28 de Outubro de 2007 -
Luana Lourenço - Repórter da
Agência Brasil - Rio de Janeiro - No
segundo trecho da entrevista à Agência
Brasil, o economista Ignacy Sachs defende
que no Brasil, como nos outros países,
o crescimento econômico tem de ser aliado
da sustentabilidade
social e ambiental.
Sachs se afirma favorável
à produção dos biocombustíveis
a partir da agricultura familiar e avalia
que há “diferenças colossais”
entre o modelo que opte pelo dendê e
o que se baseie na soja, por exemplo. Para
ele, o Estado precisa definir critérios
e políticas que empurrem a atividade
no rumo “virtuoso” e não no “perverso”.
Agência Brasil: Em
países em desenvolvimento, como o Brasil,
o crescimento econômico pode ser aliado
de medidas socialmente sustentáveis?
Ignacy Sachs: Tem que ser. Não é
possível continuar crescendo aqui de
maneira a marginalizar ainda mais os agricultores
familiares, por exemplo. Nós temos
que nos dar conta que há dois grandes
desafios a enfrentar: as mudanças climáticas
e o déficit crônico de oportunidades
de trabalho recente. E não podemos
nos dar o luxo de sacrificar um no altar do
outro.
ABr: Como enfrentar esses
desafios no caso brasileiro?
Sachs: Por exemplo, sou muito favorável
à produção dos biocombustíveis
a partir da agricultura familiar, mas não
posso perder de vista o fato de que é
bem possível que isso caminhe pelo
caminho oposto, via produção
a partir da soja, e não de dendê,
por exemplo. As diferenças sociais
seriam colossais. Portanto, no momento de
definir planos, de tomar decisões,
cabe ao Estado definir critérios e
adequar instrumentos de políticas públicas
que empurrem a coisa no caminho virtuoso em
vez de deixar que se façam no caminho
perverso.
ABr: Como o governo brasileiro
está se saindo nesse contexto?
Sachs: A posição do governo
me parece positiva, mas é preciso botar
o bloco na rua. A mensagem é essa:
já que se quer realmente caminhar no
bom caminho, é preciso não perder
tempo demais, porque os outros, aqueles que
preferem o caminho perverso, estão
atrás de uma oportunidade econômica
enorme. O problema vai se definir nos próximos
anos.
ABr: O empresariado vem
demonstrando um empenho cada vez maior no
desenvolvimento sustentável. Há
outros tipos de interesse por trás?
Sachs: Primeiro, há uma certa distância
entre o discurso e a realidade. Segundo, empresas
que pensam em longo prazo deveriam considerar
seriamente tanto a dimensão ambiental
quanto social porque o seu negócio
pode, da noite para o dia, periclitar [estar
em perigo] tanto por uma quanto por outra
causa.
Para as empresas que dependem,
por exemplo, de abastecimento de madeira,
a existência de um poderoso movimento
dos sem-terra não pode não mudar
a maneira de pensar deles; e não é
por acaso que, quase todas as companhias de
papel e celulose no Brasil estão hoje
se abrindo à idéia de contratos
de fomento aos pequenos agricultores familiares.
Mesmo que não seja mais barato, a questão
é ponderar os riscos de uma exclusão
social, por exemplo. Portanto, uma empresa
que quer trabalhar no longo prazo tem que
cuidar de evitar riscos ambientais e sociais
que podem comprometer seu trabalho. Há
um raciocínio de compromissos.
Fora isso, pode haver certo
compromisso com o futuro do país, com
o futuro da nação; não
vamos simplificar os problemas tratando as
empresas como "feras". É
óbvio que no Brasil a gente tem que
abrir a discussão com as empresas e
testar até onde elas estão dispostas
a ir na boa direção. É
preciso utilizar as três ferramentas:
incentivos fiscais, medidas administrativas
e o diálogo.
ABr: É possível
falar em perspectivas para concretização
dessa proposta de desenvolvimento que contemple
as três dimensões – social, ambiental
e econômica?
Sachs: Em alguns lugares, em alguns momentos,
isso já está acontecendo; não
é uma visão puramente abstrata.
Não dá para ter esse nível
de generalidade e dizer: acontece ou não
acontece. São diretrizes a partir das
quais a gente deve analisar situações
concretas e quase sempre se chega à
conclusão que não existe preto
nem branco, existem inúmeras quantidade
de matizes cinzentas. Essa é a realidade.
+ Mais
Para economista, desenvolvimento
exige tripé econômico, ambiental
e social
28 de Outubro de 2007 -
Luana Lourenço - Repórter da
Agência Brasil - Rio de Janeiro - Considerado
um dos maiores pensadores do desenvolvimento
sustentável no mundo, o economista
polonês Ignacy Sachs é categórico
na defesa da ampliação dos aspectos
sociais na perspectiva do chamado desenvolvimento
sustentável.
"Precisamos ser triplamente
ganhadores, nos âmbitos social, ambiental
e econômico", avalia Sachs, diretor
do Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo
na École de Hautes Études en
Sciences Sociales, em Paris, na França.
Na sua avaliação, a redução
das emissões de gases do efeito estufa,
considerados causadores do aquecimento global,
não pode ser feita visando somente
retornos econômicos: "É
possível aliar projetos que reduzam
carbono com projetos sociais. Não é
alugando florestas que vamos resolver o problema".
O economista falou à
Agência Brasil durante a primeira reunião
do Painel Intergovernamental sobre Mudança
do Clima (IPCC, na sigla em inglês)
na América Latina, que reuniu membros
do painel e ambientalistas no Rio de Janeiro
nas últimas quinta e sexta-feira (25
e 26).
Agência Brasil: Desenvolvimento
sustentável é só uma
questão ambiental?
Ignacy Sachs: Não. Eu prefiro falar
de um desenvolvimento socialmente includente
e ambientalmente sustentável e, ainda,
economicamente sustentado. Como um tripé:
aspectos ambientais, sociais e econômicos.
ABr: Falta valorizar a parte
social nesse tripé?
Sachs: Não que esteja faltando. Mas
existe o perigo do lado ambiental ser dissociado
do lado social porque, do ponto de vista da
eficiência energética, da emissão
de gases do efeito estufa, podemos ter os
mesmos efeitos para modelos sociais totalmente
diferentes. Para mim esse modelo social não
é indiferente. Vamos recolocar no debate
não só os impactos ambientais,
mas os contextos sociais nos quais o desenvolvimento
deve acontecer.
ABr: Está em curso
uma mudança de paradigmas na discussão
de desenvolvimento sustentável?
Sachs: O ponto de partida é que se
considera – por razões erradas – que
a única coisa que realmente vale é
o crescimento econômico e o resto segue.
A tomada de consciência ecológica
serviu para mostrar que as coisas não
eram assim, que o econômico não
pode ser discutido abstraído dos impactos
ambientais, porque podemos ter um crescimento
predatório, comprometer o futuro etc.
Portanto, o debate ambiental serviu para mostrar
os limites do economicismo.
Do outro lado, simetricamente,
estão os impactos sociais. Quando a
gente coloca a problemática social,
outra vez mostra os limites do economicismo.
Eu diria que – no campo das idéias
– o que está acontecendo desde começo
dos anos 70 é uma superação
do economicismo por meio do reconhecimento
da importância dos impactos ambientais
e sociais.
Quando só se fala
dos ambientais, eu grito: calma! Quando me
encontro com grupos de sociólogos que
só vêem o social, eu digo: não
esqueçam o ambiental. Nós temos
que reequilibrar o debate e nos dar conta
do fato de que a solução verdadeira
é aquela que permite avançar
simultaneamente nas três dimensões:
no social, no ambiental e no econômico.
ABr: A quem cabe executar
ações para alcançar esse
equilíbrio?
Sachs: Cabe a todos. Temos que reconhecer
o papel importante do Estado desenvolvimentista,
mas devemos, ao mesmo tempo, procurar que
o processo de desenvolvimento seja negociado
e pactuado entre todos os protagonistas, ou
seja, é uma negociação
quadripartite: Estado, empresários,
trabalhadores e sociedade civil organizada.