19 de Janeiro
de 2008 - Alex Rodrigues* - Enviado especial - Wilson
Dias/Abr - Manaus (AM) - Ministro extraordinário
de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira
Unger, a superintendente da Suframa, Flávia
Skrobot Barbosa Grosso, e o ministro da Cultura,
Gilberto Gil, reúnem-se com empresários
para discutir estratégias de desenvolvimento
para a Amazônia.
Manaus - Ao encerrar ontem (18) sua visita de quatro
dias à Amazônia, o ministro extraordinário
de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira
Unger, destacou a importância de transformar
em ações concretas as intenções
esboçadas em seu projeto de desenvolvimento
econômico sustentável para a região.
Acompanhado por uma comitiva de
secretários ministeriais, cientistas e representantes
de órgãos do governo, além
do ministro da Cultura, Gilberto Gil, que participou
dos dois últimos dias da viagem, Mangabeira
recolheu todo tipo de reivindicações
e queixas locais, mas não explicou em nenhum
momento como poderão ser incorporadas às
propostas que já trazia no início
da viagem.
Segundo o ministro, há
um esforço por parte do governo para transformar
a Amazônia em prioridade nacional. O ministro
garante que não irá descartar ações
anteriores, como as prescritas no Plano Amazônia
Sustentável (PAS).
“O país começa a
acordar para a centralidade da Amazônia na
definição do futuro nacional. Começa
a compreender que a região não é
retaguarda, mas sim vanguarda, um laboratório
onde precisamos e podemos construir políticas
públicas e instituições que,
adaptadas, terão relevância para todo
o país.”
Na entrevista que concedeu à
Agência Brasil durante o retorno a Brasília,
Mangabeira negou a autoria de algumas propostas
polêmicas como a construção
de um aqueduto para transportar água da Amazônia
para o semi-árido brasileiro e a extensão
do modelo de organização do setor
produtivo com isenções fiscais adotado
na Zona Franca de Manaus.
Confira abaixo os principais trechos
da entrevista.
Agência Brasil: A população
da região amazônica conheceu o ministro
Mangabeira e o Núcleo de Assuntos Estratégicos
(NAE) da Presidência da República.
Eles podem contar com o desenvolvimento do trabalho
iniciado com sua visita à região?
Roberto Mangabeira Unger: Ao assumir a tarefa de
ajudar a propor e debater um novo modelo de desenvolvimento
nacional, um modelo baseado na ampliação
de oportunidades econômicas e educativas,
me convenci de que esse trabalho só avançará
se for traduzido em iniciativas concretas. Medidas
que antecipem o rumo que o país busca. Nenhuma
dessas iniciativas é mais importante que
aquelas a respeito da Amazônia, um espaço
privilegiado em que o país pode revelar a
si mesmo. Converti-me a esta causa e, agora, quero
ajudar a converter meus concidadãos, já
que esta é uma causa que pode esclarecer,
comover e transformar o Brasil.
ABr: E quais serão os próximos
passos deste trabalho?
Mangabeira: Temos de dar prosseguimento a este trabalho
de três maneiras. Em primeiro lugar, preciso
relatar ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e aos demais ministros o que ouvi e fiz até
agora para, assim, receber orientação
sobre o que fazer. Em segundo lugar, precisamos
chegar a um entendimento com todos os governadores
e organizações sociais da Amazônia.
Em terceiro lugar, precisamos identificar algumas
ações concretas que exemplifiquem
e antecipem esta iniciativa.
ABr: E que ações
seriam estas?
Mangabeira: As grandes diretrizes desta proposta
já estão esboçadas. Já
tenho uma visão de quais possam ser, mas
preciso discuti-las com a equipe de governo e com
os governadores. Já avancei muito ao divulgar
um texto [o documento Projeto Amazônia – Esboço
de Uma Proposta, texto de 17 páginas escrito
pelo próprio ministro e distribuído
a algumas autoridades e parte da imprensa] para
provocar e organizar a discussão, mas que
ainda não representa a posição
oficial do governo. Não seria correto descrever
essas ações sem antes tê-las
acertado com o presidente e com os governadores.
ABr: A viagem ao Amazonas e Pará
acabou ganhando um amplo destaque por conta da controvérsia
em torno de uma suposta declaração
sobre a construção de um aqueduto
para transportar água da região para
o semi-árido nordestino. Qual foi sua real
proposta?
Mangabeira: Eu não fiz essa proposta de construir
um aqueduto. Agora, as falsas controvérsias
precisam ser aproveitadas como oportunidades de
esclarecimento. Além do que, é preciso
distinguir o periférico do central. No projeto,
a questão central é o zoneamento econômico
ecológico da Amazônia baseado na solução
das questões fundiárias e na definição
de estratégias econômicas distintas
para as diferentes partes da região.
ABr: Mas em seu texto, o senhor
trata da indisponibilidade de água em um
local enquanto na Amazônia o recurso “potencialmente
aproveitável” estaria sobrando. E embora
coloque que seriam necessárias novas maneiras
de conceber e de construir aquedutos para transportar
o líquido de onde tem para onde falta, defende
que é necessário olhar para além
das tecnologias já existentes.
Mangabeira: Ao discutirmos a questão da água,
que ocupa um lugar subsidiário no texto que
divulguei, eu disse que temos de resolver o paradoxo
de que na região que concentra 20% de toda
a água doce do planeta, falta água
confiável para os habitantes. Temos de resolver
esse problema com tecnologias já disponíveis.
Só depois, em uma outra etapa, usar tecnologia
ainda a desenvolver para que a Amazônia possa
participar da solução dos problemas
da água no semi-árido brasileiro.
ABr: Então o senhor não
afastaria a hipótese de construção
de um aqueduto?
Mangabeira: Não é eficiente transportar
água de uma região para a outra com
as tecnologias hoje existentes. Teríamos
de desenvolver outras tecnologias. Volto a insistir,
vamos distinguir o que é central do que é
secundário. Porque conversar sobre isso se
há um tema muito mais importante, que é
a tecnologia florestal? Um dos grandes temas discutidos
é a organização prática
do uso controlado e sustentado da floresta. Precisamos
desenvolver uma tecnologia apropriada para nossas
florestas e dar forma jurídica para a gestão
comunitária das florestas. Só assim
teremos alternativas ao controle estatal das florestas
de um lado, e a entrega às grandes empresas
de outro.
ABr: E qual a proposta neste sentido?
Mangabeira: Na Amazônia já desmatada
nós temos a oportunidade de não repetir
os erros de nossa formação histórica,
a chance de organizar um modelo econômico
diferente do modelo instaurado nas Regiões
Sul e Sudeste no século 20. Um modelo que
associe o Estado aos pequenos produtores e que vincule
diretamente às vanguardas e às retaguardas
do setor produtivo.
ABr: E para as áreas ainda
preservadas?
Mangabeira: Na Amazônia florestada, devemos
dar seqüência prática ao manejo
controlado e sustentável da floresta. A grande
diretriz e a ambição que inspirou
esse projeto foi o compromisso de combinar a intenção
produtiva com a preservacionista, promovendo a inclusão
social. Ninguém faz isso sem reconstruir
as instituições.
ABr: Para as áreas já
desmatadas, o senhor defende um modelo igual ao
da Zona Franca de Manaus?
Mangabeira: Esta foi outra falsa controvérsia.
A Zona Franca é uma resposta singular a uma
circunstância singular. Nada indica que faça
sentido repetir sua fórmula em outras partes
da Amazônia. Há aí, porém,
um outro tema, este sim relevante. Não só
para a Amazônia como para todo o país.
A Zona Franca é um experimento admirável.
Não é apenas um conjunto de montadoras,
ela abrange empreendimentos avançados.
ABr: Mas houve críticas
no sentido de que ela não serviria aos pequenos
produtores locais?
Mangabeira: A questão aí é
como empreendimentos avançados podem produzir
máquinas e bens que empreendimentos mais
atrasados possam assimilar. Ou seja, estabelecer
um vínculo entre a vanguarda e a retaguarda
produtiva. Na região, precisaríamos
estabelecer esse vínculo de maneira a qualificar
o manejo controlado e sustentado da floresta, com
a qualificação tecnológica
e organizacional das empresas urbanas. Sobretudo
das pequenas empresas, para que elas aproveitem
produtos da própria floresta na produção
de soluções e máquinas da própria
indústria florestal. Aí sim, teríamos
uma revolução simultaneamente produtiva,
ambiental e social na Amazônia.
ABr: E como tornar isso possível?
Mangabeira: Temos a consciência de que a causa
da Amazônia não avançará
como pleito regional, mas somente como um projeto
nacional.
O repórter viajou em avião da Força
Aérea Brasileira (FAB)