04/03/2008
- Representantes Ikpeng reúnem-se com governo
federal para discutir Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs) na região das cabeceiras do Xingu
depois de liberar 14 reféns. Lideranças
xinguanas vão consultar comunidades sobre
continuidade dos estudos da PCH Paranatinga II
Mais de 80 índios do Parque
Indígena do Xingu, incluindo cerca de 70
guerreiros Ikpeng, conseguiram do governo a suspensão
temporária dos estudos complementares sobre
os impactos ambientais da Pequena Central Hidrelétrica
(PCH) Paranatinga II. A reivindicação
foi atendida depois de uma reunião na sede
da Fundação Nacional do Índio
(Funai), em Brasília, entre quinta e sexta-feira,
com representantes de vários órgãos
do governo federal. A usina começou a funcionar
para testes há algumas semanas no Rio Culuene,
um dos principais formadores do Xingu, entre os
municípios de Campinápolis e Paranatinga
(MT), ao sul do parque.
A realização do
encontro foi uma exigência dos Ikpeng em troca
da libertação de 14 reféns
em negociação feita diretamente com
o presidente da Funai, Márcio Meira. Do dia
20 ao dia 25, ficaram retidos na aldeia Moygu seis
funcionários do órgão e oito
consultores da Paranatinga Energia S.A., que coletavam
dados sobre os efeitos para os povos indígenas
da barragem, de responsabilidade da empresa. Todos
foram soltos e levados para Cuiabá.
Além dos Ikpeng, participaram
da audiência em Brasília representantes
de outras etnias, como os Kuikuro, Kamaiurá,
Waurá, Kaiabi, Kalapalo e Yawalapiti. Agora
eles voltarão às suas comunidades
para consultá-las sobre a continuidade dos
estudos. Se forem autorizados, eles serão
retomados com técnicos indicados pelos índios
em acordo com a Funai. As lideranças xinguanas
pretendem manifestar-se novamente só quando
tiverem em mãos as conclusões das
pesquisas complementares ao Estudo de Impacto Ambiental
(EIA-Rima) da PCH feitas até agora.
Representantes indigenas que participaram da reunião
afirmam que maioria das comunidades xinguanas continua
contra a construção de barragens perto
de suas terras.
Durante a reunião, os indígenas
voltaram a exigir que a Paranatinga II pare de funcionar
e que nenhuma outra PCH seja construída na
região. Além do presidente interino
da Funai e diretor de Assistência, Aloysio
Guapindaia, estavam presentes representantes da
Paranatinga, do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis),
da Casa Civil e dos ministérios de Minas
e Energia, Meio Ambiente e Justiça.
As obras da Paranatinga II chegaram
a ser interrompidas durante a batalha judicial travada
entre a empresa e os indígenas (confira).
Desde 2004, as comunidades xinguanas vêm manifestando-se
contrárias à construção
da Paranatinga II e de outras barragens perto de
suas terras (saiba mais). Elas argumentam que o
ciclo de vida dos peixes, importante fonte de alimento,
será prejudicado e que sítios sagrados
serão atingidos. Existem pelo menos mais
cinco PCHs previstas para as cabeceiras do Xingu.
Algumas ainda estão em processo de licenciamento
pela Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso
(Sema). Uma delas é de responsabilidade da
Paranatinga Energia. Não existe um estudo
integrado sobre os impactos de todas elas nos rios
da região.
Estudos
De acordo com a Paranatinga, os
consultores estavam coletando mais dados para definir
medidas de compensação às comunidades
indígenas e já teriam visitado nove
etnias quando foram feitos reféns. A equipe
de especialistas começou a expedição
pelo Culuene na primeira semana de fevereiro. Segundo
as assessorias da empresa e da Funai, o grupo teria
a autorização dos índios para
entrar em suas terras.
O cacique Managu Ikpgeng admite
que teve conhecimento do radiograma que comunicava
a vinda dos pesquisadores, mas afirma que a Funai
não informou que eles eram contratados pela
Paranatinga e que a comunidade não teve tempo
de se pronunciar a respeito. Só ficamos
sabendo que eram técnicos da empresa quando
já estavam em área. Por isso ficamos
irritados. Não estamos sendo informados direito
sobre esses estudos e suas conclusões. Os
Ikpeng afirmam que vêm tentando negociar com
o governo, mas sem sucesso, e não tiveram
alternativa além de fazer os reféns
para tentar impedir que mais usinas sejam construídas
na região. Managu confirma que seu povo não
recebeu os relatórios dos estudos complementares
da PCH e que vai seguir lutando contra o seu funcionamento
e a instalação de novas usinas no
Xingu.
Segundo a Associação
Terra Indígena do Xingu (Atix), que reúne
organizações dos moradores do parque,
houve uma primeira reunião com Funai e os
consultores para acertar a viagem, mas seus detalhes
seriam fechados em uma segunda reunião, marcada
para o final do ano passado. O encontro acabou não
ocorrendo.
Em nota oficial divulgada na semana
passada, a Paranatinga Energia S.A. diz que ampliou
os estudos sobre os peixes na área por conta
própria para tentar diminuir os impactos
sobre a pesca dos índios e repete que o sistema
de transposição para fauna aquática
da usina é feito com a tecnologia existente
mais avançada. Segue a nota: a empresa tem
cumprido um rigoroso Programa Ambiental (PBA) definido
pela Sema após a análise do seu Estudo
de Impacto Ambiental (EIA-Rima). Para executar os
17 programas ambientais, culturais e sociais específicos
do PBA, foram contratadas dezenas de profissionais,
pesquisadores e cientistas de todo o país,
sendo a maioria vinculada a importantes instituições
públicas e privadas, inclusive junto a várias
universidades. Todos os relatórios produzidos
estão protocolados na Sema.
PCHs nas cabeceiras*
Rio Culuene
PCH Paranatinga II
Situação: em funcionamento
Município: Paranatinga e Campinápolis
Empresa: Paranatinga Energia Ltda.
Potência instalada (MW): 29
PCH Culuene
Situação: Licença de Operação,
em operação, fase de testes
Município: Paranatinga
Empresa: Rede CEMAT Centrais Elétricas Mato-grossenses
Potência instalada (MW): 1.794
PCH Paranatinga I
Situação: Outorgada pela ANEEL, Licença
de Instalação, em instalação
Município: Paranatinga e Campinápolis
Empresa: Paranatinga Energia Ltda.
Potência instalada (MW): 22
Rio Roncador
PCH Rio Roncador
Situação: sem informações
Município: Nova Brasilândia
Empresa: José Pupim
Potência instalada (MW): 7.50
Rio Ronuro
PCH Ronuro
Situação: sem informações
Município: Paranatinga
Empresa: Sopave Norte S/A Mercantil
Potência instalada (MW): 70
Rio Von Den Stainen
PCH Agro Rio Von Den Stainen Ltda
Situação: Outorgada pela ANEEL, Licença
de Instalação, em instalação
Município: Nova Ubiratã
Empresa: Tecnovolt Centrais Elétricas Ltda.
Potência instalada (MW): 5.8
*Informações da
Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso de 2006;
com exceção dos dos dados sobre a
Paranatinga II.
ISA, Oswaldo Braga de Souza.