30/01/2008 - Com registros atípicos
de desmatamento em dezembro,
dados geram polêmica dentro do governo e protestos
em Mato Grosso. Ministério da Agricultura
(MAPA) se exime da responsabilidade ao alegar que
o cultivo da soja não tem interferência
na devastação da Amazônia, mesmo
com a constatação, pelo IBGE, de que
12, dos 36 municípios listados como os que
mais desmataram, tiveram aumento de área
plantada.
Na tarde da última quinta-feira,
dia 24, uma reunião ministerial de emergência,
convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, discutiu medidas para fortalecer a fiscalização
nos locais de desmatamento considerados mais críticos.
O susto veio com o último registro do sistema
Detecção do Desmatamento em Tempo
Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), que aponta o desmate atípico
de 1.922 km² em novembro e dezembro de 2007,
em um total de 3.235 quilômetros quadrados
na Amazônia (que pode chegar ao número
real de 7 mil km²) entre agosto e dezembro.
Durante cerca de duas horas, o
presidente tratou do assunto com os ministros Marina
Silva (Meio Ambiente), Reinhold Stephanes (Agricultura),
Nelson Jobim (Defesa), Sérgio Rezende (Ciência
e Tecnologia), Dilma Rousseff (Casa Civil), Tarso
Genro (Justiça) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento
Agrário), além do diretor-geral da
Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa.
O resultado foi o anúncio
de um conjunto de ações integradas
para reverter o quadro de desmatamento registrado,
que não vai muito além da tentativa
de colocar em prática o Decreto Federal nº6321/07,
publicado no final do ano passado.
O Decreto
Além de regras mais rígidas
de controle, como o recadastramento fundiário
obrigatório de todos os imóveis rurais
situados nos municípios que mais desmatam,
o decreto pune quem comprar produtos oriundos de
áreas ilegalmente desmatadas. As empresas
que comprarem produtos agrícolas desses proprietários
rurais serão consideradas co-responsáveis
pelo desmatamento e poderão ser punidas com
sanções e multas até a suspensão
de suas atividades comerciais.
Os imóveis rurais que não
forem recadastrados, no prazo a ser definido, não
terão acesso a crédito público,
não poderão fazer nenhuma transação
que envolva o imóvel – como venda, arrendamento,
desmembramento, transmissão em herança
ou oferecimento em garantia –, e não obterão
novas autorizações de desmatamento.
As propriedades embargadas por desmatamento ilegal
– que compreende a derrubada da floresta em mais
de 20% do imóvel e/ou nas áreas de
preservação permanente – serão
incluídas em uma lista pública.
A decisão atinge diretamente
36 municípios no Amazonas, Pará, Mato
Grosso e Rondônia, (conforme mostra o mapa
ao lado), listados pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA) depois do anúncio dos dados
referentes aos últimos cinco meses do ano
passado, com base nos critérios definidos
pelo Decreto nº 6231/07:
I - área total de floresta
desmatada; II - área total de floresta desmatada
nos últimos três anos; III - aumento
da taxa de desmatamento em pelo menos três,
dos últimos cinco anos.
A polêmica
Entretanto, desta vez, os números
divulgados pelo Inpe geraram protestos. No dia seguinte
ao anúncio feito pelo governo em 23 de janeiro,
e em seguida à divulgação da
lista dos 36 municípios que mais haviam desmatado,
segundo o Inpe, a grita foi geral especialmente
no Mato Grosso. Os prefeitos desses municípios
contestaram os números e o governador do
MT Blairo Maggi também o fez de forma contundente.
Ele se referiu a erros cometidos pelo Inpe e divulgados
na imprensa, de que o instituto teria superestimado
a taxa de derrubada da floresta entre junho e setembro
de 2007, em comparação com o mesmo
período de 2006.
Enquanto isso, o Instituto do
Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon),
que faz monitoramento utilizando-se de outro sistema,
mas tendo como base as imagens do Deter, do Inpe,
registrou estatísticas diferentes, apontando
menos desmatamento em Mato Grosso e mais no Pará.
Criou-se assim uma polêmica que o governo
tentará resolver de início com checagens
de campo por meio de sobrevôos às regiões
desmatadas acompanhados por equipes no chão.
Dessa forma, nesta quarta-feira, 30 de janeiro,
a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acompanhada
pelo general Enzo Peri, ministro interino da Defesa,
sobrevoará as regiões de Mato Grosso
onde os números indicam que houve mais devastação.
A polêmica gerada, entretanto, não
altera o fato de que há uma tendência
de aumento de desmatamento em curso na região.
Mais um plano integrado
Para tentar frear essa tendência
de alta, o governo lançou também outras
medidas, complementares às já determinadas
pelo decreto, como o bloqueio do financiamento de
bancos oficiais para atividades de pecuária
e agricultura que promovam desmatamento ilegal.
Entre as principais ações extras,
estão:
• Reforço de 800 homens
da Polícia Federal na região para
o combate aos crimes ambientais.
• Fortalecimento do controle da
agropecuária.
• Monitoramento imediato e mensal
das áreas embargadas nos municípios
críticos, por meio de sobrevôos pelas
aeronaves do Sistema de Proteção da
Amazônia (Sipam).
• Ajuda dos governos estaduais
na fiscalização e combate ao desmatamento.
Visão socioambiental
As medidas emergenciais anunciadas
são fundamentais porque focam em soluções
localizadas nas regiões de maior incidência
do problema e estabelecem restrições
e responsabilidades a serem compartilhadas por todos
os agentes econômicos envolvidos com o desmatamento.
Mas, de acordo com Adriana Ramos,
coordenadora da Iniciativa Amazônica do ISA,
a maioria das medidas anunciadas estava prevista
no decreto. E muitas delas também estavam
indicadas no Plano interministerial de Ação
para Prevenção e Controle do Desmatamento
na Amazônia, desde 2004: “O que faltou foi
o engajamento dos outros ministérios. Essas
medidas não serão suficientes para
prevenir novos aumentos se as políticas econômicas
mantiverem os estímulos ao desmatamento.
Para ir além do discurso em prol da conservação
e da sustentabilidade, as políticas de crédito,
os subsídios e a infra-estrutura previstas
para a região devem considerar critérios
de sustentabilidade. Para isso, o engajamento e
o compromisso dos setores econômicos ligados
a todas as cadeias produtivas envolvidas na dinâmica
de desmatamento serão fundamentais. A solução
depende do engajamento dos diversos setores da sociedade,
conforme proposto no Pacto pelo fim do desmatamento
e pela valorização da floresta, lançado
no ano passado por diversas organizações
da sociedade civil ligadas à questões
socioambientais”. Saiba mais sobre o pacto.
Sem controle
Ao sair da reunião com
o presidente Lula, o ministro da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), Reinhold Stephanes, afirmou
publicamente que o Brasil não precisa derrubar
árvores no bioma amazônico para aumentar
a produção agropecuária. Segundo
ele, o País tem terras suficientes para essas
atividades e pode avançar ainda mais em produtividade.
Só não explicou como será possível
promover a agricultura nessas áreas já
abertas.
O Plano de Prevenção
e Controle do Desmatamento na Amazônia, que
há 4 anos prevê uma linha de ação
sob responsabilidade do MAPA para “coordenar ações
integradas do uso agro-econômico das áreas
já desflorestadas” até agora não
foi implementada.
Stephanes declarou ainda que condena
o desmatamento na Amazônia, mas disse duvidar
totalmente que o aumento da derrubada de árvores
na região tenha sido provocado pelo plantio
de soja e ainda ressaltou que a área de soja
no Brasil nesta safra até caiu em relação
aos dois anos anteriores. "Soja não
foi a causa (do desmatamento), pelo menos, em princípio",
reafirmou.
As declarações públicas
do ministro demonstram mais que desconhecimento
sobre o tema, já que tratam-se de áreas
recentemente abertas, nas quais, provavelmente,
ainda não há cultivo estabelecido.
Dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) comprovam que pelo menos
12 das 36 cidades da lista tiveram também
o registro de aumento na área plantada de
soja no biênio 2005 - 2006.
Municípios com os maiores
índices
Segundo dados oficiais, 50% de
3.235 km2 desmatados na floresta na Amazônia,
nos últimos cinco meses de 2007, estão
localizados em 19 municípios do Mato Grosso,
12 do Pará, quatro de Rondônia e um
do Amazonas (conforme pode ser visto no mapa acima).
O Estado do Mato Grosso concentrou 53,5% dos cortes
no período, seguido do Pará, com 17,8%,
e de Rondônia (16%).
Para Assuero Veronez, presidente
da Comissão de Meio Ambiente da Confederação
Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA), em entrevista para a Agência Brasil,
“seria hipocrisia dizer que a expansão da
soja e da pecuária não influenciou
no desmatamento da Amazônia nos últimos
cinco meses de 2007”. Mas ele também disse
que, como houve uma redução significativa
do desmatamento na região nos últimos
três anos, isso não deve retroceder.
Entretanto, a comparação
dos números divulgados no mesmo período
(agosto a dezembro) de anos anteriores, conforme
dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa), comprova a tendência de alta:
O desmatamento começa normalmente ao redor
do mês de maio e dura em média 6 meses.
Só que, em função da duração
e distribuição da estação
seca, os valores podem variar muito antes de serem
consolidados. Mesmo com esse componente sazonal
associado, a comparação dos totais
do desmatamento sazonal dos últimos anos
não descarta o risco de aumento.
Agricultura, pecuária e
floresta
O gráfico abaixo, elaborado
pelo ISA com dados do Centro de Estudos Avançados
em Economia Aplicada da Universidade de São
Paulo compara a variação de preço
de duas importantes commodities amazônicas
(gado e soja) com o ritmo de desmatamento. Com ligeiras
diferenças, a tendência geral de preços
e desmatamento parecem evidentes. No caso da soja
é ainda mais claro, porque ainda que indiretamente,
foi fator determinante nas taxas de desmatamento
observadas entre 2003-04. Neste período de
grande expansão da soja nos entornos amazônicos,
o desmatamento atingiu a sua segunda maior marca
(29.000km2). No caso da carne a correlação
é menos evidente, pois a pecuária
foi e continua sendo o grande vetor de desmatamento,
independentemente do período em questão.
Olhar para o Brasil
O assessor do ISA, Arnaldo Carneiro
Filho, acredita que a solução está
em retomar a dimensão nacional do desmatamento
na Amazônia: “Vale lembrar que a expansão
agropecuária sobre terras amazônicas
não se justifica pela falta de terras agricultáveis
no pais. Segundo dados do MMA-PROBIO o país
acumula um montante aproximado de 2.800.000km2,
principalmente ocupado por pecuária (70%)
e com níveis de produtividade aquém
do potencial. Enquanto o setor não abandonar
a sua lógica patrimonialista de agregar terra
e continuar expandindo com baixo investimento tecnológico,
a demanda perdura. Que tal uma política agressiva
que de maneira proativa e com alcance nacional permita
frear a expansão agropecuária, intensificando
a agricultura em áreas já antropizadas
e aliviando, com isto, a pressão sobre novas
terras?”, propõe.
Altas e baixas do desmatamento
• Na quarta-feira última,
23 de janeiro de 2008, a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, anunciou o desmatamento de 3.235 quilômetros
quadrados na Amazônia nos últimos cinco
meses do ano passado, com base nos dados do sistema
Detecção do Desmatamento em Tempo
Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
• A área real desmatada
nesse período pode chegar a 7 mil km2, mais
que o dobro dos números preliminares, que,
segundo o próprio Inpe, não refletem
a totalidade da devastação ocorrida
na região. Isso se deve às diferenças
entre os dois sistemas de monitoramento da floresta
utilizados, que têm variação
média de 40% a 60%: um é o Deter e
o outro Prodes, Programa de Cálculo do Desflorestamento
da Amazônia, que faz os cálculos definitivos.
• O MMA defende que nos últimos
três anos, houve redução de
59% no desmatamento e que entre agosto de 2006 e
agosto de 2007, foi registrada a segunda menor taxa
de desmatamento anual da história da Amazônia.
Porém, de agosto a dezembro de 2007 houve
um repique significativo nas derrubadas na região
amazônica.
• A previsão de alta já
havia sido detectada em 2007, quando foi registrada
uma aceleração da devastação
entre os meses de julho e setembro, na comparação
com o mesmo período de 2006.
• A retomada efetiva do desmatamento
na região foi admitida no dia do anúncio
pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), por
meio do secretário executivo João
Paulo Capobianco: “Trabalhamos com a pior hipótese”.
Ele, porém, voltou atrás ao declarar,
após reunião com o presidente Lula,
que não era correto afirmar, com os números
dos cinco últimos meses de 2007, que há
um aumento no desmatamento na Amazônia. Seria
necessário analisar o balanço de agosto,
quando se saberá se a queda verificada nos
três anos anteriores será mantida.
ISA, Instituto Socioambiental.