1 de Outubro de 2007 - Spensy
Pimentel e Clara Mousinho - Da Agência
Brasil - Brasília - Principal alvo
de um protesto que reuniu em Brasília,
na semana passada, mais de 500 representantes
de comunidades remanescentes de quilombos
de todo o país, um projeto de decreto
legislativo (44/2007)
do deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) questiona
o decreto presidencial que regulamentou a
titulação das terras quilombolas.
“O decreto [presidencial]
4.887/03 extrapolou qualquer decisão
da Constituição”, afirmou Colatto,
em entrevista à Agência Brasil.
“A Constituição é bem
clara: aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras
é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo estar admitidos os títulos
respectivos. O decreto extrapolou isso.”
A referência do deputado
é ao artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias: “Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Para Colatto, a interpretação
correta do texto constitucional implicaria
a titulação apenas das terras
ocupadas atualmente pelos quilombolas, e não
das terras que eles já habitaram no
passado.
A proposta de Colatto é
anular o decreto 4.887, mas ele não
propõe nada no lugar, apenas quer que
a discussão da nova lei seja feita
pelo Congresso. O temor dos quilombolas é
que todos os processos de titulação
concluídos nos últimos quatro
anos ou ainda em curso sejam anulados, afetando
centenas de comunidades em todo o país.
A questão é
que, segundo o decreto de 2003, as terras
das comunidades quilombolas são as
“utilizadas para a garantia de sua reprodução
física, social, econômica e cultural”,
não apenas aquelas em que eles vivem
atualmente. Além disso, o decreto reconhece
que, em caso de haver ocupantes nas terras,
eles deverão provar que têm título
legalmente válido, prevendo-se a possibilidade
de desapropriação e indenização
correspondente.
Essa visão da questão
quilombola garante às comunidades a
possibilidade de recuperar terras das quais
elas foram expulsas décadas atrás
por grileiros, ou grandes projetos agrícolas
e industriais. Para a educadora e antropóloga
Glória Moura, da Universidade de Brasília,
que estuda as comunidades quilombolas há
mais de 20 anos, a atual regulamentação
garante um direito negado por décadas.
“É um direito deles continuar nas terras,
e esse direito precisa ser garantido",
diz ela.
Moura lembra que há
dificuldades envolvidas no processo: "Aí
chega um juiz e pergunta ao quilombola: como
é que você sabe que essa terra
é sua? Você não tem nenhum
papel! Mas o quilombola não precisa
ter papel, ele sabe que o avô morava
lá, que o pai morava e que agora ele
mora e antes disso muita gente da família
dele morou lá. Então, não
basta garantir a terra, é preciso dar
posse dessa terra aos quilombolas, sim".
Outro ponto levantado pelo
deputado se relaciona à possibilidade
de desapropriação. “Se as terras
forem desapropriadas, o governo tem que pagar,
como diz a Constituição, pelo
direito de propriedade. Só que não
tem dinheiro para isso, nem orçamento
e nem previsão orçamentária”,
diz ele. Colatto se ampara em questionamentos
feitos pelo Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República sobre
o tema.
O parlamentar questiona,
ainda, a prerrogativa do “auto-reconhecimento”
das comunidades, estabelecida pelo decreto
de 2003. O mecanismo garante que comunidade
quilombola é aquela que se declara
como tal. A Fundação Palmares
é encarregada de cadastrar essas auto-declarações
(hoje, já há 1170 cadastradas),
que não implicam, necessariamente,
a titulação das terras – o que
depende do estudo antropológico realizado
pelo Incra, num processo em separado.
O auto-reconhecimento é
um mecanismo estabelecido de acordo com a
Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, sobre povos indígenas
e tribais. O Brasil é signatário
da convenção, e ela já
foi ratificada pelo Congresso.
Outra das alegações
de Colatto, o de que seria inconstitucional
uma regulamentação direta pelo
presidente de um artigo da Constituição,
ainda será objeto de análise
da Justiça, segundo afirmou na semana
passada o presidente da Câmara, Arlindo
Chinaglia (PT-SP), em entrevista à
Agência Brasil.
Segundo o gabinete do deputado,
o projeto de decreto encontra-se atualmente
em tramitação na Comissão
de Direitos Humanos e Minorias da Câmara,
sendo relatado pela deputada Iriny Lopes (PT-ES).
+ Mais
Projeto busca resgatar cultura
e língua Sateré-Mawé
6 de Outubro de 2007 - Amanda
Mota - Repórter da Agência Brasil
- Manaus - Depois de participar da oficina
de tecelagem para aprender a fazer o que seus
avós e bisavós já faziam,
o adolescente Valdenildo de Oliveira Batista,
de 14 anos, se mostra animado com o resgate
da cultura indígena. Ele faz parte
da etnia Sateré-Mawé e vive
na aldeia Simão, entre os municípios
de Parintins e Barreinha, no Amazonas. Valdenildo
é um dos integrantes do grupo de 250
jovens indígenas atendidos atualmente
pelo projeto Revitalização da
Língua e de Práticas Culturais
Tradicionais Sateré-Mawé.
"Na oficina de tecelagem
aprendi a fazer peneira, abano e tipiti (uma
espécie de espremedor de palha trançada
usado para escorrer e secar a mandioca ralada.
É fabricado artesanalmente pelos povos
indígenas). Para mim, esta atividade
é ótima, no futuro vai me beneficiar
na parte econômica. Mas entendo que
a tecelagem indígena também
é muito importante, pois ajuda na valorização
da minha cultura, para que os Sateré
não sejam deixados de lado como se
seus costumes não valessem nada. Devemos
valorizar os dois lados, pois não adianta
só saber a cultura indígena,
pois temos também que defender os nossos
direitos lá fora", declara o adolescente.
O projeto, que conta com
o apoio do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), foi
elaborado pela Organização dos
Professores Sateré-Mawé dos
Rios Andirá e Waikurapá (Opisma),
com assessoria técnica da Universidade
Federal do Amazonas (Ufam). Durante as oficinas,
que duram cerca de 15 dias cada, os jovens
aprendem a fazer rede, cerâmica, tecelagem
e conhecem histórias mitológicas,
que são contadas pelos representantes
mais antigos das aldeias. Buscando o resgate
de saberes tradicionais, os indígenas
também participam de encontros para
discussão, planejamento e avaliação
do desenvolvimento do projeto e para revisão
de material didático em língua
Sateré-Mawé. Além disso,
eles contam com oficinas de formação
pedagógica e de revisão de material
didático em língua Sateré-Mawé.
De acordo com o coordenador
da Opisma, José de Oliveira dos Santos
da Silva, a qualificação dos
professores indígenas se deu anteriormente,
por meio de outro projeto, o Pira-Yawara,
desenvolvido pela Secretaria do Estado de
Educação (Seduc), em parceria
com prefeituras municipais do Amazonas. Silva
conta que a construção e a avaliação
do projeto contaram com o envolvimento de
homens, mulheres, jovens e idosos da comunidade.
Para ele, o fundamental é que as aulas
práticas contribuam para a fixação
dos conhecimentos aprendidos.
"Hoje oferecemos uma
aula e uma educação diferenciada.
É o fortalecimento da cultura Sateré-Mawé.
As crianças e os jovens participam
da prática de cursos. É diferente
de quando eles aprendiam a desenhar e a escrever
em Sateré, mas quando iam falar da
prática da cultura não sabiam
de nada", explica.
O coordenador do escritório
do Unicef em Manaus, Halim Girade, afirma
que as atividades tiveram início há
um ano e, segundo ele, contribuem para a recuperação
da auto-estima dos adolescentes e jovens indígenas
por meio da valorização de suas
tradições. Girade avalia que
a desvalorização dos saberes
e a perda das identidades culturais indígenas
provocam na juventude indígena conflitos
existenciais e de auto-desvalorização,
o que por sua vez, contribui para a geração
de outros problemas.
"Alguns dos maiores
problemas entre adolescentes indígenas
hoje na Amazônia são questões
relacionadas ao alcoolismo, violência,
abuso e exploração sexual e
suicídios. E a proposta do projeto
é importante porque vem não
só revitalizar, mas também trazer
mais vida aos jovens, que começam a
sentir um pouco de orgulho da sua cultura",
diz.