Ação movida
pelo Ministério Público Federal
consegue a paralisação imediata
do licenciamento das atividades para criação
de camarões no Complexo dos Abrolhos
Salvador/BA, 23 de julho
de 2007 — Em decisão tomada no último
dia 12, o juiz federal Ailton Schramm de Rocha,
da subseção judiciária
de Eunápolis (BA), concedeu uma liminar
suspendendo a continuidade do processo de
licenciamento da atividade de carcinicultura
em Caravelas (BA). O empreendimento em questão
pertence à Cooperativa de Criadores
de Camarões de Extremo Sul da Bahia
(Coopex), que pretende ocupar, com a maior
criação de camarões em
cativeiro do país, 1500 hectares de
uma área de manguezais, restingas,
lagoas costeiras e nascentes, considerados
Áreas de Preservação
Permanente. A iniciativa contempla a região
com a maior biodiversidade marinha do Atlântico
Sul - o Complexo dos Abrolhos - e tem sido
fortemente combatida por ambientalistas, pesquisadores
e comunidades ribeirinhas.
A ação civil
pública foi movida pelo Ministério
Público Federal em maio do ano passado,
logo após o Conselho Estadual de Meio
Ambiente da Bahia (CEPRAM) ter aprovado a
licença de localização
do projeto da Coopex. Alegando o princípio
da precaução, ou seja, no intuito
de evitar a degradação ambiental
decorrente da carcinicultura, e amparado no
fato de que a atividade implica em exploração
de zona costeira, portanto de domínio
da União, o juiz Ailton Rocha atribuiu
ao Ibama a competência pelo licenciamento
e determinou, assim, a paralisação
imediata do processo conduzido pelos órgãos
estaduais. A liminar foi concedida em parte,
uma vez que indeferiu a suspensão da
licença já concedida pelo estado
da Bahia, bem como a fixação
de multa diária pelo não-cumprimento
da determinação judicial. A
autora da ação, a procuradora
da República Fernanda Oliveira, comemora
a decisão do juiz. “A suspensão
do licenciamento significou um ganho, embora
ainda provisório. Eu estava esperando
ansiosamente e torcia para que ela fosse favorável,
com a concessão da liminar. O Parque
de Abrolhos tem uma importância ambiental
muito grande, pois abriga um alto número
de espécies e uma enorme riqueza em
termos de biodiversidade. Portanto, qualquer
empreendimento que possa vir a causar um impacto
ambiental significativo naquela região,
deve ser visto com cuidado e atenção
dobrados”, afirma.
Para Marcello Lourenço,
chefe do Parque Nacional Marinho (Parnam)
dos Abrolhos, esta decisão judicial
é uma grande vitória para o
movimento ambientalista. Ele lembra que, há
pouco mais de um mês, houve a anulação
da zona de amortecimento do Parnam, o que
significou um grande retrocesso nas políticas
sócio-ambientais da região dos
Abrolhos. “A suspensão do licenciamento
da Coopex traz de volta a confiança
e a esperança de que é possível
construirmos um futuro para a região
que concilie conservação da
biodiversidade e desenvolvimento sustentável.
Sabemos que as experiências com a carcinicultura,
no país e no exterior, mostram que
a atividade não é sustentável
do ponto de vista social e ambiental”. A região
visada para o empreendimento é reconhecida
como o principal estuário do Complexo
dos Abrolhos e foi considerada, em 2002, como
de Extrema Importância Biológica
pelo Ministério do Meio Ambiente.
Segundo levantamento realizado
pelo Ibama, pesquisadores da UERJ e da ONG
Conservação Internacional (CI-Brasil),
na área de influência da fazenda
de camarão proposta pela Coopex vivem
1.372 pessoas, em mais de 300 famílias,
que dependem diretamente de atividades extrativistas
voltadas à mariscagem, agricultura
familiar e pesca para sobreviver. Na região
dos Abrolhos, cerca de 20 mil pessoas vivem
da pesca artesanal e dependem da qualidade
ambiental dos estuários da região.
Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia,
informa que está prevista, para a mesma
área do empreendimento, a criação
da Reserva Extrativista do Cassurubá,
uma antiga demanda das comunidades locais.
“Esta unidade de conservação
(UC) integra um pacote de UCs para o sul da
Bahia que já encontram-se na ‘boca
do forno’, aguardando apenas o decreto do
governo federal. Todas as medidas legais,
incluindo a realização de estudos
técnicos completos e quatro consultas
públicas, já foram tomadas”.
Impactos sócio-ambientais
- De acordo com dados do relatório
do Grupo de Trabalho sobre Carcinicultura,
da Comissão de impacto de meio ambiente
e desenvolvimento sustentável da Câmara
dos Deputados, de 2005, os impactos gerados
pela atividade incluem danos aos ecossistemas
e prejuízos sociais. A modificação
do fluxo das marés, a extinção
de habitats de numerosas espécies,
a disseminação de doenças
entre crustáceos e a contaminação
da água estão entre os efeitos
ambientais identificados. “Os ecossistemas
de Abrolhos são frágeis, e dependem
diretamente da saúde e integridade
dos manguezais existentes entre os municípios
de Caravelas e Nova Viçosa. Um empreendimento
como o da Coopex funcionaria de modo inverso
a um filtro captando, diariamente, 880 mil
m3 de água limpa e repleta de larvas
de peixes e mariscos, e devolvendo água
carregada de matéria orgânica
e produtos químicos”, afirma Eduardo
Camargo, coordenador do Instituto Baleia Jubarte.
Existe ainda um alto risco
de introdução de uma espécie
exótica de camarão (espécie-alvo
da carcinicultura), proveniente das águas
do Oceano Pacífico, nos manguezais
onde existem hoje camarões e outros
recursos pesqueiros. O relatório também
revela que com o estabelecimento das fazendas
de camarão, o desaparecimento de espécies,
a proibição de acesso às
áreas de coleta de mariscos e a expulsão
de pescadores acarretam conflitos de terra
e empobrecimento das populações
tradicionais. “As autoridades não podem
permitir que este quadro se repita na região
dos Abrolhos”, enfatiza Paulo Beckenkamp,
da ONG ECOMAR, que atua em Caravelas. Ele
explica que esse manguezal é considerado
o berçário da vida marinha em
Abrolhos. “É lá que muitas espécies
passam as fases iniciais da vida e se reproduzem,
inclusive algumas ameaçadas de extinção.
Este manguezal é habitat para diferentes
tipos de crustáceos, como camarões,
caranguejos, siris e guaiamuns. Aves marinhas
também utilizam o mangue para repouso
e alimentação, como o trinta-réis-real,
considerado vulnerável à extinção
pelo Ibama. Por isso, qualquer alteração
nesse ambiente implica em efeitos em cascata
por todo o ecossistema costeiro e marinho
da região dos Abrolhos”.
Histórico do emprendimento
– A audiência pública sobre o
empreendimento ocorreu no dia 10 de novembro
de 2005, em Caravelas (BA), e contou com a
participação de cerca de 500
pessoas. O projeto gerou polêmica e
a discussão durou mais de oito horas.
Os temas mais questionados foram geração
de empregos, poluição, uso de
produtos químicos, impactos para os
recursos pesqueiros e possibilidade de contaminação
do lençol freático. Na ocasião,
foi apresentado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório
de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Coopex.
O EIA/RIMA foi considerado inconsistente por
organizações ambientalistas
e cerca de 30 pesquisadores, que sob a coordenação
da CI-Brasil, produziram um parecer independente.
“O parecer traz uma série de questionamentos
sobre o projeto, apresenta detalhadamente
os pontos fracos e contraditórios do
EIA que a Coopex apresentou ao CRA, e recomenda
sua desqualificação e a negativa
da licença para o empreendimento”,
aponta Guilherme Dutra, um dos organizadores
do documento.
Por conta das inconsistências
no processo de licenciamento, o Ministério
Público do Estado da Bahia entrou com
uma Ação Civil Pública,
solicitando a suspensão do processo
de licenciamento. Em março de 2006,
o juiz da comarca de Caravelas determinou,
através de uma liminar, a suspensão
de todas as fases do processo de licenciamento
ambiental do empreendimento de carcinicultura
da Coopex. Em 18 de abril de 2006, entretanto,
a liminar foi cassada pelo Tribunal de Justiça
do Estado, e o projeto voltou à pauta
do CEPRAM. Em 19 de maio de 2006, o CEPRAM
aprovou a licença de localização
do projeto da Coopex, em que pese o voto contrário
dos conselheiros representantes de entidades
ambientalistas e com uma manifestação
contrária também do Ministério
Público Estadual. Em 29 de maio, o
Ministério Público Federal em
Ilhéus ajuíza ação
civil pública requerendo à Vara
Única da Justiça Federal de
Eunápolis concessão de liminar
para suspensão de licenciamento de
atividade de carcinicultura no município
de Caravelas. Na ação civil
pública, a procuradora da República
Fernanda Oliveira pede ainda que o Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis
(Ibama) assuma o licenciamento, adotando as
medidas necessárias para a correção
das irregularidades e que as licenças
já concedidas pelo Estado sejam canceladas.
A Coalizão SOS Abrolhos
é uma rede de organizações
do Terceiro Setor mobilizadas para proteger
a região com a maior biodiversidade
marinha registrada no Atlântico Sul.
A Coalizão SOS Abrolhos surgiu em 2003,
ano em que conquistou uma vitória inédita
para a conservação, ao impedir
a exploração de petróleo
e gás natural naquela área.
Atualmente a Coalizão está à
frente da Campanha "SOS Abrolhos: Pescadores
e Manguezais Ameaçados". A Coalizão
é formada pela Rede de ONGs da Mata
Atlântica; Fundação SOS
Mata Atlântica; Conservação
Internacional (CI-Brasil); Instituto Terramar;
Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá;
Instituto Baleia Jubarte; Environmental Justice
Foundation – EJF; Patrulha Ecológica;
Associação de Estudos Costeiros
e Marinhos de Abrolhos - ECOMAR; Núcleo
de Estudos em Manguezais da UERJ; Movimento
Cultural Arte Manha; Centro de Defesa dos
Direitos Humanos de Teixeira de Freitas; Mangrove
Action Project – MAP; Coalizão Internacional
da Vida Silvestre - IWC/BRASIL; Aquasis –
Associação de Pesquisa e Preservação
de Ecossistemas Aquáticos; Agência
Brasileira de Gerenciamento Costeiro; Centro
de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento
do Extremo Sul da Bahia – CEPEDES; PANGEA
- Centro de Estudos Sócio Ambientais,
Instituto BiomaBrasil e Associação
Flora Brasil.