23 de Julho de 2007 - Pedro
Biondi - Enviado especial* - Pedro Biondi
- Aldeia Ipatse (Parque Indígena do
Xingu) - Índios da aldeia e
convidados participam da inauguração
do Centro de Documentação Kuikuro
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu)
- O Xingu de hoje e o Xingu de ontem – mais
precisamente, de duas décadas atrás
– puderam ser conferidos em sessão
audiovisual no último sábado
(21) na principal aldeia dos Kuikuro.
Os cerca de 300 habitantes
da aldeia e os convidados assistiram ao primeiro
episódio da série de documentários
Xingu – A Terra Ameaçada, do jornalista
Washington Novaes, que já havia retratado
a região em uma série de documentários
veiculada em 1985. Também foi exibido
DVD com dois dos trabalhos artísticos
do Coletivo Kuikuro de Cinema, formado por
jovens da aldeia.
Em seu vídeo, com
veiculação prevista para domingo
(29) na TV Cultura de São Paulo, Novaes
retrata as mudanças por que passaram
os quatro povos – Kuikuro, Mentuktire, Panará
e Waurá – visitados nas gravações
da série original, Xingu – A Terra
Mágica.
Mostra a chegada da TV,
das motos, dos tratores e dos poços
artesianos. Contrapõe, também,
o Kuarup de 2006 ao que havia presenciado
em 1984. Na edição do ano passado,
a festa de celebração dos mortos
teve presença maciça de jornalistas,
turistas e até lutadores trazidos pela
rede pública britânica BBC para
enfrentar os guerreiros locais na luta huka-huka.
O chefe Aritana, um dos
líderes dos Yaualapiti, prestigiou
o evento audiovisual na aldeia amiga. Ele
aparece lutando no vídeo da década
de 80. “Quando ele [Novaes] voltou, mostrou,
muita coisa está sendo deixada de lado”,
aponta, em entrevista à Agência
Brasil. “A rapaziada não está
mais apresentando sua homenagem. Estão
um pouco assim vergonhando. Essa [exibição]
que ele filmou agora, bem diferente. Meu olho,
né? Veja essa diferença.”
O jornalista conta o que
constatou: “Eles ainda têm aquele tempo
que escorre mais devagar, mas com muitas transformações”.
Em várias aldeias, diz, quase todas
as casas têm antena parabólica,
e quando têm combustível para
o gerador os moradores vêem Jornal Nacional,
novela, jogo de futebol... Além disso,
acrescenta, os jovens gostam de dançar
forró e de jogar bola.
“Mas talvez a transformação
mais profunda seja que não havia dinheiro
nas aldeias, não tinha monetarização
na cultura”, comenta Washington Novaes. Para
ter as tecnologias e produtos dos brancos,
foi preciso produzir dinheiro – fazendo apresentações
fora, recebendo direitos de filmagem ou vendendo
adornos.
“Os velhos dizem que os
jovens não querem mais viver do modo
tradicional. Querem passar o tempo inteiro
fazendo artesanato, e não vão,
por exemplo, cultivar as roças para
produzir comida. E não querem aprender
os cantos, as danças relacionadas ao
mundo dos espíritos”, observa. Ele
lembra também que, agora, muitos velhos
recebem aposentadoria.
Nas produções
exibidas, os cineastas kuikuro mesclam narrativas
tradicionais, humor, ficção
e referências a pessoas da comunidade.
Imbé Gikegü – Cheiro de Pequi
explora lenda segundo a qual a fruta passou
a ter o cheiro atual após ser passada
no sexo de uma mulher.
Também segue em tom
ora mítico, ora cotidiano a história
de adultério, com um jacaré,
das duas mulheres do protagonista Maricá
– nome, por sinal, de um dos diretores da
peça audiovisual, filho do chefe Tabata.
Tímidas no contato com os forasteiros,
as mulheres exibem humor ferino na tela, e
a platéia gargalha quando elas se referem
ao órgão sexual masculino. O
curta-metragem foi premiado em festival no
Canadá.
No documentário Nguné
Elü – O Dia em que a Lua Menstruou, resultado
de uma oficina da organização
não-governamental (ONG) Vídeo
nas Aldeias, o foco vai para os rituais no
Ipatse por ocasião de um eclipse. Numa
espécie de “fala-povo”, os Kuikuro
entrevistados procuram lembrar narrativas
sobre a Lua, que tem um lugar central na cosmologia
(concepção de mundo) desses
índios.
A sessão da noite
de sábado, com pipoca, foi a céu
aberto. E ela assistiu a tudo lá do
alto, com sorriso crescente.
*O repórter viajou a convite da TV
Cultura.