Após protesto de
trabalhadores rurais, Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
(Incra) cria força-tarefa para vistoriar
assentamentos cancelados no Pará. A
pressão dos movimentos sociais garantiu
acordo entre o Ministério Público
Federal no Pará e o
Incra para reverter a liminar que interditou
107 assentamentos no oeste do estado. Pelo
menos 100 deles estão na área
de influência da BR-163 (Cuiabá-Santarém),
cujo Plano de Sustentabilidade prevê
prioridade para a regularização
fundiária.
O Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
(Incra) prometeu colocar 24 equipes em campo
até o final de dezembro, com o objetivo
de regularizar os projetos de reforma agrária
cancelados no oeste do Pará. Esse compromisso
é efeito da ordem judicial que impugnou
107 assentamentos na região. A anulação
dos projetos foi pedida em agosto pelo Ministério
Público Federal (MPF), ao constatar
que eles foram criados sem licenciamento ambiental
e sem infra-estrutura para atender aos trabalhadores
rurais.
Os projetos paralisados
localizam-se nos municípios paraenses
de Alenquer, Altamira, Aveiro, Belterra, Curuá,
Faro, Itaituba, Jacareacanga, Medicilândia,
Monte Alegre, Novo Progresso, Óbidos,
Oriximiná, Pacajá, Palcas, Portel,
Prainha, Rurópolis, Santarém,
Senador José Porfírio, Terra
Santa, Trairão e Uruará.
Para que as áreas
recebam a licença ambiental, o Incra
terá de apresentar o que já
deveria estar pronto antes de criá-las:
o relatório agronômico e o parecer
técnico operacional sobre a viabilidade
de exploração eficiente das
terras (análise com laudo agronômico,
imagem de satélite georreferenciada,
planta de localização, mapa
de áreas de prioridade biológica
e mapa de classes de capacidade de uso das
terras). É só com esse respaldo
técnico que, em tese, um assentamento
poderia existir.
Também verificaram-se
outras irregularidades, como a assinatura
de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
entre o Incra e a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente do Pará, para licenciar com
mais rapidez a exploração madeireira
dentro de projetos de reforma agrária.
O TAC permitia a aprovação de
projetos de exploração madeireira
nos assentamentos mesmo sem o licenciamento
ambiental. “Os assentamentos foram criados
sem que houvesse qualquer preocupação
do Incra com as comunidades, para que efetivamente
pudessem ocupar e viver dignamente nas áreas,
mas trabalhava-se para que o setor madeireiro
pudesse explorar a floresta”, define o Procurador
da República, Felipe Fritz Braga, em
entrevista ao jornal Liberal do Pará.
Foi registrada, ainda, a
sobreposição de áreas,
com incidência sobre espaços
destinados a populações tradicionais,
Unidades de Conservação, zonas
de amortecimento e Unidades de Conservação
de proteção integral, em que
é vedada qualquer ocupação
humana.
O pedido do MPF se referia
a 99 assentamentos – PAs (projeto de assentamento),
PACs (projeto de assentamento coletivo) e
PDSs (projetos de desenvolvimento sustentável)
criados em 2005 e 2006 –, mas a Justiça
Federal decidiu suspender 107. O número
inclui os mais antigos, criados sobre Unidades
de Conservação (UCs), e também
aqueles assentamentos que já existiam
mas, com a implantação das várias
Unidades de Conservação no início
de 2006, acabaram sobrepostos por alguma UC.
A lista também inclui UCs que são
tratadas ilegalmente pelo Incra como assentamentos,
ou seja, os ocupantes são beneficiados
com programas governamentais destinados a
beneficiários da reforma agrária.
Em agosto, antes da medida
judicial, a situação já
havia sido denunciada publicamente pelo Greenpeace,
em um relatório sobre a criação
de assentamentos-fantasma para exploração
de madeira no Pará. O documento revela
que o esquema servia apenas para exploração
de madeira na região, já que
muitos dos assentamentos criados só
existem no papel e não têm nenhum
morador.
De acordo com a Procuradoria
da República do Pará, a Ação
Civil Pública, que cancelou em caráter
liminar os assentamentos, tem a função
de garantir respeito aos direitos dos trabalhadores
rurais e a sustentabilidade ambiental na reforma
agrária do estado: “É um passo
importante para acabar com essa reforma agrária
fictícia que estava se instalando na
região, beneficiando apenas a indústria
madeireira”, disse o Procurador Marco Antonio
Delfino de Almeida, do município paraense
de Altamira.
Articulação
dos movimentos sociais
Com o TAC e os assentamentos
suspensos, até que o Incra regularize
a situação, foi colocado em
prática um plano de ação
com um cronograma que deixa para o final os
assentamentos voltados para a produção
madeireira.
Os agricultores familiares,
que reclamavam dos prejuízos com a
interdição, já que as
famílias ficarão impedidas de
receber os créditos da Reforma Agrária,
agora acreditam em bons resultados. Segundo
a coordenadora da Federação
dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri)
Regional Baixo Amazonas, Maria Rosa Silva
de Almeida, houve intensa negociação
para que os assentamentos sejam liberados
de forma escalonada, regularizando, prioritariamente,
as áreas em que há presença
evidente de comunidades locais, ou seja, onde
existam grupos beneficiados com o Programa
Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera), focos de conflitos
fundiários ou populações
tradicionais.
A vistoria do Incra será
acompanhada por representantes do MP e de
sindicatos de trabalhadores. “De 15 em 15
dias, a reunião será menor,
apenas para uma avaliação geral.
A cada 30 dias, porém, o Incra e o
Ministério Público se reunirão
com as lideranças para analisar o trabalho
de forma mais completa e para definir mudanças
na estratégia, se necessárias”,
diz Maria Rosa.
Improbidade Administrativa
Além da anulação
dos projetos, a Ação Civil Pública
também levou ao afastamento de cinco
dirigentes da Superintendência Regional
de Santarém por improbidade administrativa,
durante investigação sobre assentamentos
e favorecimento de madeireiros. O caso inclui
irregularidades como a criação,
no município de Monte Alegre, dos PACs
Cauçu e Balança – considerados
como um só assentamento porque cada
lote tem cerca de 50 hectares, metade da média
estabelecida em projetos de reforma agrária
– e PAs Terra Preta e Olho D’água –
ainda menores, com 34 hectares por família.
Metas de assentamento
As metas de assentamento
referem-se ao número de famílias
de trabalhadores rurais que serão beneficiadas
com o programa federal de Reforma Agrária
no ano. De acordo com o Incra, são
definidas em função da demanda
e das alternativas regionais de obtenção
de terras, por desapropriação,
compra e venda, incorporação
de terras públicas etc. Para cumprir
as metas estipuladas pelo governo federal,
cada estado deve aplicar esforços para
aumentar o número de beneficiários.
Como conseqüência, cada um desses
beneficiários tem direito a R$ 9.800,00
de crédito-instalação.
A demarcação de terras é
simplificada, por exemplo, quando não
há necessidade de desapropriação.
E sem o devido acompanhamento da aplicação
dos créditos, os recursos públicos
podem servir para beneficiar fantasmas, como
estava acontecendo no Pará.
Assentamentos têm
de estar no Plano da BR-163
A situação
torna-se ainda mais grave porque dos 23 municípios
com assentamentos cancelados no oeste do Pará,
apenas dois, Portel e Pacajá, estão
fora da área de influência da
BR-163. Ou seja, o restante deveria estar
no Plano de Desenvolvimento Sustentável
da BR-163 e ter garantida, entre outras ações
do governo, a prioridade para organização
fundiária da região. (Veja lista
dos assentamentos cancelados por município,
no final do texto).
A proposta do Plano de Desenvolvimento
Sustentável da BR-163, um conjunto
de políticas públicas estruturantes
e coordenadas para conciliar fortalecimento
econômico e conservação
de recursos naturais ao longo do trecho da
estrada que liga Cuiabá (MT) a Santarém
(PA) a ser asfaltado, era criar assentamentos
de reforma agrária nas modalidades
sustentáveis – tais como projeto de
desenvolvimento sustentável (PDS) e
projeto de assentamento florestal (PAF) –
para conter o avanço de desmatamento
e conflitos fundiários. Mas, apesar
disso, essas regiões não receberam
o apoio necessário para seu desenvolvimento.
Para diminuir os impactos
sociais e ambientais da pavimentação,
o governo definiu como prioridade, na área
de influência da BR-163, a promoção
de ações para ordenamento territorial,
regularização fundiária,
implantação de obras de infra-estrutura,
pesquisas, fiscalização, criação
de Unidades de Conservação e
apoio à agricultura familiar e a práticas
sustentáveis de exploração.
Do processo de mobilização
social, organizado para discutir as oportunidades
e riscos associados à pavimentação
da rodovia, formou-se o Consórcio pelo
Desenvolvimento Socioambiental da BR-163,
criado para ser o representante da sociedade
na relação com o governo e acompanhar
propostas, apresentar demandas de conservação
dos recursos naturais e temas de interesse
das populações locais.
Para Rosana Costa, do Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam),
uma das organizações coordenadoras
do Consórcio Socioambiental da BR-163,
criar assentamentos e não dar condições
para o desenvolvimento do projeto é
uma falha histórica. “Mudar as modalidades
não resolve os problemas estruturais.
O que acaba ocorrendo é a concentração
fundiária nos assentamentos, já
que, sem investimentos para manutenção,
o assentado vende o lote.”
O caso dos assentamentos
do Incra é apenas mais uma evidência
de que o governo não deu à região
da BR-163 a prioridade devida. “Se esse é
o resultado do esforço feito no âmbito
do plano podemos prever o pior cenário
para as demais obras do PAC na Amazônia,
onde não houve sequer o cuidado de
elaborar um plano de sustentabilidade. O governo
deveria levar mais a sério a necessidade
de garantir a sustentabilidade da região”,
afirma Adriana Ramos, coordenadora da Iniciativa
Amazônica do Instituto Socioambiental
(ISA).
Apesar de a resolução
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
prever a necessidade de regularização
ambiental dos assentamentos da reforma agrária,
o coordenador do Programa de Política
e Direito Socioambiental do ISA, Raul do Valle,
comenta que são pouquíssimos
os assentamentos licenciados no país.
“Embora a regra exista há mais de 10
anos, não é cumprida. O licenciamento
é necessário para evitar que
sejam criados assentamentos ou projetos de
colonização em áreas
prioritárias para conservação,
para garantir que as normas relativas à
manutenção da reserva legal
e de proteção das matas ciliares
sejam seguidas e, em muitos casos, para se
evitar que os assentamentos sejam criados
em áreas impróprias para o uso
agropecuário, como muitas vezes ocorre,
o que gera prejuízos para os próprios
assentados", conclui.
A dimensão do problema
O debate da reforma agrária
na Amazônia é antigo. A concentração
fundiária na região e o enfrentamento
entre o desenvolvimento econômico do
agronegócio e a preservação
da floresta nativa entram em conflito com
o conceito e a função social
da reforma, que deveria combater o latifúndio,
a grilagem e a exploração ilegal
de madeira, bem como promover a redução
do desmatamento e a valorização
da floresta.
Movimentos sociais argumentam
que o governo confunde reforma agrária
com regularização e reordenação
fundiária. A política de assentamentos
do governo federal não representaria,
então, um programa real de reforma
agrária para o Brasil. A direção
nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST), em matéria publicada
no site da Associação Brasileira
de Organizações Não-Governamentais
(Abong), avalia que “a população
que vive na região amazônica,
desde os povos indígenas até
os camponeses, está num território
onde se gera riqueza utilizada para a acumulação
do capital internacional”. O professor da
Universidade Federal do Pará e pesquisador
do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia,
Aloísio Leal, tem raciocínio
semelhante. "A tarefa produtiva que a
Amazônia cumpre hoje é a de servir
de espaço para que o Brasil reafirme
sua condição de grande exportador
para o mercado mundial", acredita.
Há solução?
O presidente do Instituto
de Terras do Estado do Pará (Iterpa),
José Heder Benatti, defende a criação
de assentamentos estaduais, com a finalidade
de priorizar a propriedade familiar. “A nossa
proposta é fazer a criação
de assentamentos estaduais, solicitando o
reconhecimento pelo Incra, passo cuja importância
está no fato de assegurar que eles
receberão o mesmo tratamento de um
assentamento federal. Ou seja, o assentado
também terá direito às
modalidades de créditos para as áreas”.
Além disso, o Iterpa
espera, com ações conjugadas,
titular, licenciar as atividades agrárias
e discutir a produção agrícola
do imóvel rural. “Busca-se, com essa
política, reduzir a violência
rural, assegurar o direito de propriedade
aos diferentes segmentos sociais, diminuir
o desmatamento e garantir a sustentabilidade
ambiental”.
1. Alenquer: 1.PDS Paraíso;
2.PA Miriti; 3.PA Porão; 4.PA Curumu;
5.PA Camburão II; 6.PA Camburão
I;
2. Altamira: 7.PA Esperança; 8.PDS
Mãe Menininha; 9.PDS Esperança;
10.PDS Brasília (abrange também
Novo Progresso);
3. Aveiro: 11.PDS São Manoel; 12.PA
Urucurituba; 13.PA Daniel de Carvalho l; 14.PDS
Santa Rita; 15.PA Santa Cruz; 16.PA Brasília
Legal; 17.PDS Santa Lúzia; 18.PDS Nova
Integração; 19.PDS Mário
Braule Pinto da Silva; 20.PA Rio Cupari; 21.PAC
Araipá-cupú (abrange também
Rurópolis); 22.PDS Anjo da Guarda
4. Belterra: 23.PAC Bela Terra I;
5. Curuá: 24.PDS Maloca;
6. Faro: 25.PA Itaquera
I;
7. Itaituba: 26.PDS Cocalino; 27.PDS Novo
Paraíso; 28.PDS Nova União;
29.PDS São João Batista; 30.PA
Arixi; 31.PDS Novo Horizonte; 32.PDS Nova
Brasília II; 33.PDS Nova Esperança;
34.PA Miritituba; 35.PA Ypiranga; 36.PAC Araxi;
37.PA São Benedito.
8. Jacareacanga: 38.PDS Laranjal;
9. Medicilândia: 39.PA Paraíso
do Norte; 40.PDS Ademir Federicci;
10. Monte Alegre: 41.PAC Cauçu B e
Balança; 42.PAC Nova Altamira; 43.PA
Muriçoca; 44.PA Vai quem quer; 45.PA
Maripá; 46.PA Terra-preta e Olho d'água;
47.PA Baixão; 48.PA Cristo rei; 49.PDS
Serra-Azul;
11. Novo Progresso: 50.PDS Terra Nossa; 51.PDS
Nélson Oliveira; 52. PDS Jamanxim;
12. Óbidos: 53.PA Repartimento; 54.PA
Cipoal; 55.PA Vale do Açaí;
56.PA Curumu II; 57.PA Mamauru; 58.PA Acomec
(abrange também Oriximiná);
13. Oriximiná: 59.PAC Itapecurú;
60.PAC Ananizal; 61.PAC Monte Muriá;
62.PAC Acomtags; 63.PAC Iripixi;
*14. Pacajá: 64.PA Anapuzinho (abrange
também Anapu); 65.PDS Liberdade; 66.PA
Cupuzal; 67.PA Renascer; 68.PA Terra para
a Paz (abrange também Portel);
15. Placas: 69.PDS Água Preta; 70.PDS
Castanheira; 71.PA Macanã II; 72.PDS
Avelino Ribeiro; 73.PDS Arthur Faleiro; 74.PA
Macanã;
*16. Portel: 75.PDS Liberdade I ; 76.PDS Horizonte
Novo (abrange também Porto de Moz);
17. Prainha: 77.PDS Vila Nova I; 78.PDS Vila
Nova II; 79.PA Curuá;
18. Rurópolis: 80.PDS Milho Verde;
81.PA Paraíso; 82.PDS Cupari; 83.PDS
Divinópolis; 84.PDS Novo Mundo; 85.PA
Campo Verde;
19. Santarém: 86.PDS Renascer II; 87.PAC
Bela Terra II; 88.PAC Bom Sossego;
20. Senador José
Porfírio: 89.PDS Itatá;
21. Terra Santa: 90.PA Jamary; 91.PA Vira
volta; 92.PDS Esperança do Trairão;
93.PA Rio Cigano;
22. Trairão: 94.PDS Água Azul,
95.PA Nossa Senhora de Fátima; 96.PDS
Pimental; 97.PDS Taboari; 98.PDS Boa vista
do Caracol (abrange também Ruropólis);
99.PA Areia; 100.PA Rio Bonito;
23. Uruará: 101.PAC Nova União;
102.PDS Irmã Doroty; 103.PDS Santa
Clara; 104.PAC Ouro Branco I; 105.PAC São
Sebastião do Tutui; 106.PAC Ouro Branco
II; 107.PDS Ouro Branco.
*Nesta lista, divulgada pela Procuradoria
da República, apenas os municípios
de Pacajá e Portel estão fora
da área de influência da BR-163.
ISA, Katiuscia Sotomayor.