Mudanças
propostas para o Código Florestal quanto
à recuperação de áreas
degradadas da reserva legal colocam em risco
a manutenção de serviços
ambientais essenciais para a sociedade e os
sistemas produtivos
Brasília, 31 de outubro de 2007 — A
contribuição do plantio de espécies
exóticas visando à restauração
de ecossistemas naturais nos biomas brasileiros
para compor as áreas de reserva legal
é praticamente nula para a conservação
da biodiversidade. Essa é a conclusão
de um estudo realizado por cientistas da Conservação
Internacional (CI-Brasil) compilado na 5ª
edição da revista eletrônica
Política Ambiental. Em “Áreas
recuperadas com vegetação exótica
contribuem para a conservação
da biodiversidade?”, os pesquisadores avaliam
uma série de trabalhos que mostram
a incapacidade das culturas de plantas exóticas
em proteger a biodiversidade.
A motivação
da análise foi uma recente proposta
de alteração do Código
Florestal brasileiro que objetiva permitir,
a proprietários rurais que não
têm em suas terras a reserva legal exigida
por lei, o uso de espécies exóticas
para a recuperação de áreas
degradadas. Reserva legal é um instrumento
incluído na legislação
ambiental brasileira que diz que parte da
propriedade rural não pode ser desmatada
e dever ser mantida para proteção
da vegetação nativa e, consequentemente,
da biodiversidade. O Código Florestal
(Lei 4.771/65) define o tamanho da área
de reserva legal conforme a região
onde a propriedade se localiza.
Função social
– De acordo com a constituição
brasileira, toda propriedade rural no país
tem que cumprir sua função social,
destaca Ricardo Machado, diretor do programa
Cerrado Pantanal da CI-Brasil e um dos autores
do estudo. Ele lembra que isso acontece a
partir de um conjunto de fatores, que vão
desde o aproveitamento racional da propriedade
e o respeito às relações
de trabalho visando ao bem-estar humano até
a utilização correta dos recursos
naturais disponíveis e a preservação
do meio ambiente. “A reserva legal é
uma forma de garantir a sustentabilidade econômica,
social e ambiental da propriedade. Assim,
a idéia é usar menos a terra
para poder usá-la sempre”, explica.
A preservação
ambiental nas propriedades rurais também
é preconizada na Lei de Política
Agrária, que em vários artigos
menciona a necessidade de proteção
do meio ambiente e recuperação
ambiental de áreas degradadas. Para
Machado, a proposta de mudança no Código
Florestal, que possibilitaria ao dono de uma
propriedade rural com passivo ambiental lançar
mão do plantio de espécies exóticas
para a recuperação da área,
vem dificultar que aspectos essenciais da
função social da propriedade
sejam cumpridos. “A experiência mostra
que áreas com exóticas pouco
contribuem para a manutenção
da biodiversidade. Isso só faz sentido
se o objetivo é recuperar áreas
degradadas com finalidade puramente econômica”.
Literatura nacional e global
– Ao longo do ensaio, os autores citam estudos
que avaliaram a riqueza de espécies
da fauna nativa comparando diferentes ambientes,
segundo a presença ou ausência
de vegetação exótica.
Em 1996, um trabalho sobre a ocorrência
de aves na região do rio Doce em Minas
Gerais em remanescentes nativos, eucaliptais
com sub-bosque nativo e eucaliptais limpos
revelou que poucas espécies da fauna
nativa conseguem sobreviver em monoculturas
de eucalipto. Segundo o estudo, espécies
mais exigentes e geralmente consideradas indicadoras
da qualidade ambiental desaparecem dessas
áreas, onde a perda de espécies
chega a 67%. Dois anos depois, estudo semelhante
no Parque Estadual do Rio Doce apontou que
apenas 22 das 149 espécies de insetos
e aranhas presentes na mata nativa sobrevivem
nos eucaliptais.
No Cerrado, pesquisa realizada
em 2000 comparando o número de espécies
de aves no cerrado nativo e em áreas
de pastagens mostrou que 78% das espécies
não ocorrem nos ambientes artificiais,
que também registraram apenas três
das 10 espécies endêmicas. Estudos
em plantios de cacau na Indonésia e
no sul da Bahia indicam que a perda da biodiversidade
nos cultivos – incluindo os sistemas agroflorestais
– é significativa, com uma redução
de cerca de 60% das plantas nativas. “Uma
menor riqueza de espécies em ambientes
artificiais pode ser responsável por
uma maior incidência de pragas, pois
as populações de predadores
também são reduzidas”, alerta
Machado. “Espécies que sobrevivem em
monoculturas sem serem controladas pelos predadores
naturais podem acarretar sérios prejuízos
econômicos”.
Sustentabilidade ambiental
– Os autores do estudo chamam a atenção
para o fato de que a mudança proposta
no Código Florestal não irá
resolver o principal problema da agropecuária
brasileira: a insustentabilidade ambiental.
“O Código Florestal é uma legislação
completa e moderna. Sabemos que ele ainda
não é cumprido em muitas partes
do país, mas não por isso devemos
afrouxar a lei e ceder aos interesses puramente
ruralistas, da produção a qualquer
custo”, esclarece Paulo Gustavo do Prado Pereira,
diretor de Política Ambiental da Conservação
Internacional e também autor do estudo.
Para ele, a reserva legal cumpre os objetivos
definidos na legislação brasileira
quando é totalmente composta por ecossistemas
originais. “Sem fiscalização
e monitoramento, entretanto, a propriedade
deixa de cumprir sua função
social e não garante o desenvolvimento
sustentável brasileiro. Para o melhor
cumprimento da lei, o poder público
tem que aprimorar esses processos e identificar
mecanismos financeiros que estimulem o proprietário
a enquadrar-se na lei, como por exemplo, via
pagamento pelos serviços ambientais
prestados à sociedade por meio da reserva
legal”.
A Conservação
Internacional (CI) foi fundada em 1987 com
o objetivo de conservar o patrimônio
natural do planeta - nossa biodiversidade
global - e demonstrar que as sociedades humanas
são capazes de viver em harmonia com
a natureza. Como uma organização
não-governamental global, a CI atua
em mais de 40 países, em quatro continentes.
A organização utiliza uma variedade
de ferramentas científicas, econômicas
e de conscientização ambiental,
além de estratégias que ajudam
na identificação de alternativas
que não prejudiquem o meio ambiente.
A Conservação Internacional
tem sede em Belo Horizonte-MG. Outros escritórios
estão estrategicamente localizados
em Brasília-DF, Belém-PA, Campo
Grande-MS e Salvador-BA. Para mais informações
sobre os programas da CI no Brasil, visite
www.conservacao.org
+ Mais
Lançada em São
Paulo a Aliança pela conservação
do Cerrado
Foi lançada hoje,
no Clube Transatlântico em São
Paulo, a Aliança BioCerrado, que objetiva
atuar na conservação do Cerrado
brasileiro via a adoção de boas
práticas de uso sustentável
dos recursos naturais do bioma. A iniciativa
representa um esforço coletivo entre
o setor privado e organizações
não-governamentais para implantar um
programa de atividades coordenadas para conservar
a biodiversidade, garantir a manutenção
e resgatar os serviços ambientais,
além de promover padrões de
sustentabilidade ambiental para os negócios
no Cerrado. Lançada inicialmente pela
Conservação Internacional (CI-Brasil),
Bunge e Oréades, a Aliança BioCerrado
tem como filosofia agregar o maior número
possível de empresas, ONGs e comunidades
locais que trabalhem pela conservação
do bioma.
Por reunir representantes
de setores com grande influência no
Cerrado, a Aliança BioCerrado vai além
de um simples fórum de discussão
sobre o uso dos recursos naturais, voltando-se
a projetos de campo que integram conservação
a atividades produtivas.
Considerada a savana tropical
mais rica do mundo, com até 12 mil
espécies de plantas, o Cerrado é
também a principal região agrícola
do país, concentrando 35% da produção
nacional. A extensa transformação
do bioma para atividades produtivas, no entanto,
fez com que poucas paisagens se mantivessem
intocadas. Mais de 55% da área original
do Cerrado já foi desmatada e somente
5,5% de seus remanescentes estão sob
algum tipo de proteção. “Qualquer
estratégia de conservação
da biodiversidade e dos recursos naturais
deve, necessariamente, envolver os proprietários
rurais e empresas do setor privado que atuam
na região, já que as áreas
protegidas públicas não são
suficientes para conservar os hábitats
remanescentes”, destaca o diretor do Programa
Cerrado-Pantanal da CI-Brasil, Ricardo Bomfim
Machado.
Para Renato Moreira, da
Oréades, a parceria da ONG com empresas
do agronegócio credita as ações
que buscam sustentabilidade perante os produtores
rurais, os quais são fundamentais para
manter em boa qualidade os recursos naturais
do Cerrado.
Entre os objetivos da Aliança,
pode-se destacar o planejamento da paisagem,
considerando as diferentes formas de uso do
solo e sua harmonização com
a conservação da fauna e flora
em áreas consideradas prioritárias
para a manutenção da biodiversidade
e conservação dos mananciais.
A Aliança BioCerrado deverá
promover também projetos voltados para
o apoio à criação e à
sustentabilidade de áreas protegidas
públicas e privadas, incentivos e treinamentos
para a implementação de melhores
práticas de uso do solo e cumprimento
da legislação ambiental em terras
privadas.