05/10/2007 - A Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro – Foirn – comemora este ano,
duas décadas de uma história
de lutas e conquistas.
O ciclo de comemorações, que
aconteceu o ano todo nas sub-regiões
da Foirn, vai se encerrar com uma grande festa,
programada para acontecer entre 8 e 12 de
outubro, na cidade de São Gabriel da
Cachoeira. Diversas atividades culturais destinadas
ao público em geral e principalmente
ao indígena estão previstas
Exposições
de artesanatos e comidas regionais, esporte
indígena, ciclo de palestras com temáticas
que envolvem as conquistas da Foirn e ainda
o primeiro Festival de Música dos Povos
do Rio Negro vão agitar São
Gabriel na semana que vem, de 8 a 12 de outubro.
A festa conta com o apoio da Horizont3000,
da Rainforest da Noruega, do Instituto Socioambiental,
do governo do Estado do Amazonas e da Fundação
Nacional do Índio – Funai. “Pretendemos
que essa festa fique marcada na memória
de cada habitante do Rio Negro que lutou por
duas décadas pelas vitórias
que alcançamos a fim de assegurarmos
nossos direitos e a melhoria da qualidade
de vida das nossas comunidades”, explicou
Domingos Barreto, diretor-presidente da federação.
“Queremos também que as novas gerações
participem dos dias de festas, porque mostraremos
a nossa história e como lutamos sem
apoio dos poderes públicos. Queremos
que os jovens sejam as futuras lideranças
que manterão vivo o movimento indígena
do Rio Negro”.
Para animar as noites da
festa foram especialmente convidados os índios
Wapixana e Macuxi de Roraima, integrantes
da banda Caxiri na Cuia, que contarão
sua experiência de inaugurar um novo
estilo de fazer música indígena.
Clique para conferir a programação
oficial.
Valorização
da música indígena
A música e o canto
são partes fundamentais das cerimônias
nas malocas dos povos do Rio Negro e se expressam
por meio dos cantos dos velhos, do grupo de
cantores liderados pelo bayá, que dançam
em torno do centro da grande casa, até
os cantos hãde-hãde específicos
das mulheres. Diferentes tipos de instrumentos
são utilizados, como os conjuntos de
cariçú, flautas de osso de veado,
japurutu, flautas de caracol, casco de jabuti
entre outros. A cerimônia é a
ocasião de reviver a trajetória
de origem nas Casas de Transformação,
de lembrar os primeiros antepassados de cada
grupo, de refazer os benzimentos que protegem
a comunidade no mundo. A música ajuda
ainda na concentração e na animação
do ritual. O bayá e outros cantores
usam os adornos de festas, feitos com penas
e pêlos de animais, característicos
de alguns grupos apenas.
No decorrer do século
XX, devido a continuadas pressões externas,
práticas rituais, especialmente as
cerimônias com danças e consumo
de caapi (bebida feita com um cipó)
nas malocas, foram sendo esquecidas especialmente
no lado brasileiro. As malocas foram substituídas
por povoados com casas familiares individuais
e centro comunitário. O conhecimento
sobre as cerimônias se manteve vivo
apenas na memória dos mais velhos.
A partir da luta do movimento
indígena nos últimos 20 anos,
o sentimento do orgulho de ser indígena,
a valorização da identidade,
a garantia da posse dos territórios
tradicionais despertaram nos povos do rio
Negro a força para manter vivas as
tradições. Hoje as festas estão
sendo revigoradas e continuam sendo a animação
da região, principalmente nas comunidades
que reconstruíram as malocas transformando-as
em símbolo da revitalização
da cultura. As bebidas tradicionais, como
o caxiri, continuam sendo consumidas nas festas.
Os cantos tradicionais, hoje, compartilham
o espaço com novos estilos e ritmos
musicais aprendidos com os brancos e recriados
pelos índios, como o forró,
a guitarrada e o brega. De autoria indígena,
também passam a ser tratados como música
indígena.
Por isso o I Festival de
Música dos Povos do Rio Negro está
sendo realizado, a fim de valorizar esse movimento
musical revitalizado e reinventado por eles.
“Os nossos parentes da banda Caxiri na Cuia
estão animando o pessoal da nossa região
que também recria as músicas”,
conta Domingos Barreto. Esse estilo reinventado
entra no festival na Categoria Música
Adaptada, dividindo espaço com a Categoria
Música Tradicional - exatamente os
cantos e danças tradicionais ainda
hoje praticados por diversos grupos do Rio
Negro. “O nosso festival não terá
disputa entre músicas, na verdade,
todas elas serão apresentadas nas noites
de festa e todos os grupos terão espaço
para apresentar as danças também”,
explicou Janilson Padilha, um dos organizadores
do evento. As músicas apresentadas
irão compor um CD de comemoração
aniversário de 20 anos, organizado
pela Foirn, a ser lançado em 2008.
História da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro
Muitos anos antes de se
criar a Foirn, algumas lideranças indígenas
da região, de forma isolada, já
vinham discutindo a questão de demarcação
das suas terras. A idéia de demarcar
territórios tradicionais surgiu na
década de 1970 principalmente na região
do rio Tiquié, em Pari-Cachoeira. A
partir da década de 1980 iniciou-se
uma corrida pelo ouro na região do
rio Cauburis, iniciada por brancos. Em 1984,
surgiu o garimpo no rio Ira (afluente do Tiquié)
e um grande número de garimpeiros brancos
chegou à região. No ano seguinte,
mais um garimpo foi aberto, desta vez no rio
Traíra - região fronteiriça
entre Brasil e Colômbia, cuja exploração
se estendeu até o rio Castanho.
Nesse bojo, grandes empresas
mineradoras como a Paranapanema e a Golden
Amazon, se instalaram na região, concentrando
a exploração no rio Traíra,
ao mesmo tempo em que, por meio do Programa
Calha Norte, pelotões do Exército
Brasileiro também se estabeleciam ali
a fim de guarnecer as fronteiras. Diante da
perda iminente do controle de suas terras,
os indígenas promoveram em 1984, a
I Assembléia Geral dos Povos Indígenas
do Rio Negro.. O objetivo era dar suporte
aos índios para que se organizassem
na lutar por seus direitos coletivos, até
então desrespeitados pelos não-índios.
Três anos se passaram
e a II Assembléia Geral dos Povos Indígenas
do Rio Negro foi realizada, em 30 de abril
de 1987. O evento foi realizado com apoio
do governo federal através da Funai
e com recursos do Projeto Calha Norte. O objetivo
principal foi avaliar a situação
das invasões garimpeiras na região.
Nesse encontro foi criada a Foirn.
Em seus primeiros anos de
vida, a federação enfrentou
problemas de toda ordem; financeiros, administrativos
e políticos. Por isso, não conseguiu
concretizar os objetivos definidos e planejados
em sua criação. Sucederam-se
várias diretorias até que em
1993 foi assinado um termo de parceria com
o Instituto para a Cooperação
Internacional-IIZ, hoje Horizont3000, organização
austríaca, que concretizou a parceria
global dentro do contexto da Aliança
pelo Clima, com fundos provenientes do governo
federal e governos locais da Áustria.
Com isso teve início o processo de
fortalecimento da federação
até então desacreditada pelas
autoridades municipais e por outros seguimentos
da sociedade brasileira.
A parceria com a Horizont3000
e o apoio do Instituto Socioambiental (ISA),
permitiu que a Foirn respondesse antigas reivindicações
das lideranças de associações
indígenas, no que diz respeito à
questão de transporte, comunicação
e espaço para realização
de eventos indígenas na cidade (reuniões,
seminários e assembléias) através
da construção de sua própria
maloca.
O último passo para
consolidação do projeto inicial
de criação da Foirn era a demarcação
das terras indígenas da região
do Rio Negro. Foram muitas as dificuldades
encontradas para realizá-la, entre
elas a polêmica proposta do Conselho
Nacional de Segurança de que o território
fosse divido em “mosaicos” composto por Colônias
Indígenas e por Florestas Nacionais
(Flonas) reduzindo pela metade as terras tradicionais
indígenas. A Foirn não aceitou
a proposta e lutou pela demarcação
de terras contínuas. Finalmente em
1996, o então Ministro da Justiça,
Nelson Jobim, deu posse permanente das cinco
Terras Indígenas reivindicadas e determinou
sua demarcação.
Em 15 de abril de 1998,
durante a VI Assembléia Geral da Foirn,
o Governo entregou aos líderes indígenas,
os decretos de homologação das
5 TIs, que abrangem os municípios de
São Gabriel da Cachoeira, Japurá
e Santa Isabel. São: TI Alto Rio Negro,
TI Médio Rio Negro I e II, TI Rio Téa
e TI Rio Apapóris. Atualmente encontram-se
em processo de demarcação novas
TIs no Médio e Baixo Rio Negro, correspondentes
a uma parte do município de Santa Isabel
(que havia ficado de fora da primeira demarcação)
e do município de Barcelos.
As conquistas da Foirn
A demarcação
das terras do Alto Rio Negro, a consolidação
dos projetos-piloto (educação
escolar diferenciada, valorização
cultural, sustentabilidade, saúde indígena,
proteção e fiscalização
das terras e segurança alimentar) permitiu
à Foirn ampliar seus projetos e elaborar
novos, visando a melhoria da qualidade de
vida das comunidades indígenas. Entre
os resultados obtidos destacam-se:
:: 5 anos de co-oficialização
das línguas (2002-2007);
:: 7 anos das Escolas Indígenas
diferenciadas que foram fundamentais para
a implementação de uma nova
política de educação
na região (2000-2007);
:: 7 anos de Saúde
Indígena Diferenciada no Rio Negro.
Antes disso, serviço de saúde
nas comunidades não existia (2000-2007);
:: 19 anos de direitos indígenas
(iniciado com a nova constituição
em 1988) (1988-2007);
:: 9 anos de terras demarcadas
e homologadas (1998-2007);
:: 15 anos de resgate e
valorização da cultura e tradição
(1992-2007);
:: 6 anos de novas experiências
e perspectivas (projetos de manejos) (2001-2007).
Dessa forma, a Foirn vai
seguindo a sua luta em busca do desenvolvimento
sustentável do Rio Negro. Sua grande
meta para os próximos anos é
persistir no diálogo com as grandes
esferas do poder público federal, estadual,
municipal e demais organizações
não-governamentais, de forma a constituir
e implementar um tipo de desenvolvimento diferenciado
que valorize a diversidade e garanta um novo
patamar de bem-estar para as comunidades indígenas.
Por isso, hoje a bandeira de luta chama-se
Programa Regional de Desenvolvimento Indígena
Sustentável do Rio Negro (PRDIS), apresentado
em 2002 para os governos federal, estadual
e municipal e novamente reiterado na visita
que o Presidente Lula fez a São Gabriel
da Cachoeira, no final de setembro. ISA, Andreza
Andrade.