29 de Julho de 2007 - Pedro
Biondi - Enviado especial* - Pedro Biondi/Abr
- Aldeia Ipatse (Parque Indígena do
Xingu) - O presidente
da Funai, Márcio Meira (de vermelho),
entre os caciques Afukaká, do povo
Kuikuro, e Aritana, do povo Yaualapiti.
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu)
- Para o presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Márcio
Meira, o Brasil não pode pensar no
agronegócio como a solução
para tudo. Ele avalia como possível
e necessária a implantação
de um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico,
que leve em conta o fato de que os recursos
naturais não são infinitos.
Diz que o Brasil precisa dar esse exemplo
para o mundo, e que os índios terão
um papel importante nisso.
Meira falou à Agência
Brasil no último fim de semana, em
que houve comemoração na Aldeia
Ipatse, do povo Kuikuro. Ele defende a possibilidade
de compatibilizar grandes projetos de infra-estrutura
na Amazônia, como os que estão
previstos no Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), com esse novo modelo.
Agência Brasil: O
senhor esteve reunido hoje com líderes
do Xingu. Que assuntos vocês discutiram?
Márcio Meira: Foi uma reunião
geral com todos os caciques do Alto Xingu.
De cortesia. Vi todo mundo, eles me viram,
primeira conversa geral. Estou na Funai há
pouco tempo [ele assumiu o cargo em março],
foi uma conversa muito mais de apresentação.
Houve três pontos principais: a proteção
das terras indígenas, a proteção
da cultura e o fortalecimento da Funai. Foi
também uma vinda de celebração,
que os povos estão fazendo para inaugurar
um centro cultural que eles pretendem que
seja um espaço de inventário
e registro das suas tradições
culturais usando metodologia e tecnologia
dos brancos, sistema de audiovisual. Isso
se juntou à apresentação
dos programas sobre o Alto Xingu feitos pelo
Washington Novaes. É uma celebração
desse esforço que a sociedade xinguana
está fazendo de preservar sua cultura,
suas tradições. Isso é
muito importante.
ABr: O senhor tinha estado,
recentemente, no Xingu?
Meira: Faz uns três meses, estive na
Terra Indígena Kayapó [mais
ao norte, no sul do Pará].
ABr: A Radiobrás
acompanhou, há um ano, uma operação
para tirar grileiros de lá. Como está
a situação agora?
Meira: Depois daquela operação,
acalmou. Mas aqui sempre tem um risco, é
uma zona de pressão externa, né?
Todas as terras que constituem esse conjunto
banhado pelo Rio Xingu estão no Arco
do Desmatamento. Frente pioneira [nova área
de ocupação humana], soja, pecuária...
Tem que ser bem fiscalizada, vigiada. Pode
ter a qualquer momento alguém querendo
entrar em terra indígena.
ABr: Com relação
ao Parque Indígena do Xingu, o Washington
Novaes usa, no documentário exibido,
a expressão “abraço da morte”
para falar da pressão do entorno, principalmente
para plantio de soja e formação
de pastos. A soja teve a maior produção
da história, segundo o IBGE, e pode
receber mais um impulso com o avanço
do biodiesel. A Funai considera a situação
preocupante?
Meira: Os rios que desembocam no Xingu, os
formadores, como o Kuluene, nascem fora do
parque. Dentro tem a floresta, tem o cerrado,
as águas protegidas. É importante
a gente ter a preocupação de
salvaguardar os formadores, as florestas ciliares
[que margeiam os cursos d’água]. Na
expansão agrícola no Centro-Oeste,
num primeiro momento sobretudo, acho que houve
pouca conscientização sobre
a destruição das matas ciliares
e a poluição dos rios formadores
do Xingu. A maior preocupação
que a gente tem é essa. O país
precisa de desenvolvimento, precisa de crescimento,
precisa de energia – o biodiesel no caso –,
mas como fazer isso sem prejudicar os direitos
dos povos indígenas e o meio ambiente?
É harmonizar a necessidade de desenvolvimento
com a proteção da diversidade
cultural indígena e da biodiversidade.
Essa é a equação que
a gente tem que trabalhar.
ABr: Tem efeito a conscientização
dos fazendeiros para preservar as nascentes
ou a ampliação do parque, reivindicada
por líderes indígenas, é
uma idéia a se avaliar a médio
prazo?
Meira: Sempre a gente deve investir na conscientização
de todos os atores envolvidos na questão
ambiental. Tem que pensar nos fazendeiros,
nos políticos, na representação
política do Mato Grosso – afinal, é
no estado que se concentra a maior parte do
Xingu. E todos eles têm que ter consciência
de que a gente não pode ter desenvolvimento
a qualquer custo, de qualquer jeito. Isso
ajudará o parque. Há uma reivindicação
de lideranças de que os limites do
parque sejam revistos, porque eles foram estabelecidos
há muito tempo e precisariam ser ampliados,
haveria problema de definição
desses limites. Essa é uma atribuição
e uma obrigação constitucional
da Funai, estamos examinando, vamos fazer
isso sempre que os índios colocarem
isso, com o cuidado de primar sempre pelo
bom senso e pelo resguardo dos direitos indígenas.
ABr: E num horizonte mais
amplo?
Meira: A médio e longo prazo, acho
que o mais importante é a mudança
de paradigma sobre o que é o crescimento
econômico e o desenvolvimento, sobretudo
do ponto de vista do agronegócio. O
agronegócio é importante para
o país, mas não pode ser visto
como uma panacéia [solução
para todos os problemas]. O Brasil não
vai viver só do agronegócio.
Precisamos pensar o futuro do Brasil de uma
outra forma. Os recursos naturais são
finitos. Portanto, no século 21 a gente
precisa pensar melhor sobre os cuidados que
vai ter nas nossas políticas, compatibilizando
o crescimento e a biodiversidade e a diversidade
cultural. A questão é que não
há um modelo. Os Estados Unidos destruíram
tudo no século 19. Os outros países
grandes terminaram as frentes pioneiras. Só
Brasil tem ainda terras, como na Amazônia,
principalmente, onde acontece uma ocupação
com o perfil da que acontecia, por exemplo,
no século 19.
O futuro para os nossos
filhos e netos não pode repetir o modelo
aplicado nesses outros países. Tem
que ter desenvolvimento econômico, social,
político, mas preservando nossos recursos.
Até por que o mundo tem cada vez mais
consciência de que eles são fundamentais.
Você vê o aquecimento global.
Os dados são muito evidentes. Os índios
são os maiores protetores das florestas
brasileiras. Vinte e três por cento
da Amazônia Legal estão em terras
indígenas. Treze por cento do território
nacional. Você só tem cerrado
hoje na faixa sul da Amazônia graças
às terras indígenas. Na questão
da mudança climática eles são
protagonistas da salvaguarda desse patrimônio,
que é um patrimônio incalculável
em termos do que significa para o futuro do
planeta.
ABr: Existem várias
hidrelétricas projetadas para a Amazônia.
Esses e outros grandes projetos podem ser
conciliados com um novo modelo de desenvolvimento?
É possível olhar a Amazônia
como a nova fronteira da geração
elétrica e promover o desenvolvimento
sustentável da região?
Meira: A gente precisa acreditar que é
possível, porque o país precisa
da produção de energia, e a
matriz energética [o conjunto de fontes]
precisa ser ampliada. A gente precisa ampliar
as outras matrizes energéticas não
poluentes, como a de biocombustíveis,
a eólica [dos ventos]. Agora, a de
hidroeletricidade é uma das limpas.
Até mesmo a nuclear, que o Brasil utiliza
também. Temos, então, que fazer
com que essa pluralidade garanta a energia
de que o país precisa, mas com o menor
impacto possível. E para isso usar
o máximo possível as pesquisas
científicas e tecnológicas.
O Brasil precisa da o exemplo, demonstrar
que isso é possível, essa possibilidade
de conciliação no planeta. É
o país megadiverso do planeta do ponto
de vista biológico e do cultural. Acho
que é possível conciliar, e
que os índios tenham seus direitos
constitucionais absolutamente resguardados
em relação aos impactos desses
empreendimentos, no que diz respeito a sua
qualidade de vida.
ABr: Isso vale para a hidrelétrica
de Belo Monte, que o governo quer construir
no Baixo Xingu?
Meira: Já respondi quando falei sobre
os empreendimentos em geral. É o mesmo
conceito, a mesma visão, de compatibilizar
o desenvolvimento com o respeito aos povos
indígenas e ao meio ambiente.
*O repórter viajou a convite da TV
Cultura.