12/12/2007 - Durante dois
dias, o auditório do departamento de
Engenharia da centenária Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da
Universidade de São
Paulo, em Piracicaba, recebeu 160 artesãos
que trabalham com fibra de bananeira, vindos
de todo o Brasil. Eles discutiram vários
aspectos do trabalho que fazem, colocaram
os problemas e as dificuldades que enfrentam
e apontaram soluções com vistas
a influenciar políticas públicas
que contemplem este segmento, cuja profissão
ainda não é reconhecida.
Promovido pela Esalq, em
parceria com o ISA e a Associação
Quilombo de Ivaporunduva, o seminário
Da Roça à Arte: perspectivas
de políticas públicas para o
artesanato com fibra de bananeira, foi a última
etapa de um projeto de dois anos e meio que
a escola levou adiante com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), e foco no artesanato de fibra
de bananeira produzido no Quilombo de Ivaporunduva,
no Vale do Ribeira, em São Paulo.
O público, bastante
diversificado, era composto por quilombolas,
pequenos empresários e cooperativas
de artesãos. Divididos em grupos, eles
debateram temas como Pesquisa; Capacitação;
Divulgação; Projetos Tecnológicos;
Sustentabilidade Ambiental; Crédito;
Rede de Comunicação; Legislação.
Experiências de sucesso com grupos artesanais
foram relatadas além de depoimentos
sobre a trajetória de cada um e de
instituições que apóiam
projetos como esses.
Problemas, desafios e soluções
Fungos e brocas que atacam
a matéria-prima - a fibra de bananeira
- problemas com design, comercialização
e de gestão dos grupos foram apontados.
Além destes, também foram lembrados
a falta de crédito para o segmento
artesanal, a falta de infra-estrutura, a necessidade
de capacitar e organizar o grupo e de reunir
as técnicas essenciais para o trabalho
em uma cartilha com instruções
e divulgá-las a todos. O desenvolvimento
de pesquisas e de tecnologias específicas
figuraram na lista das dificuldades.
Os representantes de cada
um dos grupos de trabalho apresentaram as
conclusões, depois comentadas pelos
professores da Esalq, Ademir de Lucca e Maria
Elisa Garavello. A professora Maria Elisa
sistematizou os resultados agrupando-os em
alguns eixos principais;
Um deles se refere a processos,
manuseio e produto. Foram apontados os problemas
com fungos, secagem e armazenagem, passando
pelo manuseio. As recomendações
foram a continuidade da pesquisa para resolver
esses problemas, a elaboração
de um manual técnico de boas práticas
para evitar a infestação de
insetos (veja quadro abaixo com algumas dicas),
e o desenvolvimento de maquinaria e equipamentos
para evitar lesões por esforços
repetitivos (LER). Em relação
ao produto ficou clara a necessidade de se
pensar na questão do design.
No eixo referente à
comercialização, os artesãos
apontaram dificuldades em relação
à matéria-prima e ao produto.
A organização
do grupo também foi debatida, não
só em relação a gestão
(financeira e da produção) mas
também à integração
e ao desenvolvimento de lideranças,
por exemplo.
Outro dos eixos seria a
informação e a comunicação
e as recomendações foram a formação
de uma rede de artesãos e a elaboração
de um site interativo, além da divulgação
e promoção dos produtos no Brasil
e no exterior.
O eixo referente à
Legislação reforçou a
importância do reconhecimento da profissão,
até hoje não regulamentada e
ainda a barreira fitossanitária que
se estabelece em relação ao
artesanato com fibra de bananeira por conta
da sigatoka negra, doença que atinge
os bananais.
Os participantes recomendaram
ainda que as políticas públicas
devem contemplar os segmentos diferenciados
que atuam na produção do artesanato
com fibra de bananeira e enfatizaram a importância
de buscar apoio para crédito e infra-estrutura,
em nível local, estadual e federal.
Aspectos positivos
Na avaliação
da bióloga Raquel Pasinato, assessora
do Programa Vale do Ribeira do ISA, o objetivo
foi alcançado. “Queríamos, a
partir das experiências trazidas pelos
artesãos e grupos participantes, que
do seminário saíssem propostas
de diretrizes e encaminhamentos para a formulação
de políticas públicas que respondam
aos problemas enfrentados por eles e isso
aconteceu”. O seminário gerou uma proposta
de compromisso entre o ISA, a Esalq e a Associação
Quilombo de Ivaporunduva.. “A idéia
é promover um início de conversa
com os órgãos competentes para
levar as propostas de solução
para sanar os problemas do artesanato de fibra
de bananeira, para que sejam incluídas
na pauta de políticas municipais, estaduais
e nacionais”.
Para a assessora do ISA,
merecem destaque as diferentes formas de organização
dos artesãos presentes - desde aqueles
que trabalham individualmente, até
associações, cooperativas e
micro-empresas, e os caminhos percorridos
por cada um para conquistar mercado. Ficou
claro também que as dificuldades enfrentadas
com o artesanato de fibra de bananeira são
comuns entre os artesãos de várias
regiões do Brasil; embora pertençam
a grupos etnicamente diferentes, como é
o caso das comunidades quilombolas. Problemas
com a qualidade da matéria-prima -
fungos e brocas -; infra-estrutura para secagem
e armazenamento de palha e a dificuldade de
comercialização são denominadores
comuns. (veja no final do texto a relação
dos participantes do seminário)
Na opinião da professora
da Esalq, Maria Elisa Garavello, responsável
pela organização do evento,
a troca de experiências entre artesãos
e diferentes grupos e o sucesso de alguns,
dá a dimensão das possibilidades
da atividade artesanal. “O levantamento de
problemas comuns e as possíveis soluções,
as formas institucionais de apoio e ainda
a criação de uma rede de artesãos
que trabalham com a fibra de bananeira, foram
aspectos positivos do evento”, avalia.
Apoios e articulações
Terminada a sistematização,
os representantes do Sebrae Nacional, do Instituto
de Terras do Estado de São Paulo (Itesp),
ligado à Secretaria Estadual de Justiça
e Defesa da Cidadania, a Superintendência
do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco),
ligada à Secretaria do Emprego e Relações
do Trabalho do Estado de São Paulo,
foram convidados a se manifestar sobre as
formas de apoio que poderiam dar à
atividade.
Dulcerlice Cândida
Mascene, do Sebrae, disse que a instituição
poderia colaborar com a universidade para
a realização de pesquisas, na
capacitação, na gestão,
na divulgação do artesanato,
já que essas peças se transformam
em presentes institucionais que o governo
federal leva a representantes de outros países,
e também porque trabalha em articulação
com a Apex ((agência de exportação
do Brasil). Na parte tecnológica, o
Sebrae tem parcerias para desenvolver embalagens
e estão iniciando a indicação
geográfica, procedimento no qual o
artesanato pode ser incluído. O Sebrae
pode ainda aproximar instituições
financeiras de pequenas empresas de artesanato
e também tem como ajudar a rede de
comunicação graças a
uma parceria que mantém com a Fundação
Banco do Brasil para a inclusão digital
dos artesãos e de seus filhos.
A Sutaco, representada por
seu ouvidor, Renan Novaes Domingues, informou
que tem 59 mil artesãos cadastrados
e disse que o órgão poderia
colaborar com a parte da comercialização.
O Ministério do Desenvolvimento
Agrário, representado por Cléa
Venina Mendes Guimarães, pretende dar
apoio na articulação com a Embrapa,
no que se refere à pesquisa, promover
a participação dos artesãos
em feiras e, em articulação
com o Ministério da Ciência e
Tecnologia , atuar no desenvolvimento de novos
projetos tecnológicos. Quanto ao crédito,
Cléa lembrou que o Pronaf é
um caminho que pode ser utilizado pelo artesão
desde que ele seja também um agricultor
familiar e que o ministério tem redes
temáticas e não-agrícolas,
onde o artesão de fibra de banana poderia
ter um representante.
A gerente de Desenvolvimento
Humano do Itesp, Lídia Higuchi Hirao,
informou que o instituto cuida de assentamentos
e de quilombos reconhecidos e atua em quase
todos os temas que foram debatidos, em maior
ou menor escala. E deu ênfase à
Capacitação para elaboração
de projetos e captação de recursos,
ao crédito e também ao apoio
que poderá ser dado caso a proposta
de formação de um Fórum
Técnico prospere.O Itesp também
pode apoiar a rede de comunicação
e a comercialização, com a criação
de um espaço para expor o artesanato
dos quilombolas e assentados.
Os resultados sistematizados
do seminário serão enviados
aos participantes no início de 2008
e então, o próximo passo é
dar seqüência às propostas
colocadas como a realização
de um Fórum técnico entre outras.
Cuidados básicos
A Profa. Maria Elisa Garavello,
da Esalq, deu algumas dicas importantes, durante
o seminário, sobre fungos e insetos
que atacam as fibras e prejudicam o trabalho
dos artesãos.
:: A solução
de óleo de eucalipto com óleo
de canola e sabão de côco utilizada
para prevenir a infestação de
fungos pode dar certo em uma comunidade mas
não em outra, porque o fungo não
é o mesmo em todos os lugares.
:: O óleo de canola
não deve ser usado porque deixa cheiro.
:: O sabão de côco
pode ser substituído por detergente
e funciona na seguinte proporção:
um vidro inteiro de óleo de eucalipto,
um vidro de óleo vegetal, uma colher
de detergente e água para completar
um litro.
:: Se a mistura deu certo,
depois que a fibra secar, tem de ser bem armazenada,
se não, será novamente contaminada.
:: A descontaminação
começa pelo bananal que tem de receber
os tratos culturais adequados.
:: As palhas não
devem ser arrastadas e é preciso zelar
sempre pela limpeza dos lugares de armazenagem
para controlar o processo do início
ao fim.
:: Quanto aos insetos é
bom saber que um caruncho chega a colocar
200 ovos. Portanto, fibra carunchada deve
ser jogada fora e o local deve ser perfeitamente
limpo. Esperar alguns dias para só,
então, usá-lo novamente.
:: Usar apenas jornais limpos,
os velhos podem estar contaminados.
ISA, Inês Zanchetta.
+ Mais
Representantes indígenas
se reúnem para discutir estratégias
para a gestão ambiental em suas terras
09/12/2007 - Os desafios
que envolvem a gestão ambiental em
Terras Indígenas foi o tema do seminário
promovido pelo Projetos Demonstrativos dos
Povos Indígenas (PDPI), ligado ao Ministério
do Meio Ambiente (MMA), que reuniu em Brasília,
de 21 a 23 de novembro, 45 representantes
de organizações indígenas
de 19 etnias da Amazônia e dos estados
do sul, sudeste,e centro-oeste brasileiros.
A gestão ambiental
nos territórios indígenas e
seus desafios foi o principal objetivo do
seminário realizado pelo PDPI em Brasília,
entre 21 e 23 de novembro. Além disso,
foram avaliados o desenvolvimento, os benefícios
gerados pelos subprojetos apoiados pelo PDPI/MMA
e as questões que envolvem os povos
indígenas na gestão dos recursos
naturais e em sua autonomia política,
frente aos diversos fatores que influenciam
diretamente seus tradicionais modos de vida.
A idéia foi debater
a gestão integrada das TIs, no âmbito
do Ministério do Meio Ambiente, sistematizando
experiências desenvolvidas de modo a
criar estratégias de apoio à
atividades de estímulo com essa finalidade.
Todos os subprojetos do PDPI representados
são permeados transversalmente pelo
tema com vistas à conservação
da biodiversidade e ao uso sustentável
dos recursos naturais das TIs, além
de estimular a proteção de saberes
e conhecimentos tradicionais indígenas
sobre o meio ambiente.
O evento contou com a participação
de 45 pessoas, de 19 etnias, da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), de assessores
técnicos de organizações
não-governamentais, técnicos
do PDPI e representantes da KFW/GTZ – a cooperação
técnica e financeira alemã que
apóia o PDPI. Da avaliação
final, participaram também representantes
governamentais - do Ministério do Meio
Ambiente, da Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) e da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
De acordo com relato de
técnicos do PDPI, as condições
socioambientais nas TIs é bastante
diversificada por várias razões:
diminuição das terras originais
ocupadas, acarretando a intensificação
da exploração dos recursos;
aumento populacional em terras que são,
por lei, finitas; substituição
das formas tradicionais de uso de recursos
naturais; pressões externas pelos recursos
existentes nas Terras Indígenas (TIs),
gerando maior exploração, seja
por parte dos próprios índios,
seja por terceiros e, por fim, as novas necessidades
econômicas dos indígenas por
bens de consumo.
Nas plenárias de
discussão, os diferentes subprojetos
apoiados pelo PDPI foram organizados em quatro
linhas temáticas: cultura e conhecimento;
práticas de manejo dos recursos naturais;
práticas agro-ecológicas e proteção
territorial. Dessa forma, a troca de experiências
entre os seus representantes foi facilitada
permitindo maior interação entre
os participantes. Cada grupo respondeu a questões
relacionadas aos principais avanços
e desafios enfrentados e quais as estratégias
que deveriam estar sendo implementadas para
garantir e viabilizar a gestão ambiental
em seus territórios.
Conceito de gestão
ambiental precisa de uma política nacional
O grupo dos assessores discutiu
o conceito de gestão ambiental e concluiu
que por ser bastante amplo, o tema deveria
considerar várias interface como a
própria organização social
dos grupos envolvidos, a identidade étnica,
a apropriação de novas técnicas
adequadas à uma nova realidade, a segurança
alimentar, a manutenção dos
saberes conforme o próprio sistema
tradicional de conhecimentos, o controle de
todas as atividades externas que influenciam
seu território, e acima de tudo, ter
acesso aos recursos naturais e a seus territórios
tradicionais.
Ao final das atividades,
a equipe do PDPI expôs sua preocupação
com o encerramento do projeto previsto para
2010, já que até aquele momento
não havia uma sinalização
de continuidade por parte Governo Federal,
após o encerramento do convênio
entre o programa e o KFW/GTZ. Discutiu-se
também a necessidade de uma política
nacional para a gestão territorial
nas áreas indígenas, com a implantação
e execução de planos de manejo.
Uma das possibilidades seria a criação
de um fundo de apoio à gestão
territorial da TIs, financiado pelo governo,
através do Ministério do Meio
Ambiente.
Contribuições
relatadas pelos projetos
Em relação
às contribuições dos
subprojetos para a Gestão Ambiental
nas TIs, os participantes consideraram alguns
indicadores relacionados principalmente à
valorização dos conhecimentos,
das práticas e dos recursos naturais
tradicionais, o fortalecimento das organizações
locais e a diminuição da pressão
externa sobre os recursos naturais. A geração
de alternativas para a renda sustentada, através
da comercialização de produtos
indígenas com valor agregado, associada
ao desenvolvimento de novas técnicas
de manejo dos recursos naturais, também
foram algumas das contribuições
dos projetos, além da proteção
e recuperação das áreas,
do controle de queimadas, do reflorestamento
das nascentes dos rios que atravessam as TIs
e da segurança alimentar.
Os participantes do seminário
concluíram que os povos indígenas
têm muitos desafios no difícil
caminho da gestão ambiental de seus
territórios. Os mais preocupantes são
os associados à garantia no acesso
a terra e aos recursos naturais e na valorização
dos conhecimentos indígenas. É
necessário também assegurar
assistência técnica especializada
de maneira a contribuir com o protagonismo
indígena por meio do aumento da capacidade
na gestão dos projetos e a garantia
ao acesso aos recursos financeiros.
Outro item importante é
a implementação de escolas indígenas
diferenciadas e das formas tradicionais de
transmissão dos conhecimentos tradicionais
é um dos grandes desafios para garantir
o engajamento dos jovens nas práticas
tradicionais.
De acordo com os participantes,
as estratégias priorizadas para implementar
mecanismos de gestão territorial nas
TIs deveriam procurar adequar a legislação
existente à realidade indígena,
no sentido de implementar um plano de gestão
das TIs, articulada com as prioridades dos
povos indígenas, além da formação
para a gestão política dos seus
territórios.
Experiências deveriam
ser replicadas para outras TIs
O Projeto Monowi, sobre
a recuperação das sementes agrícolas
do povo Kaiabi do Parque do Xingu, é
um exemplo de gestão dos recursos agrícolas,
da mesma forma que outras experiências
como o resgate das variedades de batatas dos
Xavante e a recuperação de sementes
agrícolas do povo Krahô. Os índios
Terena de Mato Grosso do Sul também
estão resgatando parte de seus recursos
agrícolas, abandonados pela política
assistencialista implantada pela Funai a partir
da década de 1970.
Os Kaxinawa da Colônia
27, no Acre, estão abandonando a criação
de gado, reflorestando seu território
e evitando as queimadas. A TI Seringal Independência,
no rio Jordão, no Acre, também
do povo Kaxinawá, foi adquirida com
recursos ganhos em um prêmio internacional.
“Quando ganhei o prêmio, pensei que
se gastássemos tudo, não teríamos
nada no futuro, e foi ai que resolvemos comprar
esta terra”, contou o líder Siã
Kaxinawá.
Outras experiências
bem-sucedidas de gestão territorial
foram relatadas pelos índios Manoki
(Iranxe), do Mato Grosso, que conseguiram
apoio para os trabalhos de identificação
da área reivindicada. Os Wajãpi
, do Amapá, iniciaram um processo de
descentralização e interiorização
das aldeias e os Uru-Eu-Wau-Wau, de Rondônia,
os M’ bya Guarani, de Mato Grosso do Sul e
os Kayapó do Mato Grosso e Pará
estão explorando produtos florestais
não-madeireiros, como o óleo
de copaíba, o palmito e o óleo
de castanha, respectivamente.]
O seminário permitiu
aos povos indígenas exporem os resultados
obtidos com os projetos apoiados pelo PDPI
elegendo prioridades para alcançarem
a gestão ambiental de seus territórios,
partindo de estratégias próprias,
ligadas aos seus conhecimentos e potencialidades.
ISA, Marcus Schmidt.