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TRAGÉDIA EM KASHIWASAKI: RELATOS DA EQUIPE DO GREENPEACE QUE VISITOU O LOCAL

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2007

23 de Julho de 2007 — “Fiquei chocado com a longa história de manipulações da Tepco, incluindo maquiagem de dados e de mensurações”, relata membro do time

Tudo começou repentinamente na segunda de manhã, quando li as notícias sobre um forte terremoto na região de Niigata, no Japão, que atingiu de forma intensa o local onde se localiza a usina nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, a maior do mundo.

Havia notícias trágicas de várias vítimas, mas muito pouca informação na mídia sobre os impactos do terremoto para a segurança nuclear. No entanto, sabia-se que havia risco imediato de que um vazamento de radioatividade pudesse transformar a catástrofe de algumas famílias em um desastre humanitário de proporções muito maiores. E, o pior de tudo, é que as pessoas em perigo não foram informadas dos riscos reais a que estavam expostas.

A Tepco, a empresa que opera os sete grandes reatores nucleares da usina, afirmou primeiramente que houve apenas um incêndio em um dos transformadores, que não provocara vazamento de radioatividade. Mais tarde, no mesmo dia, a empresa anunciou que cerca de 1,5 litro de água contaminada por radioatividade vazou no mar, e, algumas horas depois, o volume não era mais de um litro, mas mil vezes isso.

Nesse ponto, ficou claro que a situação merecia ser investigada e, eventualmente, seria necessário formar um time de resposta rápida do Greenpeace. Na noite seguinte ajustei meu relógio para o fuso horário do Japão e falei com várias organizações e contatos na região. A principal resposta que ouvi foi que eles também não tinham as informações básicas, mas todos estavam muito preocupados porque o terremoto atingira 6,8 graus na escala Richter, de uma intensidade duas ou três vezes maior daquela que os reatores de Kashiwazaki-Kariwa foram planejados para suportar.

Além disso, as fontes afirmavam que a população local estava muito apreensiva, já que eles não confiavam nas declarações oficiais para manter a calma e temiam um possível vazamento radioativo. Para piorar, as informações da rede de monitoramento oficial desapareceram do site da Tepco e nenhuma outra instituição independente pode vistoriar o local para verificação. (Mais tarde, a companhia afirmou que houve danos em seu servidor, mas se a Tepco não pode garantir a segurança de seus computadores e dados, como pode garantir a de um reator nuclear?).

O que se seguiu foi uma amostra do que existe de melhor no Greenpeace: reunimos um grupo de especialistas dedicados e experientes que, no mesmo minuto, concordaram em embarcar na missão. A preparação de um equipamento especial de medição levou apenas algumas horas.

Graças a isso, no final do segundo dia eu já estava com Rianne Teule indo de avião da Holanda para Tókio, onde encontraríamos Stan, do Reino Unido, e Peter, da Austrália.

Simultaneamente, nosso escritório em Tóquio alugou equipamentos, tradutores, motoristas para registrar a história no próprio local, incluindo serviços básicos que nos permitissem sobreviver numa região onde a maior parte da infra-estrutura não estava funcionando e a circulação também estava limitada pela ruins condições nas estradas e pela polícia. Eles até conseguiram encontrar acomodação na própria cidade de Kashiwazaki, a cerca de 10 km da usina, em um hotel que teve seu fornecimento de água interrompido, porém com uma internet lenta, mas funcionando. Depois de três dias sem tomar banho, com um clima quase tropical, eu descobri, uma noite antes de me encontrar com jornalistas, que três litros de água em garrafa são suficientes para lavar a cabeça e o corpo.

Posso contar muitas histórias sobre a cidade destruída e as casas demolidas ou as crateras e rachaduras nas ruas e em pontes que passamos no caminho para a usina nuclear.

Enquanto nossos especialistas faziam as medições do local, fiz uma visita oficial ao centro de propaganda da Tepco, próximo à entrada da usina (ninguém tinha permissão para entrar na própria usina). Enquanto lá fora anões atômicos sorriam para os visitantes, por dentro havia um cenário caótico, incluindo um grande aquário quebrado.

Depois de alguns minutos, nos pediram para sair alegando que não era seguro ficar no prédio. Funcionários nervosos, portando crachá da Tepco, nos entregaram alguns folhetos coloridos explicando como os reatores eram seguros e bacanas. Acredito que eles ainda passavam por um estresse pós-trauma e tentavam seguir seu padrão de relações públicas sem perceber o quão bizarro isso era naquela situação.

Um dos folhetos era muito interessante – publicado em 1992, afirmava de uma forma muito científica e convincente que o terremoto mais forte que poderia acontecer na região atingiria os 6,5 da escala Richter. No entanto, o terremoto da semana passada atingiu os 6,8, o que significa um terremoto três vezes mais forte do que aquele para o qual os reatores foram planejados, já que a escala é logarítmica.

Enquanto fazíamos uma pesquisa no local e preparávamos um breve relatório, já aguardava uma série de mentiras e manipulação que a indústria nuclear está acostumada a usar em todo o mundo. Mas, na verdade, fiquei chocado com a longa história de manipulações da Tepco, incluindo maquiagem de dados e de mensurações (quando o escândalo veio à tona, em 2002, alegaram-se “correções” e “maneiras alternativas de relatar dados”), além de falsificação direta de protocolos de inspeções de segurança que escondiam sérias rupturas na estrutura central dos reatores.

Acredito que é o mesmo tipo de hábito que leva a correções do tipo “nenhuma radiação – só um litro – mil litros”; e mais ainda deve estar por vir, já que a empresa agora já começa a admitir contaminação do ar. Sim, muitas coisas ainda não foram divulgadas.

Além desta visita surreal à Tepco, o segundo momento inesquecível de nossa missão aconteceu quando nos encontramos com Takemoto-san, um homem que mora na vila de Kariwa, literalmente uma ladeira acima dos reatores. Ele nos mostrou que uma parte da vila teve a maioria das casas destruída, mais da metade delas desabou ou ficou seriamente abalada e a maioria das famílias ficou desabrigada.

Depois de algumas inspeções governamentais porta-a-porta, a casa de Takemoto-san foi classificada como “de acesso limitado”, o que significa que ele não pode permanecer nela, mas pode usá-la como depósito de suas coisas. O senhor Takemoto, que critica há muito tempo a usina, concluiu que o terremoto foi mais forte naquela área e, portanto, atingiu em cheio as instalações nucleares.

Agora estamos no caminho de volta para casa, depois de havermos descoberto que a maior parte dos locais visitados não apresentava radioatividade aumentada – apenas em dois pontos os equipamentos mostraram o dobro do nível radioativo na usina em comparação ao exterior, mas nosso espectrômetro de raios gama mostrou que era devido a isótopos naturais de tório.

Fiquei mais do que feliz ao explicar à população local que não existia um perigo imediato de vazamento de radiação, e que eles poderiam relaxar por enquanto e se preocupar com a reconstrução de suas casas. No entanto, há uma necessidade óbvia para um monitoramento mais profundo e sistemático, já que as estruturas da usina que foram danificadas podem deixar vazar radioatividade nas próximas semanas ou meses.

E sinceramente esperamos que os reatores nunca mais possam ser religados porque isso seria obviamente uma roleta russa.
Jan Beránek
Líder do projeto de Energia Nuclear do Greenpeace Internacional

 
 
 
 
 
 

 

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