17 de Dezembro
de 2007 - São Paulo, Brasil — Artigo
de Sérgio Leitão, diretor de
Políticas Públicas do Greenpeace,
sobre a necessidade de revermos a política
brasileira de desenvolvimento para não
repetir os erros do passado.
Três décadas
e meia separam os anos de 1972 e 2007. Mas,
no que diz respeito ao Brasil, elas estranhamente
se aproximam. Em 1972 se realizou a I Conferência
Mundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo,
Suécia. A questão ambiental
estava longe de merecer o destaque dos tempos
atuais. O Brasil do regime militar se fez
presente ao evento para afirmar o direito
de alcançarmos o mesmo padrão
econômico dos países desenvolvidos,
mesmo que à custa da destruição
da natureza.
Agora, em 2007, estamos
no meio da Conferência da ONU em Bali
para debater as mudanças climáticas.
O Brasil cobra dos países desenvolvidos,
conhecidos por serem os maiores poluidores,
que façam primeiro a sua parte para
resolver o problema, dizendo que o país
só poderá fazer a sua quando
tiver superado as "assimetrias"
que deles nos separam.
Ora, estamos dizendo o mesmo
que dizíamos em 1972, apenas de uma
forma mais suave, usando a linguagem sutil
dos nossos representantes diplomáticos.
Isso não elimina o gosto amargo de
que estamos fazendo uma ponte com o passado
que julgávamos enterrado. É
importante lembrar que, entre 1972 e 2007,
elaboramos uma nova Constituição,
inserimos o meio ambiente como tema central
na agenda nacional e sediamos a Eco-92, nas
quais foram assinadas as Convenções
do Clima e da Biodiversidade.
Como justificativa desse
discurso retrô, falam da necessidade
de não se travar o crescimento econômico
do país, a geração de
riqueza e o fim da pobreza. Ou seja, voltamos
a falar, como nos anos 70, que só dá
para melhorar a vida dos brasileiros se fizermos
o bolo crescer (metáfora usada pelo
Ministro da Fazenda Delfim Netto no governo
do Presidente Médici).
Dessa forma, de novo, o
meio ambiente irá pagar a conta. Se
já consumimos uma Mata Atlântica
inteira e metade do Cerrado, agora será
a vez da Amazônia ser triturada no liquidificador
do desenvolvimento nacional.
Não deixa de ser
estranho que não falemos das assimetrias
que separam, por exemplo, os estados de São
Paulo e Ceará, os bairros paulistanos
do Jardim Ângela e Jardim América,
que precisam e podem ser superadas não
apenas com a aceleração do crescimento,
mas fundamentalmente, com a aceleração
da distribuição da riqueza já
existente e da que está por ser criada.
Se temos tido algum progresso,
está longe de nos tirar do incômodo
posto de 10º pior país do mundo
em desigualdade de renda, dentre os 177 pesquisados
pela ONU em seu Relatório de Desenvolvimento
Humano (RDH), de 2007, intitulado "Combate
à mudança do clima: solidariedade
humana em um mundo dividido", lançado
em fins de novembro, em Brasília.
Pela primeira vez conseguimos
ficar entre os 70 países de maior Índice
de Desenvolvimento Humano no mundo (somos
o 70º), graças ao aumento da renda
per capita do brasileiro de US$ 8.325 para
US$ 8.402 e da taxa de expectativa de vida
que cresceu de 70,8 para 71,7 anos. Porém,
as nossas taxas de distribuição
de renda e de mortalidade infantil continuam
africanas. "Os brasileiros mais ricos
têm renda até 21,8 vezes maior
que os mais pobres... O índice de mortalidade
infantil é de 99 por mil nascimentos
entre os 20% mais pobres do Brasil",
declarou Flávio Comim, assessor especial
do Pnud no Brasil (Correio Braziliense, 28/11/07,
página 18/Mundo).
Isso sem falar no flagelo
da violência que assola as grandes cidades,
no desastre da educação que
nos faz passar vergonha em avaliações
internacionais que medem a qualidade dos nossos
estudantes, na volta do trabalho escravo e
na manutenção do estado de beligerância
no meio rural em razão dos conflitos
fundiários.
Aliás, para quem
acha que destruição ambiental
rima com crescimento econômico, é
bom saber que ela rima melhor com violência.
O Mapa da Violência dos Municípios
Brasileiros, divulgado em 2006, mostra que
"entre as dez cidades mais violentas
do país, quatro estão no arco
do desmatamento da Amazônia", onde
não existe a presença do governo
e a força das frentes avançadas
do capitalismo predatório podem se
movimentar livremente. (ver Almanaque Brasil
Socioambiental, Instituto Socioambiental,
2008, página 388).
Além disso, os benefícios
advindos com o desmatamento da Amazônia
são meteóricos, posto que os
ganhos iniciais de renda e emprego não
se sustentam e não se refletem na melhoria
da qualidade de vida da população
amazônica, naquilo que o pesquisador
Adalberto Veríssimo, do Imazon, chama
de falso desenvolvimento econômico –
o "boom-colapso".
Desse modo, é significativo
que o Relatório da ONU volte suas atenções
para o tema das mudanças climáticas,
pois se todos sofrerão com o seu advento,
é certo que os mais pobres sofrerão
mais.
Portanto, o Brasil tem o
seu dever de casa para fazer, que é
o de preparar o país para enfrentar
o principal desafio político e econômico
do mundo no século 21. Precisamos elaborar
a nossa Política Nacional de Mudanças
Climáticas para apontar as diretrizes
que nortearão os rumos do país
e para superar a velha dicotomia que insiste
em opor crescimento econômico versus
meio ambiente.
A urgência das mudanças
climáticas pede outra atitude. É
disso que o país e os brasileiros precisam.