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de Julho de 2007 — “Fiquei chocado com a longa
história de manipulações
da Tepco, incluindo maquiagem de dados e de
mensurações”, relata membro
do time
Tudo começou repentinamente
na segunda de manhã, quando li as notícias
sobre um forte terremoto na região
de Niigata, no Japão, que atingiu de
forma intensa o local onde se localiza a usina
nuclear de Kashiwazaki-Kariwa, a maior do
mundo.
Havia notícias trágicas
de várias vítimas, mas muito
pouca informação na mídia
sobre os impactos do terremoto para a segurança
nuclear. No entanto, sabia-se que havia risco
imediato de que um vazamento de radioatividade
pudesse transformar a catástrofe de
algumas famílias em um desastre humanitário
de proporções muito maiores.
E, o pior de tudo, é que as pessoas
em perigo não foram informadas dos
riscos reais a que estavam expostas.
A Tepco, a empresa que opera
os sete grandes reatores nucleares da usina,
afirmou primeiramente que houve apenas um
incêndio em um dos transformadores,
que não provocara vazamento de radioatividade.
Mais tarde, no mesmo dia, a empresa anunciou
que cerca de 1,5 litro de água contaminada
por radioatividade vazou no mar, e, algumas
horas depois, o volume não era mais
de um litro, mas mil vezes isso.
Nesse ponto, ficou claro
que a situação merecia ser investigada
e, eventualmente, seria necessário
formar um time de resposta rápida do
Greenpeace. Na noite seguinte ajustei meu
relógio para o fuso horário
do Japão e falei com várias
organizações e contatos na região.
A principal resposta que ouvi foi que eles
também não tinham as informações
básicas, mas todos estavam muito preocupados
porque o terremoto atingira 6,8 graus na escala
Richter, de uma intensidade duas ou três
vezes maior daquela que os reatores de Kashiwazaki-Kariwa
foram planejados para suportar.
Além disso, as fontes
afirmavam que a população local
estava muito apreensiva, já que eles
não confiavam nas declarações
oficiais para manter a calma e temiam um possível
vazamento radioativo. Para piorar, as informações
da rede de monitoramento oficial desapareceram
do site da Tepco e nenhuma outra instituição
independente pode vistoriar o local para verificação.
(Mais tarde, a companhia afirmou que houve
danos em seu servidor, mas se a Tepco não
pode garantir a segurança de seus computadores
e dados, como pode garantir a de um reator
nuclear?).
O que se seguiu foi uma
amostra do que existe de melhor no Greenpeace:
reunimos um grupo de especialistas dedicados
e experientes que, no mesmo minuto, concordaram
em embarcar na missão. A preparação
de um equipamento especial de medição
levou apenas algumas horas.
Graças a isso, no
final do segundo dia eu já estava com
Rianne Teule indo de avião da Holanda
para Tókio, onde encontraríamos
Stan, do Reino Unido, e Peter, da Austrália.
Simultaneamente, nosso escritório
em Tóquio alugou equipamentos, tradutores,
motoristas para registrar a história
no próprio local, incluindo serviços
básicos que nos permitissem sobreviver
numa região onde a maior parte da infra-estrutura
não estava funcionando e a circulação
também estava limitada pela ruins condições
nas estradas e pela polícia. Eles até
conseguiram encontrar acomodação
na própria cidade de Kashiwazaki, a
cerca de 10 km da usina, em um hotel que teve
seu fornecimento de água interrompido,
porém com uma internet lenta, mas funcionando.
Depois de três dias sem tomar banho,
com um clima quase tropical, eu descobri,
uma noite antes de me encontrar com jornalistas,
que três litros de água em garrafa
são suficientes para lavar a cabeça
e o corpo.
Posso contar muitas histórias
sobre a cidade destruída e as casas
demolidas ou as crateras e rachaduras nas
ruas e em pontes que passamos no caminho para
a usina nuclear.
Enquanto nossos especialistas
faziam as medições do local,
fiz uma visita oficial ao centro de propaganda
da Tepco, próximo à entrada
da usina (ninguém tinha permissão
para entrar na própria usina). Enquanto
lá fora anões atômicos
sorriam para os visitantes, por dentro havia
um cenário caótico, incluindo
um grande aquário quebrado.
Depois de alguns minutos,
nos pediram para sair alegando que não
era seguro ficar no prédio. Funcionários
nervosos, portando crachá da Tepco,
nos entregaram alguns folhetos coloridos explicando
como os reatores eram seguros e bacanas. Acredito
que eles ainda passavam por um estresse pós-trauma
e tentavam seguir seu padrão de relações
públicas sem perceber o quão
bizarro isso era naquela situação.
Um dos folhetos era muito
interessante – publicado em 1992, afirmava
de uma forma muito científica e convincente
que o terremoto mais forte que poderia acontecer
na região atingiria os 6,5 da escala
Richter. No entanto, o terremoto da semana
passada atingiu os 6,8, o que significa um
terremoto três vezes mais forte do que
aquele para o qual os reatores foram planejados,
já que a escala é logarítmica.
Enquanto fazíamos
uma pesquisa no local e preparávamos
um breve relatório, já aguardava
uma série de mentiras e manipulação
que a indústria nuclear está
acostumada a usar em todo o mundo. Mas, na
verdade, fiquei chocado com a longa história
de manipulações da Tepco, incluindo
maquiagem de dados e de mensurações
(quando o escândalo veio à tona,
em 2002, alegaram-se “correções”
e “maneiras alternativas de relatar dados”),
além de falsificação
direta de protocolos de inspeções
de segurança que escondiam sérias
rupturas na estrutura central dos reatores.
Acredito que é o
mesmo tipo de hábito que leva a correções
do tipo “nenhuma radiação –
só um litro – mil litros”; e mais ainda
deve estar por vir, já que a empresa
agora já começa a admitir contaminação
do ar. Sim, muitas coisas ainda não
foram divulgadas.
Além desta visita
surreal à Tepco, o segundo momento
inesquecível de nossa missão
aconteceu quando nos encontramos com Takemoto-san,
um homem que mora na vila de Kariwa, literalmente
uma ladeira acima dos reatores. Ele nos mostrou
que uma parte da vila teve a maioria das casas
destruída, mais da metade delas desabou
ou ficou seriamente abalada e a maioria das
famílias ficou desabrigada.
Depois de algumas inspeções
governamentais porta-a-porta, a casa de Takemoto-san
foi classificada como “de acesso limitado”,
o que significa que ele não pode permanecer
nela, mas pode usá-la como depósito
de suas coisas. O senhor Takemoto, que critica
há muito tempo a usina, concluiu que
o terremoto foi mais forte naquela área
e, portanto, atingiu em cheio as instalações
nucleares.
Agora estamos no caminho
de volta para casa, depois de havermos descoberto
que a maior parte dos locais visitados não
apresentava radioatividade aumentada – apenas
em dois pontos os equipamentos mostraram o
dobro do nível radioativo na usina
em comparação ao exterior, mas
nosso espectrômetro de raios gama mostrou
que era devido a isótopos naturais
de tório.
Fiquei mais do que feliz
ao explicar à população
local que não existia um perigo imediato
de vazamento de radiação, e
que eles poderiam relaxar por enquanto e se
preocupar com a reconstrução
de suas casas. No entanto, há uma necessidade
óbvia para um monitoramento mais profundo
e sistemático, já que as estruturas
da usina que foram danificadas podem deixar
vazar radioatividade nas próximas semanas
ou meses.
E sinceramente esperamos
que os reatores nunca mais possam ser religados
porque isso seria obviamente uma roleta russa.
Jan Beránek
Líder do projeto de Energia Nuclear
do Greenpeace Internacional