17/12/2007 - Audiência
pública na Câmara dos Deputados
reuniu lideranças para discutir mineração
em terras indígenas. PL que regulamenta
a exploração minerária
em TIs tende a ser o primeiro a garantir a
consulta prévia, prevista na Convenção
169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), que dispõe sobre
o direito dos povos indígenas de se
manifestar quando medidas legislativas ou
administrativas afetarem diretamente seus
territórios ou recursos naturais.
A comissão especial
instalada em novembro na Câmara dos
Deputados para analisar o PL nº 1610/96
do Senado Federal realizou na última
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007, a primeira
de uma série de audiências públicas.
Participaram lideranças indígenas
e entidades representativas, entre as quais
o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi); a Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab); o Instituto Socioambiental (ISA);
a Articulação dos Povos Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo (Apoinme); o Conselho das Aldeias Wajãpi
(Apina); a Associação dos Povos
Indígenas do Oiapoque (Apio); e a Associação
dos Povos Indígenas do Tumucumaque
(Pitu).
O PL regulamenta a exploração
de minérios em Territórios Indígenas
(TIs) que, de acordo com a Constituição
de 1988, “só pode ser efetivada com
autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes
assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei”.
Mineradores X indígenas
O ISA já apresentou
diversas sugestões para o projeto e,
na audiência pública, o coordenador
da Iniciativa sobre Mudanças Climáticas,
Márcio Santilli, destacou um dos principais
pontos negativos do texto, que é o
reconhecimento de processos de concessão
de direitos minerários. Atualmente,
a evolução de tais interesses
sobre territórios indígenas
é crescente. No último levantamento,
de 2005, de 48 mil processos válidos
na Amazônia Legal, mais de 5 mil eram
incidentes sobre TIs.
“Conceder esses direitos
seria uma exceção maior do que
a própria lei, dispensando processos
de concorrência. Com um grande número
de processos incidindo sobre Terras Indígenas,
não haverá possibilidade de
controle do poder público”, ele explica.
A sugestão de Santilli é autorizar
a concessão apenas em situações
concretas e com duas condições
atendidas: a existência de jazida significativa
e a capacidade da comunidade de suportar um
projeto de mineração em escala.
"Sem isso, agravariam-se os impactos
socioambientais, a desagregação
social e as ações predatórias
e criminosas nas regiões atingidas”,
avalia. Além disso, sem considerar
os potenciais geológico e econômico
de cada caso, a atividade poderia trazer mais
problemas do que soluções, pois
concorreria com as atividades tradicionais
(roça, caça, pesca etc.).
No conflito de interesses
entre grandes mineradoras e comunidades afetadas,
a estratégia do movimento indígena
é de discutir a questão da mineração
dentro do Estatuto das Sociedades Indígenas,
que tramita desde 1991 no Congresso e que
seria o instrumento para regulamentar os direitos
dos índios, como a exploração
de recursos naturais. O objetivo é
tentar garantir o atendimento a outros direitos.
Em junho deste ano, por exemplo, um acordo
firmado na Comissão Nacional de Política
Indigenista (CNPI) definiu que o projeto deveria
ser discutido dentro do PL do Estatuto.
Mesmo assim, foi instalada
uma comissão que restringiu o debate
ao PL da Mineração. Se for aprovado,
o projeto – o primeiro em tramitação
avançada no Congresso depois que a
Convenção 169 entrou em vigor
– autorizará a lavra de recursos minerais
em terras indígenas com pagamento de
royalties para os índios.
Édio Lopes (PMDB-RR),
presidente da comissão especial, acredita
que é preciso mesmo tratar a mineração
em uma lei separada. "Há quantos
anos se discute o estatuto? O estatuto é
uma coisa, a exploração mineral
é outra, independentemente de ser em
terra indígena", afirma o deputado.
Ouro não tem semente
As organizações
e comunidades indígenas, em sua maioria,
contestam o projeto, com a justificativa de
que atende apenas aos interesses das empresas
mineradoras e coloca em risco o futuro das
gerações. “Ouro não tem
semente, não. Se acabar, não
há como tirar mais da terra. A gente
não se preocupa só com o presente.
Esse projeto fará com que sejamos extintos",
afirma o representante da Apina, Waikaã.
"No Amapá não há
interesse em explorar esses minérios
e é preciso respeitar quem não
quer mineração em suas terras”.
Simone Vidal da Silva, da
Apio, reforçou essa posição
ao citar o que disse um cacique de sua região:
“Como é que vai ser? A água
será contaminada. Se bebermos a água
do rio, vamos adoecer. Não teremos
mais caça, que ao beber da água
vai morrer. Não teremos mais peixes.
Não teremos mais nada!”.
Mas há divergências.
Algumas etnias alegam que se forem definidas
regras adequadas sobre o tema, onde houver
viabilidade econômica e social , haverá
como evitar conflitos e garantir o desenvolvimento
sustentável das comunidades indígenas.
Tal controvérsia
poderia ser solucionada na discussão
do Estatuto, que, de acordo com o relator
da comissão especial da Câmara,
deputado Eduardo Valverde (PT-RO), é
prioridade.“O interesse que deve ser protegido
é a defesa das minorias e a questão
econômica é secundária.
O fato de a comunidade querer ou não
a mineração em suas terras pode
interromper o procedimento, garantindo o direito
de resistência dos povos afetados. Mas
a definição sobre a mineração
deve ocorrer logo, já que a soberania
do Estado deve ser defendida caso haja interesse
estratégico nacional”, diz ele, convencido
de que é possível conciliar
os interesses. “O Estado não pode é
ficar ausente de tomar essa decisão.
Para nós a terra é fator de
produção, enquanto que para
o índio é fator de existência,
e isso deve ser abrigado pelo Estatuto”.
Consulta prévia
A deputada Bel Mesquita
(PMDB-PA) acredita que “como o subsolo pertence
à União, sem regulamentação
que defenda os interesses de quem está
sobre a terra, o desafio é garantir
os direitos dos indígenas sem perder
as riquezas brasileiras”. Para garantir esses
direitos, o processo deve seguir para consulta
às comunidades indígenas afetadas,
que devem expressar sua opinião sobre
a oportunidade e as condições
nas quais poderia ser realizada a atividade
minerária em suas terras.
Mas não há
definição nem planejamento formal
para a consulta prévia. O presidente
da comissão, Edio Lopes, informou,
apenas, que grupos de parlamentares irão
colher opiniões de lideranças
indígenas ao redor do Brasil e no exterior
(Austrália e Canadá) para estudar
exemplos e verificar os resultados de diferentes
experiências.
Para a advogada do Programa
de Política e Direito Socioambiental
(PPDS) do Instituto Socioambiental (ISA),
Ana Paula Caldeira Souto Maior, é fundamental
a aplicação do direito de consulta
prévia da Convenção 169.
“Esse direito não pode ser confundido
com a simples coleta de informações
e subsídios em audiências públicas
ou visitas in loco. A consulta prévia
sobre o projeto de lei deve ser feita por
meio de organizações representativas
dos povos indígenas afetados, e não
por indivíduos, e de forma adequada
à realidade dos povos indígenas
a serem consultados”.
Apoio ao estatuto
No dia seguinte ao da audiência,
representantes da CNPI e outras organizações
indígenas se reuniram com o Presidente
da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia
(PT-SP) - para pedir apoio à tramitação
do Estatuto -, que se comprometeu a analisar
o o caso de acordo com o regimento interno
da Câmara. Ele também frisou
a importãncia de os índios discutirem
as formas como a mineração pode
ocorrer, pois este assunto terá de
ser enfrentado pelos deputados, dentro ou
fora do estatuto dos povos indígenas.
ISA, Katiuscia Nóra-Sotomayor.