26/09/2007 - Em audiência
pública realizada na Câmara dos
Deputados, mais de 500 representantes de comunidades
quilombolas, vindos de várias partes
do Brasil, se manifestaram contrariamente
à possibilidade de alteração
do Decreto Federal nº 4887/03, que trata
dos procedimentos de demarcação
de terras de quilombos e exigiram maior agilidade
na titulação de áreas.
Eram 14h da última
segunda-feira (24/09), quando mais de quinhentos
quilombolas entraram no auditório Nereu
Ramos, na Câmara dos Deputados, portando
faixas e cantando. A manifestação
ocorreu na abertura da audiência pública
organizada pela Procuradoria Geral da República
(PGR) para entender as razões pelas
quais o Governo Federal criou um Grupo de
Trabalho Interministerial para alterar o Decreto
nº 4.887/2003, que dispõe sobre
a titulação de terras de quilombos.
Depois de a Rede Globo veicular,
há alguns meses, uma série de
matérias que questionavam a demarcação
de áreas quilombolas, apontando supostas
fraudes em alguns casos, a Casa Civil da Presidência
da República determinou a revisão
dos procedimentos de demarcação
de terras de quilombos e criou o grupo, fechado
à participação dos movimentos
sociais interessados. Para divulgar esse processo
é que foi convocada a audiência.
A coordenadora da 6ª
Câmara de Coordenação
do Ministério Público Federal
e sub-procuradora Geral da República,
Déborah Duprat, abriu a audiência
explicando a razão do encontro: responder
às inquietações sobre
a possibilidade de alterações
no Decreto. Na mesa, estavam representantes
do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), da Advocacia
Geral da União, da Fundação
Cultural Palmares, da Secretaria de Promoção
de Políticas para a Igualdade Racial
(SEPPIR), da Secretaria Estadual de Promoção
da Igualdade Racial da Bahia, do Ministério
de Desenvolvimento Agrário, do Ministério
do Meio Ambiente, do Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, da Câmara dos Deputados e da Coordenação
Nacional de Articulação das
Comunidades Quilombolas (Conaq). O Ministério
da Justiça e o Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) da Presidência da
República não mandaram representantes.
A audiência fez jus
ao nome. Os integrantes da mesa apenas tiveram
tempo para se apresentar e imediatamente a
palavra foi passada para a platéia.
Antes, porém, a presidente da Conaq,
Jô Brandão, iniciou o debate
perguntando quem eram os quilombolas: “Não
somos descendentes de escravos, mas de africanos.
A escravidão nos foi uma condição
social imposta, sendo os quilombos uma expressão
de liberdade e os quilombolas construtores
da sociedade brasileira”. A líder dos
quilombolas terminou reivindicando ao Presidente
da República a entrega de títulos
de novas áreas já identificadas
pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra).
Não é a primeira
vez que se tenta modificar o decreto que regulamenta
a titulação de terras. Em 2004
o Partido da Frente Liberal – PFL (atual Democratas)
ingressou com uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade contra o referido
decreto, questionando, entre outras coisas,
o critério de autoidentificação
e possibilidade de desapropriação
de terras. Essa ação ainda está
pendente de julgamento pelo STF.
O Consultor-Geral da União,
Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior,
se defendeu dizendo que o grupo intragovernamental
não havia sido criado para alterar
o decreto, mas para discutir políticas
públicas voltadas para as comunidades
quilombolas, tendo em vista diferentes posicionamentos
entre os ministérios. Esclareceu que
a conclusão do grupo foi a de não
alteração do Decreto nº
4887/2003, embora reconheçam nele algumas
imperfeições. Ajustes poderão
ser realizados na Instrução
Normativa do Incra, que operacionaliza os
procedimentos nele previstos. Afirmou, por
fim, que qualquer alteração
nos marcos legais da demarcação
das áreas quilombolas não poderia
ser realizada sem a consulta aos quilombolas,
conforme dispõe a Convenção
nº 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)
Nas falas do grande público,
o movimento social evidenciou as divergências
internas no Governo quanto à titularização
de áreas quilombolas. De um lado, setores
que buscam garantir seu direito à terra.
De outro, interesses que se preocupam tão
somente em expandir a economia. E cobraram
uma solução participativa que
não atinja o Decreto nº 4887/2003,
que depois de muitos anos passou a regulamentar
um direito constitucionalmente assegurado.
As soluções devem ser discutidas
caso a caso, ouvidas as comunidades afetadas.
O destaque ficou para as
reivindicações dos quilombolas
de Alcântara (MA), de Marambaia (RJ),
e de São Francisco de Paraguaçu
(BA). Em relação a Alcântara,
os quilombolas exigiram do governo a garantia
de não-remoção das comunidades
em razão de possível ampliação
do Centro de Lançamento Aeroespacial,
encampado pela Casa Civil. Quilombolas da
Ilha de Marambaia exigiram a continuação
do procedimento para titulação
da área. O relatório técnico
de identificação das terras
promovido pelo Incra foi concluído
em agosto de 2006 mas por conta de pressões
da Marinha a titulação não
foi concretizada . O caso de Paraguaçu,
depois das matérias veiculadas pela
Rede Globo, gerou a suspensão geral
da certificação emitida pela
Fundação Cultural Palmares e
a criação de uma comissão
de sindicância para investigar suposta
fraude no processo. A sub-procuradora Déborah
Duprat lembrou que as comunidades não
necessitam ter sua identidade certificada,
já que a Convenção nº
169 da OIT lhes garante o direito à
autodeterminação. O presidente
da Fundação Palmares, Zulu Araújo,
anunciou que o resultado das apurações
não apontou qualquer desvio no processo,
o que permite a continuação
dos procedimentos para a certificação.
Várias lideranças reivindicaram
que a Rede Globo desmentisse as acusações
falsas que os quilombolas sofreram.
Além de esclarecer
itens do decreto, a audiência pública
serviu também para demonstrar a capacidade
de mobilização dos movimentos
quilombolas em defesa do direito à
terra, da qual dependem para sobreviver e
manter suas tradições culturais.
São direitos assegurados pela Constituição
Federal, mas sua efetivação
depende da consciência sobre eles e
de muita organização coletiva.
ISA, Carolina de Martins Pinheiro.
+ Mais
Comunidades quilombolas
compartilham demandas e prioridades em seminário
18/09/2007 - O II Seminário
da Agenda Socioambiental Quilombola, realizado
na semana passada em Eldorado, no Vale do
Ribeira, reuniu representantes de 14 comunidades
quilombolas e permitiu aos participantes trocar
experiências e informações
sobre a realidade social, econômica
e ambiental de cada uma das comunidades.
O objetivo deste II seminário
foi o de compartilhar com os parceiros das
comunidades quilombolas, representantes de
setores públicos e de organizações
da sociedade civil, as demandas e prioridades
apontadas pelas 14 comunidades quilombolas
durante a primeira fase do projeto de diagnóstico
socioeconômico e ambiental das comunidades
quilombolas. O encontro, que reuniu mais de
100 pessoas durante os dias 13, 14 e 15 deste
mês na cidade de Eldorado, no Vale do
Ribeira, também possibilitou a esses
segmentos da sociedade uma melhor compreensão
da realidade dessas comunidades.
As lideranças e agentes
das comunidades quilombolas de André
Lopes, Sapatu, São Pedro, Pedro Cubas
I e II, Galvão, Ivaporunduva, Nhunguara,
Poça, Cangume, Porto Velho, Bombas,
Morro Seco e Mandira demonstraram sua capacidade
organizacional coletiva ao apresentarem suas
demandas e prioridades com relação
à: “Cultura, Lazer e Educação”;
“Atividades Produtivas – agrícolas
e não-agrícolas”; “Saúde
e Saneamento”; Infra-estrutura, Moradia, Comunicação
e Transporte” e “Meio Ambiente e Fundiário”.
Após as apresentações,
os quilombolas e representantes dos órgãos
públicos e da sociedade organizada
constituíram grupos temáticos
para, juntos, discutirem como cada um dos
órgãos presentes pode contribuir
para a implantação da Agenda
Socioambiental Quilombola do Vale do Ribeira.
Uma das principais propostas
foi feita pelo grupo temático “Meio
Ambiente e Fundiário”. O grupo levou
à plenária do seminário
a proposta de criação de um
Grupo de Trabalho - composto por membros da
Fundação Florestal (FF) de São
Paulo, Departamento Estadual de Proteção
de Recursos Naturais (DEPRN), Instituto Socioambiental
(ISA), Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (ITESP) e representantes quilombolas
- para discutir e elaborar uma proposta de
licenciamento específica para abertura
de áreas de roça nas terras
quilombolas. O licenciamento teria como base
os mapas de uso e ocupação de
seus territórios elaborados pelos próprios
moradores durante o projeto da Agenda Socioambiental
Quilombola. Os quilombolas decidiram se reunir
ainda neste mês de setembro para elaborar
uma primeira versão dessa proposta,
para então levar aos órgãos
competentes, e conjuntamente definir uma minuta
de licenciamento para roça de coivara
em terras quilombolas no Vale do Ribeira.
Além de lideranças
das 14 comunidades quilombolas diretamente
envolvidas com a construção
da Agenda Socioambiental Quilombola do Vale
do Ribeira, marcaram presença no seminário
representantes do Fundo Nacional do Meio Ambiente
(FNMA-MMA), Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), Instituto Chico Mendes,
Instituto do Patrimônio Histórico
e Arquitetônico Nacional (IPHAN), Fundação
Florestal (FF), Instituto Florestal (IF),
Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (ITESP), Universidade de Campinas (UNICAMP),
Departamento Municipal de Saúde de
Iporanga e de Eldorado, Departamento Municipal
de Educação e Cultura de Cananéia
e Departamento Municipal de Esportes de Itaocá.
Também estiveram
presentes representantes da ONG IDESC, Equipe
de Articulação e Assessoria
das Comunidades Negras (EAACONE), Movimento
dos Ameaçados por Barragens (MOAB),
quilombolas do sul da Bahia e técnicos
da ONG Instituto Floresta Viva, que atua na
região Sul da Bahia. O II Seminário
da Agenda Socioambiental Quilombola é
parte da etapa final das atividades do projeto
Agenda Socioambiental Quilombola do Vale do
Ribeira, sob a execução do ISA
e com financiamento do FNMA desde 2006.
ISA, Kátia Pacheco.