24/03/2008
- Levantamento feito pelo ISA identifica proposições
em tramitação que têm como objetivo
dificultar o processo administrativo de demarcação
de Terras Indígenas. Enquanto o Estatuto
das Sociedades Indígenas está parado
há 14 anos, projeto de lei que tenta liberar
a mineração em Terras Indígenas
anda a passos largos. É ainda precária
a participação dos povos indígenas
na discussão.
Tramitam no Congresso Nacional
mais de 70 proposições referentes
a direitos ou interesses indígenas, a maior
parte delas na Câmara dos Deputados. Pretendem
diminuir as garantias do direito à terra
estabelecidas pela Constituição de
1988, e disciplinar o acesso aos recursos naturais
nelas existentes. Mais de 30 dessas proposições
buscam alterar o procedimento de demarcação
das Terras Indígenas. Algumas querem mudar
a Constituição Federal para incluir,
entre as competências do Congresso Nacional,
a aprovação das demarcações.
Outras pleiteiam que as demarcações
sejam feitas por lei.
As propostas que visam alterar
a Constituição Federal, as PECs, precisam
ser de grande interesse no Congresso e conseguir
consenso para serem aprovadas. A PEC nº 38/99,
de autoria do senador Mozarildo Cavacanti, PTB-RR,
condiciona a demarcação das Terras
Indígenas e visa limitá-las à
30% do território do estado em que se encontram.
O mesmo seria estendido à criação
de áreas de proteção ambiental.
Entretanto, existem interpretações
que consideram cláusulas pétreas os
dispositivos do artigo 231 da Constituição,
relativos aos direitos dos índios à
terra. Ou seja, não podem ser emendados nem
seriam passivos de revisão.
Os projetos de lei que querem
alterar o procedimento de demarcaçâo,
retirando-o do âmbito do Poder Executivo -
um ato administrativo da Funai, e transformando-o
num ato sujeito ao Poder Legislativo, são
inconstitucionais e não tem como prosperar.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha fixado entendimento
no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n° 710-6-RR, de que os atos de reconhecimento
de Terras Indígenas ou de estabelecimento
de procedimentos relativos ao processo de demarcação
não são atos normativos, mas administrativos,
e portanto, fogem ao controle do Congresso Nacional,
existem 14 projetos de decretos legislativos (PDCs),
para sustar portarias de reconhecimento de Terras
Indígenas expedidas pelo ministro da Justiça.
Todos os oito deputados federais do Estado de Roraima,
apresentaram em 2005, PDCs para suspender os efeitos
da portaria que homologou a demarcação
administrativa da Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol. (Saiba mais)
Mais danosos ainda são
os PDCs que autorizam a exploração
do potencial energético dos rios em Terras
Indígenas. Na ausência de lei ordinária
que regulamente o Artigo 176, parágrafo 1º
e o Artigo 231, parágrafo 3º da Constituição,
que dispõem sobre a pesquisa e a lavra de
recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais
hídricos em TIs, o Congresso vem autorizando
a construção de hidrelétricas
como a de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará
(2005) e Serra da Mesa, no Rio Tocantins, em Goiás
(1996). Estão tramitando ainda propostas
que autorizam a utilização do Rio
Cotingo, dentro da TI Raposa-Serra do Sol, em Roraima
e do Rio Tibagi, que afeta comunidades Kaingang,
em Santa Catarina.
De acordo com a Constituição,
o aproveitamento dos recursos minerais e hídricos
só poderá ser realizado mediante autorização
ou concessão da União, no interesse
nacional, na forma da lei, que estabelecerá
as condições específicas. O
decreto legislativo, de competência exclusiva
do Congresso Nacional, é a medida por meio
da qual o Congresso autoriza a exploração
dos recursos minerais e hídricos, caso a
caso, ouvidas as comunidades a serem afetadas. Mas
é imprescindível a aprovação
de lei, a ser sancionada pelo Presidente da República,
estabelecendo as condições, o procedimento,
as cautelas e as garantias a serem tomadas para
que tais recursos sejam explorados. Neste sentido
o Congresso tem se utilizado de um peso e duas medidas.
É que nele tramitam projetos de lei que dispõem
sobre as condições específicas
de exploração mineral em Terras Indígenas
e PDCs que autorizam a utilização
de recursos hídricos na ausência de
lei.
Enquanto o Estatuto das Sociedades
Indígenas que, entre outros itens, dispõe
sobre a exploração dos recursos naturais
em Terras indígenas está parado desde
1994, o Projeto de Lei de Mineração
apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR)
voltou a tramitar com agilidade desde novembro do
ano passado.
Chama a atenção
o fato de que as proposições em trâmite
raramente surgiram de demandas indígenas.
Veja aqui o quadro com as proposições.
Seja como for, devem observar e ter como parâmetro
o estabelecido na Convenção 169 da
OIT, sobre povos indígenas e tribais, em
vigor desde 2003, e a Declaração dos
Povos Indígenas da ONU, aprovada em setembro
de 2007. Ambos são documentos legais internacionais,
construídos com ampla participação
do movimento indígena internacional e prevêem
o direito dos povos indígenas de serem consultados
previamente sobre as medidas legislativas que os
afetarão.
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior.
+ Mais
Lideranças do Médio
Xingu pressionam pela criação de Reserva
Extrativista na Terra do Meio
27/03/2008 - Em Brasília
desde o dia 24, representantes da Associação
de Moradores do Médio Xingu, no Pará,
participam de reuniões e audiências
para exigir que o decreto de criação
da Reserva Extrativista Médio Xingu seja
finalmente assinado. O texto está engavetado
na Casa Civil desde maio do ano passado.
Um encontro com a sub-procuradora
da República, dra. Débora Duprat,
coordenadora da 6ª Câmara de Populações
Tradicionais e Minorias do Ministério Público
Federal abriu nesta semana, a agenda dos representantes
da Associação dos Moradores do Médio
Xingu, Herculano Costa Silva e de Lauro Freitas
Lopes, em Brasília. Eles contaram à
sub-procuradora os fatos recentes ocorridos na área
da Resex, quando Herculano foi retido por jagunços
a mando dos grileiros da região. As ameaças
de morte às lideranças, assim como
o contínuo desmatamento e a entrada de gado
na área proposta para a reserva preocuparam
a sub-procuradora, que se comprometeu a solicitar
dos órgãos federais competentes medidas
para garantir a segurança dos moradores daquela
área.
Herculano, que é presidente
da Associação dos Moradores do Médio
Xingu, e Lauro estiveram também, em reunião
com o dr. Ubiracy Araújo, assessor da 4ª
Câmara de Meio ambiente e dr. Bruno de Caiado
Acioli, da Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão relatando os abusos e ameaças
sofridos. No início de março, o Procurador
da República Marco Antonio Delfino de Almeida,
de Altamira (PA), deu entrada em ação
cautelar com a finalidade de garantir a imediata
retirada de quem não possui títulos
na área onde será criada a Reserva
Extrativista Médio Xingu. A Polícia
Federal também instaurou inquérito
policial para apurar as ameaças feitas por
pessoas que se dizem proprietárias das terras
onde será criada a Reserva Extrativista Médio
Xingu.
Ontem, 26/3, Herculano, Lauro,
representantes do ISA e do Instituto Chico Mendes
participaram do café da manhã da Frente
Parlamentar Ambientalista que teve como tema o Dia
Mundial da Água, que se comemora em 22 de
março. O coordenador da Frente, deputado
federal Sarney Filho, deu a palavra aos dois líderes,
que pediram apoio dos parlamentares para a criação
da Reserva Extrativista. Lauro Lopes relatou aos
deputados o processo de invasão e desmatamento
em curso na região e as constantes ameaças
sofridas pelos defensores da Resex. Depois, eles
foram a uma reunião com o sub-secretário
Executivo do Ministério de Minas e Energia,
Francisco Romario Wojcicki e a equipe do Núcleo
Estratégico de Gestão Sociambiental.
Foram informados que o inventário revisto
do Rio Xingu já está em análise
pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel). A agência deve se manifestar em até
60 dias. O novo inventário aponta como opção
de aproveitamento hidrelétrico no Rio Xingu
a construção de uma única barragem,
a de Belo Monte, que não é obstáculo
à criação da Resex. O MME,
entretanto, afirmou que essa é uma decisão
que cabe à Casa Civil da Presidência
da República. “A decisão de criar
a Reserva Extrativista não está formalmente
vinculada à aprovação do inventário
pela Aneel, e como a escolha já está
feita, não há porque não criar
a Resex imediatamente”, disse Adriana Ramos, coordenadora
da Iniciativa Amazônia do ISA.
A preocupação de
todos com o atraso na criação da Resex
é o risco de morte que Herculano Costa Silva
corre. Em outubro de 2007, o ISA publicou matéria
denunciando essa situação. O coordenador
de Reservas Extrativistas do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
Alexandre Cordeiro, ressaltou a preocupação
do órgão com uma possível tragédia
na região envolvendo as lideranças
locais, assim como aconteceu no caso da irmã
Doroty, assassinada por grileiros em Anapú,
em fevereiro de 2005 (Saiba mais).
Herculano e Lauro estiveram também
na Secretaria Especial de Direitos Humanos onde
conversaram com o Ouvidor Geral, dr. Fermino Fecchio,
e com o dr. Fernando Matos, coordenador do Programa
de Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos. Eles relataram os fatos ocorridos, e pediram
que Herculano seja incluso no programa.
Nesta quinta-feira, os dois líderes
têm ainda marcada audiência na Casa
Civil da Presidência da República.
O que é a Resex do Médio
Xingu
É uma faixa de terra que
terá 303 mil hectares de área total
e ocupa 100 quilômetros na margem esquerda
de quem desce o Rio Xingu em direção
a Altamira. É considerada estratégica
para consolidar o mosaico de áreas protegidas
projetado para a região, que inclui Terras
Indígenas e Unidades de Conservação
estaduais e federais (Saiba mais). A criação
da Resex do Médio Xingu representa a possibilidade
de regularização fundiária
da região, que beneficiará cerca de
59 famílias locais, que vivem atualmente
em clima de total insegurança. O processo
está paralisado na Casa Civil da Presidência
da República desde maio do ano passado.