20 de Janeiro de 2008 - Débora
Xavier - Repórter da Agência Brasil
- Brasília - O consumo de álcool é
um fenômeno preocupante e crescente entre
as populações indígenas do
país. O diagnóstico é feito
pelo gerente do Projeto Vigisus II da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma,
que também alerta: o problema é de
de difícil solução. De acordo
com ele, o combate ao alcoolismo, fenômeno
que ocorre na grande maioria das etnias indígenas
brasileiras, é uma das prioridades do projeto,
que integra o Programa de
Saúde Mental da Funasa.
“Nós iniciamos as atividades
para conhecer a realidade da saúde mental
indígena a partir de 1999 - mais intensamente
quando a Procuradoria Geral da República
solicitou que a Funasa resolvesse os problemas de
alcoolismo na população indígena
no Rio Grande do Sul. A partir daí, foram
feitas uma série de discussões para
entender o problema. Chegamos a uma conclusão:
não é possível fazer uma intervenção
no alcoolismo nas populações indígenas
sem entender o significado que o consumo de álcool
tem para as diversas etnias. Qual a extensão
do problema e a situação epidemiológica”,
afirmou Coloma.
O trabalho de combate ao alcoolismo
se concentrou em sete dos 34 Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (Dseis) nos quais os
índices eram mais preocupantes – Guarani
(RS), Kaigang (PR), Pankararu (PE), Guarani Kaiowa
e Nhandeva (MS), Tremembé (CE), Karajá
e Javaé no região do Araguaia (TO,
MT, GO), e Tikuna da região do Rio Alto Solimões
(PA).
Para diminuir os índices
de consumo de álcool nas comunidades indígenas,
o Projeto Vigisus programa intervenções
orientadas pelos próprios indígenas.
“Em uma reunião com pajés
no Rio Grande do Sul, ficou decidido que para ajudar
os jovens se livrar do vício teriam que chamar
alguns 'mensageiros'”.
“Esses mensageiros trazem a palavra
de um deus que se chama Ianderu que fala a toda
a comunidade. Ele dá conselhos e fala do
modo bom de viver. E nesse modo bom de viver não
está incluído o álcool”, disse.
Segundo Coloma, o acesso a bebidas
alcoólicas é fácil em todas
as aldeias do país, o que não difere
muito das outras comunidades brasileiras. Contudo,
nas cidades, existe uma oferta de álcool
bastante diversificada.
“Temos cerveja, com baixa concentração
alcoólica, de 5 a 6 graus, temos consumo
de vinho e de outras bebidas fermentadas até
12 graus. Nas comunidades indígenas, o grande
consumo é de bebidas destiladas, especialmente
a cachaça”, disse.
Para Coloma, o modo de beber é
o diferencial mais marcante entre índios
e a população em geral. “Entre os
indígenas, a ingestão é coletiva.
Se há uma festa comunitária, todos
têm que beber. Se há uma garrafa, duas,
dez, mil garrafas, tudo tem que ser bebido”, disse.
De acordo com ele, o Ministério
da Saúde proibiu a venda de álcool
líquido nas aldeias. Só é permitida
a venda do álcool na forma de gel. “Não
resolveu o problema, pois eles usam o produto como
se fosse uma geléia que se passa no pão”,
afirmou.
Outros fatores ainda contribuem
para o alcoolismo indígena. “Além
do baixo custo, há também todo um
contexto social de problemas que, sem dúvida,
afetam a situação da sociedade indígena.
A difícil solução de alguns
deles, como a defesa de suas reservas, o contato
com as sociedades externas faz com que os jovens
comecem a consumir álcool”.
Comona afirma que não há
embasamento científico para argumentar que
o alcoolismo entre os indígenas seja uma
questão étnica.
“Não há como dizer
que é uma propensão genética.
O que se sabe é que certas etnias possuem
dificuldades para metabolizar o álcool consumido.
O processo seria mais demorado e por isso o efeito
seria mais forte”, afirmou.
Para o gerente da Funasa, o que
deve interessar aos pesquisadores e técnicos
de saúde indígena é o valor
simbólico da bebida. “Por que aí sim,
temos como intervir. Independentemente de haver
uma causa biológica, o importante é
trabalhar com a causa simbólica por que o
que a nós interessa é uma solução
para o problema”, disse.
Ele ressaltou ainda a importância
de trabalhar a prevenção e evitar
que as pessoas tenham contato com o álcool
tão precocemente.
Além do alcoolismo, outras
patologias também são tratadas no
Projeto Vigisus. Carlos Comona afirmou que o perfil
epidemiológico da grande maioria das patologias
mentais indígenas ainda é muito pouco
conhecido.
“Muitas são de origem neurológicas,
no entanto, para caracterizá-las como doença
mental é difícil, segundo o que a
psiquiatria moderna define como categoria patológica”,
afirmou.
"Isso não quer dizer
que podemos negar que também entre os indígenas
existam neuroses, psicoses”, afirmou. Mas a configuração
dessas doenças, segundo o especialista, não
é a mesma das culturas não-indígenas.
+ Mais
Suicídio e alcoolismo entre
jovens levam lideranças indígenas
ao debate
20 de Janeiro de 2008 - Débora
Xavier - Repórter da Agência Brasil
- Brasília - Lideranças políticas
e espirituais das 26 comunidades indígenas
dos Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul, irão
se reunir com os jovens dessas etnias para debater
assuntos como problemas, anseios e dificuldades
da juventude. Mais de 100 pajés irão
participar da mobilização, chamada
de Vamos Proteger os Nossos Jovens, que acontecerá
em meados de fevereiro. As duas comunidades registram
altos índices de suicídio e alcoolismo
entre a população mais jovem.
Para o gerente do Projeto Vigisus
II da Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), Carlos Coloma, o evento será "uma
grande escuta coletiva".
O projeto, em parceria com a Organização
das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (Unesco), desenvolve intervenções
nas áreas de saúde mental, promoção
da medicina tradicional e vigilância nutricional,
envolvendo treinamento de recursos humanos, estudos
e pesquisas, produção de material
educativo e publicações técnico-científicas.
Carlos Coloma explicou que o jovem
indígena, assim como os de outras comunidades,
enfrenta uma série de problemas e necessita
de apoio. Segundo ele, as raízes da grande
incidência do alcoolismo nas populações
indígenas já são bem conhecidas.
No entanto, as razões que levam aos suicídios
ainda são bastante nebulosas.
Para Coloma, o desconhecimento
e a falta de estatísticas e informações
sobre o fenômeno do suicídio não
são impedimentos para que agentes públicos,
comunidades e famílias busquem evitar a repetição
desses acontecimentos.
“Nós acreditamos que, ainda
que continuemos não conhecendo melhor a arquitetura,
como se cria esse processo, essa vontade de morrer,
de se matar, é preciso apoiar os jovens das
comunidades indígenas onde se verifica grande
número de mortes”, afirmou.
Como em qualquer outra sociedade,
ele afirmou que é preciso evitar que os jovens
indígenas se sintam sozinhos. “Eles necessitam
de alguém com quem conversar, falar de seus
sentimentos, de seus problemas, de suas preocupações.”
De acordo com Coloma, o suicídio
é decorrência de uma multiplicidade
de fatores, sociais, econômicos e emocionais.
“O que nós encontramos, especialmente nas
comunidades Kaigang e Guarani do Mato Grosso do
Sul, é uma coexistência de problemas,
uma série de dificuldades, uma grande perda
de território, uma grande restrição
de mobilidade da população que é
tradicionalmente nômade, uma grande ruptura
entre as gerações, com uma consequente
quebra de valores, de modos de vida, que em geral
significa crise. Além da crise da adolescência,
uma crise de valores culturais”, ressaltou.
A forma como os indígenas
lidam com as emoções constitui-se
em um componente a mais para incitar os jovens à
morte. “São tão intensos alguns sentimentos,
como por exemplo, a vergonha que pode levá-los
a se matar diante um vexame público, uma
humilhação. Essa reação
é pouco comum em outras culturas, mas na
indígena é muito significativa”, explicou.
Coloma salientou, contudo, que
o fenômeno do suicídio é bastante
complexo e não pode ser tratado levianamente,
tampouco banalizado.
“Como a cultura indígena
é intensamente espiritualizada, para tentar
compreender o suicídio entre eles, teríamos
que falar sobre a crença nos espíritos
e como eles são afetados por essas entidades.”
Para Coloma, a reunião
de fevereiro é apenas o primeiro passo de
um longo caminho a ser percorrido na compreensão
do alto índice de suicídio entre os
jovens Kaigang e Guarani, do Mato Grosso do Sul.