10 de Fevereiro de 2008 - Vladimir
Platonow - Repórter da Agência Brasil
- Rio de Janeiro - A enchente que matou nove pessoas
e deixou 400 famílias
desabrigadas na última semana em Itaipava,
distrito de Petrópolis (RJ), foi agravada
pela devastação do meio ambiente que
a região serrana fluminense vem enfrentando
nas últimas décadas. A opinião
é do geógrafo Ricardo Ganem, que trabalha
na área e atualmente administra a Reserva
Biológica de Araras.
“Todo rio tem uma vegetação
que fixa e protege suas margens. Mas, ao longo dos
anos, essa árvores foram derrubadas, assim
como as existentes nas encostas e nos topos dos
morros, conhecidas como Áreas de Preservação
Permanente (APPs). Nesses locais foram construídas
residências, sítios de veraneio, haras,
indústrias e depósitos de material
de construção. E foram justamente
eles os mais afetados com a tromba d´água.”
A chuva intensa do sábado
e domingo de carnaval fez subir rapidamente o rio
Santo Antônio, que se elevou em mais de cinco
metros, atingindo centenas de residências
às suas margens. A cheia ocorreu de madrugada
e a água avançou sobre as casas em
pouco mais de uma hora, pegando os moradores de
surpresa.
Para o geógrafo, ainda
que a tromba d´água tenha sido fora
dos padrões, a devastação da
natureza e as construções irregulares
foram determinantes para a tragédia.
“Se nós tivéssemos
vegetação protetora nos morros e as
margens dos rios florestadas, haveria conseqüência
dessa chuva, mas em menor escala. A vegetação
é fundamental para evitar deslizamentos e
enchentes. O assoreamento do rio nada mais é
que a terra que saiu de suas margens e foi para
o leito, porque não tem vegetação
para segurar, atuando como esponja. Com isso, o
rio fica mais raso e transborda com facilidade”.
Outro problema apontado por Ganem
são as interferências humanas no traçado
do rio, que foi retificado ao longo dos anos. “O
rio perde suas curvas e aumenta a velocidade da
água, o que acaba em tragédia com
uma chuva mais forte.”
Ganem também chama atenção
para o desrespeito ao Código Florestal, de
1965, que proíbe construções
em uma faixa mínima de 30 metros a partir
da margem dos rios. “Todos os casos relatados [de
casas atingidas pela enchente] estavam dentro dessa
faixa.”
Para o geógrafo, apesar
de a região serrana de Petrópolis
ainda preservar cerca de 50% de sua vegetação
original, as pressões sobre a floresta são
cada dia maiores. “As florestas estão sendo
resumidas a ilhas. A vegetação está
desaparecendo em um ritmo muito rápido, através
de uma fragmentação florestal. Desmata
200 metros aqui, mil metros ali, e ao longo de décadas
você tem perda de milhares de hectares.”
Segundo Ganem, isso acaba comprometendo
a sobrevivência de espécies animais,
que ficam impedidas de se reproduzirem. Na região
foram identificados mais de 200 tipos de aves, além
da presença de mamíferos de grande
porte, como a onça parda, ameaçada
de extinção.
Quanto às construções
irregulares – em Petrópolis é muito
comum ver casas construídas no meio da mata
– o geógrafo diz que é preciso estudar
cada caso para saber se está enquadrado na
legislação ambiental. Ele admite que
a maior parte está fora das especificações.
“A grande maioria é construída aleatoriamente,
sem nenhum tipo de padrão, sem nenhum tipo
de autorização. Na área urbana,
a competência de fiscalização
é do município.”
Segundo o geógrafo, as
ocupações acabam sendo incentivadas
pelas próprias concessionárias de
serviços, como água, luz e telefonia,
que fornecem estrutura às residências,
sem respaldo legal. “Isso é fator de incentivo
à ocupação desordenada.”