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ARQUEÓLOGO REIVINDICA RECONHECIMENTO DE CIVILIZAÇÃO MILENAR NO XINGU

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Agosto de 2007

12 de Agosto de 2007 - Pedro Biondi - Enviado especial* - Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - O arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, afirma que a região do Parque Indígena do Xingu comportou uma sociedade altamente complexa vários séculos atrás.

Heckenberger relata a existência de vestígios seguros de ocupação humana há pelo menos 1.100 anos na região, que corresponderia, grosso modo, ao território atual do parque indígena, de quase 30 mil quilômetros quadrados. Segundo o pesquisador, que trabalha em colaboração com os antropólogos Bruna Franchetto e Carlos Fausto, o auge do que ele chama de Nação Xinguana se deu entre os séculos XIV e XVI.

Ele falou à Agência Brasil no dia da inauguração do Centro de Documentação Kuikuro, 22 de julho, enquanto moradores e visitantes embrulhavam tucunarés e outros peixes moqueados (assados e defumados durante horas) em beiju de mandioca.

Agência Brasil: Quando o senhor teve uma pista mais concreta sobre a dimensão dessa sociedade antiga no Xingu?
Michael Heckenberger: Logo no começo do trabalho. Quando cheguei em 1993, o cacique Afukaká [dos Kuikuro] me levou para ver um sítio antigo, eu esperava um sítio de praça circular relativamente pequeno igual ao de hoje. Mas era muito maior. Tinha muitas obras, muita elaboração. O mesmo formato que o de hoje, uma praça circular com estradas radiais partindo dele, mas era dez ou 15 vezes maior. Onde tinha uma aldeia atual, a gente achou uma rede de 20 sítios ligados por estradas, que tinham até 50 metros de largura.

ABr: Seria algo como a Civilização Marajoara, também amazônica?
Heckenberger: Lá, também, se mostra uma rede regional de assentamentos, obras de aterro, conhecidas como tesos, relativamente grandes. Aqui, no Xingu, não tem tesos, não tem pirâmides, era uma monumentalidade horizontal. Mas em termos de quantidade de pessoas e tecnologia acho que era bem mais complexo. Estou discutindo e até brigando para abrir um espaço de que essa era uma verdadeira civilização, não era obviamente aquele estilo europeu, com prédios grandes e essas coisas, mas em termos de sofisticação era supercomplicado, e tinha bastante gente. Na Europa, na América do Norte, no litoral do Peru esse sistema seria chamado de civilização.

ABr: O que eles tinham em termos de conhecimentos e técnicas?
Heckenberger: O que mais me impressiona é o sistema, vamos dizer, cartográfico. A posição das aldeias, praças, estradas, ligava-se a conhecimento cartográfico, baseava-se em mapeamento, planejamento supersofisticado. Era um sistema ligado a astronomia, com rituais calêndricos. Um mundo que junta cosmologia, política e cartografia, e no qual a Terra é um espelho para o que tem no céu. Um planejamento urbano, até. As estradas sempre na mesma direção, a distância de um sítio a outro praticamente o mesmo, ângulo e distância. Eram também sociedades com lado agrícola bem sofisticado, pesca e manejo bem sofisticado de outros recursos aquáticos, mas não acabaram com as florestas. De lá para cá não mudou muito isso. Eu vim da Alemanha, e vi coisas que me lembram mais de lá que o clássico dos povos de floresta tropical.

ABr: Como era a organização espacial desse sistema?
Heckenberger: Eles eram organizados em conjuntos hierárquicos, com uma ou duas aldeias principais, várias secundárias e cinco a dez sítios-satélites menores, e você passa ao território de outro conjunto. O diâmetro de um conjunto era 20 quilômetros. O normal era ter oito a 12 aldeias num conjunto. Eu os chamo de polities a pari – pare polities. Um conjunto é um polity [comunidade organizada politicamente] e o outro é a pari [por igualdade]. Não era um sistema como o dos Incas ou o de Roma, que tinha um centro e todos os outros conjuntos abaixo. Todos os conjuntos eram iguais, como os caciques de hoje são iguais. Tinham espaço de 250 a 400 quilômetros quadrados cada um.

ABr: Quantos eram no total?
Heckenberger: Pelo menos 20 ou 25, talvez bastante mais, no que eu chamo de Nação Xinguana, que é mais ou menos a área ocupada hoje pelo parque, mas se espalha um pouco mais para o norte. Diminuiu um pouco a área deles durante a época histórica [depois dos registros escritos], por causa de epidemias, da fronteira de colonização. Comparando com as outras civilizações... Por exemplo, as pólis da Grécia eram centenas. Atenas era enorme, Esparta também, mas a maioria das pólis era muito menor, milhares de pessoas num território de 150-200 quilômetros quadrados. Mas ninguém duvida de que a Grécia clássica era uma civilização. Os incas eram uma anomalia, um império, durou 60-70 anos, durante uma pré-história de 10 mil anos. Roma também era anômala. Todos os outros assentamentos na Europa eram do tamanho deste. Eles tinham um centro e uma periferia, aqui era multicêntrico.

ABr: E qual era a área ocupada pela nação inteira?
Heckenberger: Pelo menos 20 mil quilômetros quadrados. E a gente não sabe bem. Eu estou trabalhando na área kuikuro, um bloco de uma nação bem maior.
*O repórter viajou a convite da TV Cultura.

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Sociedades amazônicas abrem um capítulo na história, diz Heckenberger

12 de Agosto de 2007 - Pedro Biondi - Enviado especial* - Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - Neste segundo trecho de sua entrevista à Agência Brasil, o arqueólogo Michael Heckenberger diz que a aceitação da existência de uma sociedade complexa no Xingu há pelo menos 1.100 anos encontra resistência porque forçaria pesquisadores a reverem seus modelos.

“Esse e outros grupos amazônicos estão abrindo um novo capítulo sobre a história humana”, avalia o pesquisador. Ele também destaca traços de continuidade dessa cultura no atual modo de vida xinguano.

Agência Brasil: A existência dessa sociedade vem sendo aceita no meio científico?
Michael Heckenberger: Tem gente que não acredita, de jeito nenhum, que sociedades como essas poderiam sobreviver em floresta tropical. Obviamente, as pessoas não vão abandonar seus modelos de um dia para outro e dizer “a gente estava totalmente errado”. Outros vão se convencendo. Carlos Fausto [antropólogo do Museu Nacional] entrou na área em 1998. Não foi a favor nem contra, entendeu a possibilidade. Mas veio aqui e concordou com o que eu tinha pensado para os grupos atuais: que eles eram hierárquicos, sedentários, regionais, e montou uma etnografia superdetalhada. Nós, e a lingüista Bruna Franchetto, concordamos em quase tudo. E se essa sociedade hoje é sedentária, tem uma cultura, uma vida ritual, social e política complexa, superprodutiva, com manejo de terras sofisticado, e aqueles de ontem, que eram dez vezes maiores?

ABr: Como o atual modo de modo de vida dos xinguanos pode dar indicações sobre essa ocupação antiga?
Heckenberger: Você não precisa inventar as formas econômicas, cosmologia, rituais dessas sociedades. Eles [hoje] já são muito parecidos com muitas sociedades complexas. Têm astronomia, conhecimento de biologia. Só que dá um choque no pessoal [da área científica], porque eles pensam: é um povo muito pequeno. Mas ignorar a porrada demográfica que esses povos levaram durante os últimos séculos é impossível.

ABr: Qual foi o impacto da chegada dos colonizadores sobre essa nação?
Heckenberger: O choque de colonialismo botou eles no chão, [a população] era muito maior. A gente sabe que no Caribe, nos Andes, Mesoamérica, América do Norte – todo lugar onde tem registros documentais escritos – epidemias levaram muita gente. Aconteceu aqui na Amazônia também, mas escondido. Ninguém estava lá para testemunhar. Nesta área, os primeiros registros escritos são de 1884, e aí já era uma fração do que era em 1500.

ABr: Quais foram as descobertas recentes nessa pesquisa?
Heckenberger: A gente sempre encontra algo que mostra um entendimento novo. Nos últimos anos era mais fechar que a gente já sabia existir. Estou terminando o relatório dos últimos quatro anos para entregar aos órgãos federais e às lideranças indígenas, especialmente a Aikax [Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu]. E aí a gente continua com essa campanha de destacar esta sociedade. Mundialmente você não encontra muitas sociedades assim que estão inteiras, vivas. É um patrimônio mundial. Esse e outros grupos amazônicos estão abrindo um novo capítulo sobre a história humana: o das civilizações amazônicas.

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Para documentarista, trabalho audiovisual contorna conflito entre gerações de índios

12 de Agosto de 2007 - Pedro Biondi - Enviado especial* - Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - O documentarista e indigenista Vincent Carelli avalia que o trabalho com recursos audiovisuais com os índios pode ser usado a favor das tradições e contornar o conflito entre gerações nesses povos. Ele dirige, com a mulher, Maria Corrêa, a organização não-governamental (ONG) Vídeo nas Aldeias.

“O audiovisual é perfeito para eles, para um projeto de resistência cultural, para um discurso tradicionalista”, diz. “Permite uma apropriação direta e é importante também para a preservação da língua. A escrita exclui os mais velhos. As novas gerações aprendem a ler e escrever, matemática, uso de dinheiro, e isso cria uma ruptura de autoridade.”

Carelli falou à Agência Brasil na Aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no Parque Indígena do Xingu, em 21 de julho. Ali, a Vídeo nas Aldeias desenvolve trabalho em parceria com o projeto Documenta Kuikuro, coordenado pelos antropólogos Carlos Fausto e Bruna Franchetto, e com o Coletivo Kuikuro de Cinema. Eles procuraram a entidade em busca de assessoria técnica.

Vincent Carelli descarta o risco de o acesso a essas tecnologias acelerar as transformações no modo de viver dessas etnias e acentuar o descompasso entre jovens e velhos, apontado pelo jornalista Washington Novaes como um dos principais focos de tensão no Xingu.

“É um processo arrasador, um rolo compressor, e não depende da gente, que é uma gota num oceano”, opina Carelli. “Começou uns dez anos atrás, com parabólica... Hoje, se tem luz, tem televisão. As lideranças se queixam, mas também gostam de TV. É um processo histórico sobre o qual ninguém tem controle.”

O documentarista aponta um processo de “autofolclorização”, que estaria em curso em muitos lugares. Para ele, isso resulta da cobrança de não-índios e até de outros índios por uma caracterização: “As pessoas querem ver o índio pelado, projetam um imaginário no qual ele precisa se encaixar. Isso não tira dos indígenas o direito de uma reparação pelo que passaram, de um reconhecimento. As pessoas precisam de um pouco mais de informação sobre a história do Brasil.”

Carelli conta que, quando a ONG começou seu trabalho, há 20 anos, a prática era basicamente colocar a câmera a serviço de um registro coordenado por líderes indígenas preocupados com a perda dos cantos e danças tradicionais, com atenção também às reações desencadeadas. E que, com a chegada de Mari Corrêa, a formação de realizadores indígenas ganhou prioridade também. “Ela veio da França com a experiência de uma escola de cinema fundada pelo Jean Rouch [referência do cinema etnográfico], que tinha um processo de aprendizagem coletiva, e aí a gente deu uma virada no projeto”, diz.

Corrêa conta que a intenção agora é experimentar um trabalho com técnicas de animação. “A linguagem de documentário é limitada para alguns temas de histórias que eles têm muita vontade de contar, e até a de ficção, porque precisaria de meios muito grandes”, observa. “Animação é uma linguagem boa para tratar, por exemplo, de mitos, em que animais se transformam em gente e vice-versa.” A seu ver, essa opção pode até ampliar a participação da comunidade, envolvendo crianças e velhos.

 
 

Fonte: Agência Brasil - Radiobras (www.radiobras.gov.br)

 
 
 
 

 

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