríssima dentro do
governo para que Serra não sancione
o projeto. “Será feita por setores
econômicos que não querem pagar
a conta de seus passivos ambientais, então
precisamos fazer a contrapressão, com
todos os que se importam com o meio ambiente
enviando cartas e e-mails à Casa Civil,
Secretaria de Meio Ambiente e ao próprio
governador, escrevendo para os jornais etc”,
pede Raul Marcelo. “A preservação
do rio é fundamental para a gente seguir
com o Vale do Ribeira inteiro preservado,
gerando serviços ambientais e benefícios
para a população regional e
de todo o Estado”.
ISA, Bruno Weis.