12 de Agosto de 2007 - Pedro
Biondi - Enviado especial* - Pedro Biondi/ABr
- Mato Grosso - Trecho de mata em área
de plantio de algodão no noroeste do
estado, próximo à região
do Parque Indígena do Xingu.
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu)
- Sobrevoando a região do Parque Indígena
do Xingu em um monomotor rumo ao oeste, constata-se
que o agronegócio está mesmo
ali, 6 minutinhos pelo ar, ou menos de 30
quilômetros para além do parque,
de acordo com a percepção do
piloto que conduz os repórteres ao
município mato-grossense de Sinop.
O tapete verde da área
indígena dá lugar, então,
a amplos quadrados e retângulos beges,
marrons, vermelhos ou verdes claros, com retalhos
verde-escuro de mata aqui e ali. Talvez por
ironia, as linhas que os tratores escavam
e os arados riscam muitas vezes lembram as
pinturas corporais com jenipapo e urucum e
as tapeçarias de buriti e algodão
dos povos indígenas.
Ou a escarificação
feita com um pente de dentes de peixe-cachorro,
com o qual os alto-xinguanos preparam os jovens
em reclusão no programa de fortalecimento
para lutar o huka-huka numa das festas desses
povos.
Os desenhos mecanizados
significam dinheiro para o país: no
ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB)
do agronegócio – isto é, a soma
das riquezas produzidas no setor – foi de
R$ 540,06 bilhões, segundo estudo da
Confederação da Agricultura
e da Pecuária (CNA).
Significam também
obtenção de divisas, isto é,
entrada de moeda estrangeira. Segundo os dados
do governo federal, o agronegócio respondeu
por 93% do superávit (saldo positivo)
comercial brasileiro em 2006, que totalizou
US$ 46 bilhões. Os setores que mais
colaboraram para isso foram os ligados à
soja, com saldo de US$ 9,37 bilhões.
O Mato Grosso responde por
mais de um quarto da produção
nacional do grão, que registrou safra
recorde este ano, apesar da redução
na área plantada. O Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) prevê
expansão da sojicultura na próxima
safra no estado, usando principalmente áreas
que já têm ocupação
humana.
O Instituto Socioambiental
(ISA) identifica risco para a floresta amazônica
e para o Xingu nessa perspectiva. “Abraço
da morte” é o cercamento do parque
indígena pela derrubada de vegetação,
pela soja e pelo gado, nas palavras do secretário
executivo da entidade, Márcio Santilli.
*O repórter viajou a convite da TV
Cultura.
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Filho de chefe kuikuro projeta
vida entre a aldeia e a cidade
12 de Agosto de 2007 - Pedro
Biondi - Enviado especial* - Pedro Biondi/ABr
- Aldeia Ipatse (Parque Indígena do
Xingu) - Integrantes do Coletivo Kuikuro de
Cinema. Aldeia Ipatse (Parque Indígena
do Xingu) - O jovem Maricá Kuikuro,
25 anos, é um dos filhos do chefe Tabata,
um dos três principais líderes
da maior aldeia desse povo. Ele diz que pretende,
no futuro, assumir essa função,
e alternar a vida ali e na cidade.
Maricá integra o
Coletivo Kuikuro de Cinema, que registra cantos,
danças e narrativas da etnia e, paralelamente,
desenvolve um trabalho autoral. Ele é
um dos dois diretores das produções
do grupo exibidas na aldeia em 22 de julho.
Como muitos jovens da aldeia,
ele usa roupas em parte do tempo e fala português.
Como vários deles, tem e-mail. Como
alguns, namora uma moça de fora. Como
alguns poucos, anda de moto. Como poucos,
já esteve em várias capitais
estaduais. Como pouquíssimos, está
em preparação para responsabilidades
de chefia, status tradicionalmente hereditário.
“Automaticamente a gente
já vem como chefe”, comenta. “Mesmo
que eu não quisesse seria assim.” Ele
diz que, por ora, a principal atribuição
que tem nesse sentido é cuidar da organização
dos jovens.
O pai, Tabata, é,
hoje, o representante da comunidade para assuntos
externos – uma espécie de chefe de
Estado – e vive parte do tempo em Canarana
(MT), parte na terra natal. Maricá
desenha algo semelhante para o futuro. “Hoje
já viajo muito para divulgar nossas
produções, vou a festivais de
vídeo...”, conta.
O modo de vida da família
teve a ver com as tradições
kuikuro – na verdade, buscou contorná-las.
Pelas crenças dessa etnia, a presença
de Jimi e Siron, hoje com 2 anos, causaria
problemas. “O nascimento de gêmeos trazia
maldade ao mundo”, explica o irmão
Maricá. Para evitar isso, o procedimento
usual seria o sacrifício.
Segundo o jovem, a casa
em Canarana também tem a ver com a
possibilidade de estar “perto de tudo”, como
pronto-socorro. “Em uma semana aqui, eles
pegaram uma diarréia”, relata, enquanto,
do colo da mãe, dois pares de olhinhos
curiosos se pregam no visitante perguntador.