Conflito entre agricultores
familiares e Syngenta revela a face violenta
da luta contra a privatização
das sementes
25/10/2007 - Execução
de um militante do Movimento Sem Terra por
milícia privada a serviço da
multinacional é desdobramento trágico
de combate entre indústrias de biotecnologia
e agricultura familiar e comunidades tradicionais.
Em março de 2006,
durante a Conferência das Partes da
Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB), membros do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e
da Via Campesina ocuparam um campo ilegal
de experimentos de transgênicos da multinacional
Syngenta, situado próximo aos limites
do Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná,
em um protesto contra a liberação
indiscriminada e ilegal de cultivos transgênicos
no meio rural.
A ação de
resistência do movimento social permanece
até hoje e teve, no último domingo,
21 de outubro, um desdobramento trágico:
empregados de uma empresa de segurança
privada contratada pela Syngenta invadiram
o acampamento e dispararam contra as pessoas,
matando uma e ferindo cinco (ver nota abaixo).
O episódio de violação
de direitos humanos deflagrou reações
veementes da sociedade civil, ganhando eco
até nas Organizações
das Nações Unidas (ONU). As
organizações Terra de Direitos,
Via Campesina e Justiça Global enviaram
um relatório para o relator de Execuções
Sumárias da ONU, Phillip Alston, solicitando
providências contra a contratação
de milícias privadas armadas.
A violência no campo
é apenas uma das faces de um movimento
mais amplo, conduzido pelo lobby das indústrias
de biotecnologia na área da agricultura,
que se estende aos gabinetes ministeriais
em Brasília. Atualmente existem pelo
menos três iniciativas que atentam contra
os direitos dos agricultores restringindo
os direitos de agricultores familiares, povos
indígenas e comunidades locais que
mantêm conhecimentos e desenvolvem sementes
para uso local. Em resumo, estas tentativas
de mudar a lei pretendem restringir o direito
dos agricultores de guardar sementes para
uso próprio, condicionar o acesso a
crédito agrícola ao uso de sementes
registradas pelas multinacionais, e facilitar
o acesso das empresas a sementes crioulas,
desenvolvidas e mantidas localmente, para
o desenvolvimento de novas cultivares privadas,
sem a necessidade de consentimento ou repartição
de benefícios com os respectivos detentores
desse patrimônio. Saiba mais aqui.
Leia abaixo segue a íntegra
da nota lançado por organizações
da sociedade civil Terra de Direitos, Via
Campesina e Movimentos dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra.
Brasília, 22 de outubro
de 2007
Excelentíssimo Senhor
Ministro da Justiça
Tarso Genro
Excelentíssimo Senhor Governador do
Estado do Paraná
Roberto Requião
Senhor Ministro
Senhor Governador
As organizações
de Direitos Humanos abaixo mencionadas, vêm
manifestar o seu profundo pesar pela tragédia
ocorrida no município de Santa Tereza
do Oeste, estado do Paraná.
Durante um ataque de homens
armados contratados pela empresa Syngenta
Seeds, foi assassinado um militante do Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Valmir
Mota de Oliveira e atingido por disparos um
segurança da empresa NF Segurança,
possivelmente por disparos deflagrados pelos
próprios seguranças durante
o ataque.
Ressaltamos que a situação
no local continua tensa. Os trabalhadores
sem terra acampados na região e especialmente
as lideranças do MST Celso Barbosa
e Célia Aparecida Lourenço –
que foram perseguidos pelos pistoleiros durante
o ataque - permanecem sob ameaça. É
essencial que sejam tomadas medidas para garantir
sua segurança e evitar novo assassinato.
A transnacional Syngenta
Seeds deve ser responsabilizada pelos fatos
ocorridos.
Apesar de conhecer a questão
agrária brasileira, em que a atuação
das milícias privadas no campo é
uma das maiores causas da violência
contra trabalhadores rurais, a Syngenta contratou,
pagou e determinou que uma “empresa de segurança”
atacasse os trabalhadores acampados no Campo
Experimental em que a transnacional desenvolvera
experimentos ilegais até março
de 2006, admitindo o risco de que ocorressem
violações de Direitos Humanos.
A tragédia ocorrida
no último domingo não foi o
primeiro ato de violência dos seguranças
contratados pela Syngenta. Em dezembro de
2006, quando proprietários rurais organizados
pela Sociedade Rural do Oeste do Paraná,
agrediram militantes do MST em Cascavel, funcionários
da empresa Syngenta foram reconhecidos entre
os agressores. No dia 20 de julho no assentamento
Olga Benário, localizado ao lado da
fazenda experimental da Syngenta, famílias
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) foram gravemente ameaçadas
por “seguranças” fortemente armados,
contratados pela referida empresa multinacional.
Conforme depoimento no Boletim de Ocorrência
registrado na Delegacia de Santa Tereza do
Oeste, sob o n° 108/07, “seguranças
da empresa Syngenta invadiram seu terreno,
e lá permaneceram por mais ou menos
uns quarenta minutos”. Segundo relatos dos
agricultores, estes indivíduos efetuaram
disparos de arma de fogo de grosso calibre
durante a noite, sendo que ameaçaram
inclusive crianças do local. Relataram
ainda que os “seguranças” apontaram
e até mesmo engatilharam as armas de
fogo contra a senhora CARMÉLIA PADILHA
PEREIRA (conforme cópia do boletim
de ocorrência que segue em anexo). Ao
final, atiraram contra uma bandeira do MST,
e a levaram embora como forma de intimidar
as famílias.
Organizações
de Direitos Humanos denunciaram este fato
e a Polícia Federal realizou uma operação
em que chegou a ser presa, sob acusação
de porte de armas e munições
ilegais, uma das proprietárias da empresa
de Segurança, srª Maria Ivanete
Campos de Freitas. Um inquérito policial
(383/07) foi instaurado para apurar os fatos.
Conforme informação da Policia
Federal, assinada pelo Delegado José
Alberto de Freitas Iegas, “a maioria das pessoas
contratadas pela empresa NF não têm
capacitação/autorização
para atuarem como seguranças particulares,
agindo assim na ilegalidade, e, inclusive,
conforme consta nos depoimentos dos integrantes
do Movimento Sem Terra, vários deles
vem incorrendo no crime de Porte ilegal de
arma de fogo”. (Ofício 062/07 – GAB/DPF/CAC/PR
de 20 de setembro de 2007).
Ainda assim, a transnacional
continuou utilizando os serviços da
NF Segurança e pagando para que a mesma
ameaçasse os trabalhadores rurais da
região. A contratação
de milícias privadas configura a formação
de grupos paramilitares e é vedada
pela Constituição Federal em
seu artigo 5º, inciso XVII, além
de configurar crime de formação
de bando ou quadrilha.
Assim, esperamos que o Estado
brasileiro tome as providências cabíveis
para punir a empresa Syngenta Seeds, para
que crimes como este não permaneçam
impunes.
Associação
Brasileira pela Reforma Agrária - ABRA
Ação Brasileira pela Nutrição
e Direitos Humanos – ABRANDH
CEAP Centro de Educação e Assessoramento
Popular
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
– CONIC
Centro de Justiça Global
Fala Preta
FASE - Solidariedade e Educação
FIAN Brasil
Terra de Direitos
ISA, Fernando Mathias.