21 de Janeiro de 2008 - Beth Begonha
- Repórter da Rádio Nacional da Amazônia
- Brasília - A possibilidade de contaminação
por doenças infecto-contagiosas dos indígenas
que vivem sem contato com a sociedade no Vale do
Javari (AM) representa motivo de preocupação,
afirma o coordenador do Departamento
de Índios Isolados da Funai, Elias Biggio.
Isso porque o local concentra o maior número
e a maior diversidade de grupos de índios
isolados do país. Dos 69 grupos conhecidos
pela Fundação Nacional do Índio
(Funai), 16 estão no Javari.
Em entrevista ao programa Amazônia
Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia,
Biggio explicou que povos isolados são aqueles
que não mantêm contato regular com
a sociedade. Atualmente, a política da Funai
é a de não tentar aproximação
com esses grupos e uma das razões principais
é justamente o risco de transmissão
de doenças.
"Hoje não fazemos
contato [com as populações isoladas]
porque vimos quanto é nefasto e problemático”,
explica. “Sempre que se fazia contato havia muitas
mortes. Os sertanistas e indigenistas se sentiam
vitoriosos quando 50% do grupo contatado morria.”
Muitas etnias brasileiras desapareceram
por causa de doenças como gripe, sarampo
e varíola. Há vários casos
registrados de povos exterminados após receberem
como presente, roupas, tecidos e cobertores que
pertenciam a pessoas contaminadas. Sem nenhuma defesa
no organismo, os indígenas sofrem com os
efeitos devastadores das doenças.
Para Elias, a situação
no Vale do Javari é complicada. Ele recomenda
que, em caso de contato dos isolados com não-indígenas,
seria necessária uma imediata operação
conjunta da Funai e da Fundação Nacional
da Saúde (Funasa). “Temos de estar alertas
para uma eventual situação de contato,
porque aí teremos de imunizar esses índios.
É uma operação que necessita
de extremo cuidado. Precisaremos de uma equipe multidisciplinar
para que eles possam fazer a vacinação,
que levará um longo tempo”, diz.
Segundo Elias, grupos de índios
isolados têm mantido contato esporádico
com povos contatados como os Matís e Kanamari.
A Funai considera o fato preocupante. “O problema
da aproximação entre índios
contatados [pela Funai] e índios isolados
é que esses índios hoje são
portadores de determinados vírus, como o
da gripe, que pode ser fatal para os não-contatados”,
informa.
Para Elias, seria necessário
fazer um cinturão de vacinação
das populações que vivem em torno
dos povos isolados, que se estenda até a
Tabatinga, a 33 quilômetros de Atalaia do
Norte, cidade mais próxima da entrada da
área indígena: “Além dos grupos
do Vale do Javari, todo mundo tem de estar vacinado,
inclusive a população ribeirinha que
vive no entorno deve estar também com as
vacinas em dia para que os índios não
levem as doenças para o interior do Vale
do Javari”.
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Meningite mata duas crianças
no Amazonas e índios reclamam de falta de
orientação da Funasa
21 de Janeiro de 2008 - Beth Begonha
- Repórter da Rádio Nacional da Amazônia
- Brasília - Duas crianças da comunidade
indígena de Matís morreram por causa
de meningite. De acordo com o coordenador do Conselho
Indígena do Vale do Javari (Civaja), Clóvis
Marubo, que acompanhou as crianças ao hospital
no final de 2007, a causa da morte já foi
notificada à Fundação Nacional
de Saúde (Funasa), que ainda não repassou
as informações à comunidade.
“Essa notificação
foi feita pelo médico do Hospital de Guarnição
do Exército de Tabatinga, que é referência.
Para nós foi dito que a morte teria acontecido
em função disso. Inclusive o documento
foi enviado à coordenadora técnica
[da Funasa], por isso estou divulgando. O documento
está com a Funasa mas ela não repassa
pra nós. Só que eu estava presente.”
Clóvis reclama da falta
de transparência na divulgação
dos dados relativos à saúde da população,
tanto com relação ao diagnóstico
de doenças quanto a causa da morte dessas
pessoas. Entre os dias 23 de dezembro de 2007 e
8 de janeiro deste ano, morreram nove pessoas, cinco
das quais, crianças.
“O que nós do Civaja estamos
divulgando é que morreram essas pessoas,
agora, os dados sobre a causa da morte, a Funasa
não repassa pra nós. Os índios
se revoltam por isso: os índios estão
doentes, mas nunca sabem, e as mortes também,
nunca é explicado do que a pessoa morreu.
Isso fica sob controle da Funasa e eles não
informam pra gente, porque eles não querem
que a gente divulgue, que a gente informe nada:
morreu, morreu e a gente tem que se conformar com
isso.”
Além do alto índice
de contaminação pelos vírus
do tipo B da hepatite, dos inúmeros casos
de malária, e do aparecimento da meningite,
o coordenador afirma ter um relatório da
Funasa que aponta contaminação, pelo
agente causador da tuberculose, da população
que vive nas 24 aldeias localizadas no alto Rio
Ituí. Três pessoas já teriam
morrido em função da doença.
“Já faleceram três
pessoas, ao meu conhecimento, de tuberculose. E
a partir desse momento nós tivemos a preocupação
de consultara Funasa. Eles disseram que 80% das
pessoas estão contaminadas.”
Segundo ele, a contaminação
já teria chegado a outra área da Terra
Indígena, o alto Rio Curuçá,
disseminando a doença entre a população.
A tuberculose e a meningite são
doenças de alto poder infeccioso e de fácil
contágio. O hábito cultural dos índios
de morar em malocas facilita a contaminação,
já que várias famílias dividem
a mesma casa e ambos os agentes causadores são
transmitidos por via aérea, por meio da respiração.
De acordo com o representante
do Civaja, há muita preocupação
entre os moradores da região porque apesar
de já possuir a informação
das mortes causadas por essas doenças, a
Funasa não tem plano de vacinação
ou tratamento imediato daqueles que estão
com tuberculose nas aldeias.
Clóvis Marubo afirma ter
tido muita dificuldade para conseguir ter acesso
aos documentos com o resultado dos exames e ressalta
que não há nenhum doente em tratamento
nas aldeias.
“Esse pessoal que está
com tuberculose não foi tratado. Esse levantamento
foi feito no início de 2007 e somente agora
os documentos foram entregues, em função
de nós fazermos muita cobrança."
"Somente três pessoas
estão em tratamento, aqui em Atalaia do Norte,
na Casa do Índio. Mas isso porque passaram
mal, foram trazidas pra cá. Aqui na cidade
se fez o diagnóstico e essas estão
sendo tratadas. Dos que fazem parte do relatório
feito nas aldeias, nenhum está em tratamento”,
concluiu o representante do Civaja.