11/12/2007 - Kyoto completa
uma década de incertezas. Depois da
dúvida sobre o papel da humanidade
no aquecimento global, a falta de compromisso
dos países ricos “deixa no ar” a obrigação
de reduzir a emissão de gases do efeito
estufa. O anúncio do Fundo de
Adaptação pode ser o primeiro
resultado positivo da 13ª Conferência
da Convenção de Mudança
Climática das Nações
Unidas (COP-13), realizada em Bali, na Indonésia.
O Protocolo de Kyoto fez
10 anos, menosprezado pela maioria dos países
que deveriam implementá-lo. O instrumento,
que era cercado de incertezas científicas,
hoje é tomado por incertezas políticas.
Continua sendo, porém, o instrumento
de direito internacional mais forte relativo
às questões socioambientais,
se comparado aos instrumentos (ou a falta
de) da Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB).
O argumento para a não-implementação
do protocolo foi a falta de evidências
empíricas de que o aquecimento era
resultado das atividades humanas – seria um
ciclo natural. Mas, hoje, a dúvida
científica quanto ao papel da humanidade
no aquecimento global já nao é
mais desculpa para não se tomar atitudes.
É a falta de compromisso dos países
que coloca em risco a eficácia do protocolo.
A responsabilidade das atividades
humanas pelo aquecimento global atinge quase
100% de certeza científica. Em compensação,
o compromisso de muitos países industrializados,
em reduzir emissões, não avançou,
impedindo a implementação efetiva
do tratado.
Em meio às comemorações
de aniversário, as discussões
sobre o Acordo Pós-Kyoto refletem o
mesmo cenário: países ricos,
entre os quais Japão e Canadá,
não só obstruem as principais
negociações como propõem
retrocessos. Um exemplo é a sugestão
de remover as metas de redução
do acordo que substituirá o protocolo.
O protocolo
É um tratado internacional
– para a redução da emissão
dos gases que provocam o efeito estufa e,
em consequência, o aquecimento global
– em que se propõe um calendário
de obrigação para os países
desenvolvidos, que têm de reduzir a
emissão em, pelo menos, 5,2% em relação
aos níveis de 11000, no período
entre 2008 e 2012. Com isso, a estimativa
é diminuir a temperatura global.
Os países signatários
devem cooperar para reformar os setores de
energia e transportes; promover o uso de fontes
energéticas renováveis; eliminar
mecanismos financeiros e de mercado inapropriados;
limitar as emissões de metano no gerenciamento
de resíduos e dos sistemas energéticos;
e proteger florestas e outros sumidouros de
carbono.
Aumento de metas
Infelizmente, as metas estabelecidas
no Protocolo são mínimas diante
do que seria necessário, não
havendo muita chance de obter redução
efetiva das emissões globais no primeiro
período de compromisso. Além
de os EUA estarem fora, países em desenvolvimento
não têm metas a cumprir e vários
deles - como China, Índia, Brasil e
Indonésia - estão aumentando
significativamente as suas emissões
desde 11000.
De acordo com o coordenador
da Iniciativa do ISA sobre Mudanças
Climáticas, Márcio Santilli,
“não há outro caminho senão
aumentar as metas de quem as têm e o
nível de compromisso dos que não
as têm”. Ele também crê
que já é possível fazer
uma avaliação ponderada sobre
quem vai - e como - cumprir as metas estabelecidas
no Protocolo.
Estima-se que Grã-Bretanha
e Alemanha vão cumprí-las. Holanda,
Noruega, França e mais alguns têm
chances de participar. Os países do
leste europeu só vão cumpri-las
porque ainda não se recuperaram da
crise dos anos 11000, mas estão com
emissões em forte tendência de
alta. E os demais - Japão, Canadá,
Austrália, Espanha, Portugal e outros
- terão que comprar montes de créditos
no mercado de carbono para "neutralizar"
as emissões acima das respectivas metas,
através dos três mecanismos de
compensação que fazem parte
da regra do jogo.
COP-13
Em Bali, muito mais que
um simples plano de trabalho a ser concluído
até 2009, espera-se definir o que deve
estar na segunda fase do protocolo, como,
por exemplo: compromisso dos países
ricos de reduzir em, no minimo, 40% as emissoes
até 2020; limite de 2 graus Celsius
para o aumento da temperatura – o que gerará
tmbém compromisso para países
em desenvolvimento–; financiamento robusto
para o fundo de adaptação dos
países pobres às mudanças
climáticas; inclusão da compensação
por desmatamento evitado no mercado de carbono;
acesso facilitado a tecnologias de desenvolvimento
responsável e comprometidos com as
próximas gerações.
Nesta 13ª Conferência
da Convenção de Mudança
Climática das Nações
Unidas (COP-13), muitos dos argumentos que
se mantiveram na pauta ao longo dos dez anos
como razão para não se tomar
atitudes concretas caíram. A não-adoção
de metas de redução por parte
dos países em desenvolvimento, por
exemplo, principalmente a China, era o principal
argumento dos EUA para não aceitar
Kyoto.
Mas, em Bali, a China concordou
em adotar metas, condicionadas a investimento
internacional e transferência de tecnologia.
Os Estados Unidos, no entanto, além
de não se comprometerem, seguem obstruindo
as negociações, opondo-se a
discutir a redução de emissões,
o financiamento e a transferência de
tecnologia.
Uma boa notícia
Foi aprovado o texto que
cria o Fundo de Adaptação que
deverá financiar projetos e programas
em países pobres, tendo o Global Environment
Facility (GEF) como secretário-executivo
e o Banco Mundial como fiador (trustee). O
Conselho Diretor do Fundo será composto
por 16 membros, incluindo dois representantes
de cada grupo regional, dois membros de países
do anexo I e dois dos países não-anexo
I.
As decisões serão
tomadas por consenso e, caso isso não
ocorra, deverão ter 2/3 dos votos.
O conselho tem o poder de rever todas as matérias
relacionadas ao fundo, como os arranjos institucionais
propostos pelo GEF e pelo Banco Mundial.
Embora a negociação
do texto tenha sido demorada, com insistentes
tentativas de obstrução pelo
Canadá, a aprovação do
Fundo pode ser considerada uma boa notícia
vinda de Bali.
Para Márcio Santilli,
não deixa de ser surpreendente que
o tratado tenha sido gestado num contexto
em que ainda não havia o mesmo grau
atual de certeza científica sobre as
causas antrópicas do aquecimento global,
sob o princípio da precaução.
“Nunca ensejou providência similar em
relação ao massacre à
biodiversidade e aos recursos naturais em
geral, promovido por esta mesma civilização,
ou em relação à fome,
à desertificação etc.
Porém, está muitíssimo
aquém da ameaça que o aquecimento
global representa para a humanidade”, conclui.
ISA, Henry Novion e Katiuscia Nóra-Sotomayor.