23/08/2007 - Na edição
de 10 de agosto, a respeitada revista semanal
norte-americana Science estimula uma discussão
fundamental para as iniciativas de conservação
ao publicar artigo
sobre a atuação de ONGs internacionais
nos países em desenvolvimento. A construção
de parcerias com as organizações
locais é um dos desafios que tem que
ser enfrentados com maturidade
Muito oportuna a discussão
levantada pelo artigo publicado no Policy
Fórum na edição de 10
de agosto, da conceituada revista norte-americana
Science. Nele, especialistas de diversos países,
membros da Wildlife Trust Alliance (Rede Internacional
de Organizações e Indivíduos,
formada, entre outros, pelo brasileiro Instituto
de Pesquisas Ecológicas (IPÊ))
apontam problemas oriundos das estratégias
globalizantes adotadas por organizações
não-governamentais transnacionais que
atuam na conservação ambiental
nos países em desenvolvimento.( Leia
aqui)
O artigo critica a atuação
das grandes ONGs internacionais na conservação
e proteção do meio ambiente,
comparando suas estratégias às
de grandes corporações e multinacionais,
que abrem filiais nos países onde atuam,
mas nem sempre contribuem com o fortalecimento
de organizações locais. Destaca
ainda o sucesso dessas ONGs na arrecadação
de fundos, mas questiona a pouca efetividade
de suas atividades para a conservação,
uma vez que suas macroestratégias,
que direcionam e orientam essas ações,
nem sempre se adeqüam às realidades
locais.
Em reportagem publicada
no site O ECO sobre o artigo, representantes
das instituições citadas, que
atuam no Brasil discordam e argumentam que
sua atuação é complementar
a das organizações locais, com
quem buscam trabalhar diretamente. O texto
da Science tem o mérito de trazer à
tona um debate urgente – mas velado - no campo
não-governamental socioambiental. Um
dos aspectos fundamentais de todo esse debate
é a relação entre as
instituições internacionais
e suas contrapartes não-governamentais,
as organizações locais.
Como destacam os autores
do artigo da Science, as soluções
para conservação da biodiversidade,
além de integrar aspectos naturais,
sócio-econômicos e culturais,
só são efetivas se contam com
a participação das comunidades
locais. Quer dizer, mesmo concentrando os
recursos financeiros e materiais, sem parceiros
locais, governamentais ou não, dificilmente
haverá implementação
de estratégias de conservação.
Isso vale para qualquer iniciativa, nacional
ou internacional.
São inúmeras
as modalidades possíveis de interação
entre as diferentes organizações.
Não só entre os diferentes países
onde elas atuam, mas mesmo em um só
país, como o Brasil. Por um lado, essas
relações podem contribuir com
a construção de capacidades
locais e de outro, também se alimentam
de capacidades, conhecimentos e relações
já existentes. Pior do que subordinar
pequenas organizações locais
às suas supostas estratégias
globais é se apropriar de projetos,
iniciativas e casos politicamente construídos
pelos movimentos sociais para, sem a devida
transparência, alavancar recursos e
capitalizar institucionalmente os seus resultados.
Para construir uma relação
positiva com as organizações
locais, é preciso que confiança
e transparência sejam preceitos fundamentais.
Essas são as premissas básicas
para uma relação de respeito
mútuo e cooperação. Parceria
significa trabalhar em conjunto, desde o planejamento
ao desenvolvimento das ações
em campo, passando, inclusive, pela captação
de recursos. Só quando se constrói
uma relação a partir de todas
essas etapas é possível chegar
ao que se convencionou chamar de fortalecimento
institucional de parceiros locais. É
preciso também distinguir as parcerias
construídas de modo conjunto de outras
formas de inserção das instituições
em uma mesma iniciativa. As atuações
pontuais, tais como a simples prestação
de serviços, que não implicam
processos compartilhados de decisão
e responsabilidades não devem ser confundidas
com o que estamos chamando aqui de relação
de parceria.
Outro aspecto significativo
é a necessidade de assegurar autonomia
frente às agendas internacionais para
desenvolver estratégias adequadas às
realidades locais. É preciso impedir
que definições pré-estabelecidas
limitem as possibilidades de construção
coletiva das ações a serem implementadas
em cada região. As estratégias
das grandes ONGs internacionais para definir
as prioridades e necessidades da conservação
não podem dispensar aquelas pensadas
a partir de parcerias locais duradouras, que
normalmente produzem respostas mais legítimas
e eficientes para os desafios da conservação.
Uma pena que estas últimas, por restrições
financeiras, estejam, quase sempre, a reboque
das primeiras.
É preciso reconhecer
que a inexistência de uma política
pública consistente de cooperação
e financiamento ao terceiro setor só
aumenta a possível dependência
dos recursos captados por tais instituições
transnacionais para o desenvolvimento de iniciativas
de conservação. Mas isso não
pode servir de justificativa para que as organizações
locais sejam meros entes assessórios
às suas estratégias.
A conservação
socioambiental agradecerá se as organizações
buscarem definir suas estratégias de
intervenção valorizando os atores
locais e os processos fundamentais para atingirem
seus objetivos.