13 May
2008 - Por Isadora de Afrodite - Agricultores familiares,
extrativistas, ribeirinhos, pescadores e marisqueiras
participaram, no dia 13 de maio, de audiência
pública na Câmara dos Deputados, convocada
pelo Ministério Público Federal e
pela Frente Parlamentar Ambientalista para discutir
a situação de nove Reservas Extrativistas
(Resex), nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Cerca de 200 pessoas estiveram
presentes no Plenário 2 para discutir com
representantes do governo o atraso no processo de
criação dessas Resex, que vem acirrando
os conflitos e as pressões contra os extrativistas.
A expectativa era estabelecer diálogo com
a Casa Civil, onde os processos de criação
das reservas extrativistas estão paralisados,
mas nenhum representante do órgão
compareceu ao evento.
O movimento, chamado Ação
pelas Reservas Extrativistas no Brasil, veio com
os extrativistas do Pará, do Amazonas, da
Bahia e de Goiás, para reivindicar a regularização
dessas Resex, algumas esperando a assinatura da
Casa Civil desde 2006. Sua intenção
foi pressionar o governo pela assinatura dos decretos
e reivindicar o fortalecimento da presença
do Estado nas áreas, que têm sido palco
de sérios conflitos fundiários. Alguns
extrativistas estão ameaçados de morte
e vieram solicitar proteção ao Programa
de Proteção aos Defensores dos Direitos
Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos
da Presidência da República.
Além de atender à
solução de conflitos fundiários
e apaziguar lutas no campo com uma maior clareza
fundiária, as reservas extrativistas são
importantes instrumentos para complementar políticas
de conservação da diversidade biológica,
manutenção de serviços ambientais
e redução do desmatamento.
Débora Duprat, coordenadora
da 6ª Câmara de Coordenação
e Revisão do Ministério Público
Federal, que coordenou a audiência, destacou
a importância da ação: “é
fundamental que os extrativistas possam vir até
Brasília, para mostrar e discutir com diversos
órgãos de governo a situação
vivida por eles nas áreas em que vivem, e
é papel dos representantes do governo fornecer
respostas às suas reivindicações”.
No entanto, com a ausência da Casa Civil as
respostas do governo aos contundentes depoimentos
dos extrativistas foram escassas.
O Instituto Chico Mendes e o Ministério
do Meio Ambiente afirmaram, sobre as nove Resex,
que já haviam cumprido todas as etapas necessárias
para a sua criação e que a responsabilidade
de tocar os processos era da Casa Civil. O representante
do Ministério de Minas e Energia, José
Luiz Scavassa, afirmou que não dispunha de
informações sobre nenhuma das nove
Resex. Uma carta de repúdio à ausência
da Casa Civil e à falta de informações
do MME foi encaminhada aos dois órgãos
pelos participantes do evento.
Eventual potencial hidrelétrico
e petrolífero é usado como justificativa
para barrar Resex
Por Denise Cunha
Durante a audiência, Débora
Duprat, coordenadora da 6ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal, além de diversos
representantes das comunidades extrativistas presentes
na ação, questionaram o conteúdo
da avaliação de proposta para a criação
das Resex, feita pelo Ministério de Minas
e Energia (MME) a pedido da Casa Civil. O documento,
parcialmente lido pela coordenadora na ocasião,
traz o posicionamento contrário do MME à
criação de seis e ampliação
de uma das oito Reservas Extrativistas (Resex) reivindicadas.
A justificativa para as conclusões
do ministério, que seriam os principais argumentos
para a falta de agilidade no processo de criação
das Resex, foram baseados no alto potencial hidrelétrico
e/ou petrolífero dessas regiões. Entre
as Resex com potencialidade hidrelétrica
estão a Médio Xingu e Montanha Mangabal.
Para possível interesse para exploração
e produção de petróleo, o documento
identificou a Baixo Rio Branco-Jauaperi e Cassurubá.
Já entre as que possuem ambos recursos em
abundância estão a Ituxi e a Ciriaco,
essa última com reivindicação
para ampliação.
Uma das notas técnicas
que compõem a avaliação do
MME sugere ainda – ignorando completamente a presença
das populações tradicionais que habitam
e dependem do uso sustentável de recursos
naturais dessas regiões – a mudança
de categoria das UCs. A proposta é para que
essas RESEX sejam criadas como florestas nacionais
(Flonas), áreas de proteção
ambiental (APAs) ou áreas de relevante interesse
ecológico (ARIEs), únicas categorias
em que a exploração de recursos naturais
não renováveis é permitida,
desde que previstas no plano de manejo.
Mostrando total despreparo, José
Luiz Scavassa, representante do MME, não
soube responder a nenhum dos questionamentos tampouco
disponibilizar mais detalhes sobre os critérios
que nortearam a avaliação. Já
Luiz Carlos Ferreira, representante da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), forneceu
respostas muito vagas. Contrariando os argumentos
que definiram parte da análise do MME e em
rebate ao posicionamento de ambos representantes,
o diretor de Unidades de Conservação
de Uso Sustentável do Instituto Chico Mendes,
Paulo Oliveira, disse que a exploração
e produção de petróleo e gás-natural
não deveriam ser considerados critérios
para impedir a criação de RESEX.
“Além de importante instrumento
para garantir a manutenção de serviços
ambientais, fortalecer políticas de conservação
da biodiversidade e reduzir o desmatamento, as Resex
viabilizam uma maior clareza fundiária que
propiciam solucionar conflitos no campo. Conservação
da natureza, segurança e promoção
da melhoria de qualidade de vida das populações
que residem essas localidades devem sempre prevalecer”,
completou.
Segundo, Cláudio Maretti,
superintendente de programas regionais do WWF-Brasil,
o prejuízo socioambiental, na falta da criação
dessas UCs também dever ser colocado em pauta.
“A Reserva Extrativista do Médio Xingu, por
exemplo, é a última peça que
falta ser criada no mosaico de áreas protegidas
o qual pretende resguardar a região da Terra
do Meio, zona de intenso conflito fundiário.
Foi nessa região que a missionária
Dorothy Stang foi assassinada em 2005”, declarou.
Esse mosaico é composto
por terras indígenas e Unidades de Conservação
estaduais e federais e cobre uma área de
28 milhões de hectares, onde vive uma população
de 12 mil pessoas, entre indígenas e não-indígenas.
As comunidades e a preservação ambiental
dessa região são ameaçadas
pela pressão de grileiros e de madeireiros
ilegais.
A ausência de representantes
da Casa Civil também prejudicou e frustrou
a busca pela aquisição de respostas
dos cerca de 200 participantes, entre agricultores
familiares, extrativistas, ribeirinhos e pescadores,
que percorreram longas distâncias em busca
resultados que garantissem mais agilidade ao processo
de criação das UCs.
Colocado em segundo plano na última
década, o planejamento do setor elétrico
e petrolífero ganhou impulso com a divulgação
do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) que dará prioridade aos investimentos
em infra-estrutura energética, totalizando
R$ 274,8 bilhões. O programa estabeleceu,
por exemplo, entre suas metas até 2010, que
vai inventariar outras dez bacias hidrográficas
(com potencial de gerar mais 32.950 MW de energia).
Para Cláudio, não é o caso
de contrariar a produção e ampliação
energética ou mesmo de alimentos, mas sim
questionar como e onde tal produção
ocorre, sem que sejam considerados, no detalhes,
a importância socioambiental dessa determinada
área.
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A vida à margem
15 May 2008 - Por Gadelha Neto
- Dona Laurinda de Jesus, 68 anos, carinhosamente
apelidada de Princesinha do Tapajós, sai
da futura Reserva Extrativista Montanha Mangabal,
no Pará, de rabeta – uma canoa com motor
de popa. Dois dias de viagem até o rio Boboré.
Ali, ela pega uma caminhonete de aluguel, para percorrer
60 km de estrada de terra, ao preço de R$30,00,
até Itaituba. Daí, novo barco, até
Santarém, onde ela vai embarcar em um avião
até Manaus e, de lá, para Brasília.
Ao todo, uma semana de viagem.
Ao chegar a Itaituba, uma surpresa:
antes de embarcar, encontra o marido, que veio ao
seu encontro. “Quando eu vinha descendo, eu achei
que o homem não vinha atrás de mim.
Quando vi, ele veio de remo, por cima do Boboré,
pegou dois litros de gasolina e chegou, na rabeta.
Saber que eu ia viajar, ele sabia, mas deu saudade.
Ele só queria falar comigo, ver seu inda
voltava ou ficava em Brasília”, conta dona
Laurinda, com uma risada solta.
A Princesa do Tapajós,
como quase todos em Montanha Mangabal, vive da produção
de farinha. “Nós vivemos de fazer farinha,
vender um saquinho, trocar por rancho. É
50 reais um saco de farinha. O que é 50 reais,
meu irmão? Se troca por rancho, no outro
dia não tem mais...”
Mais de 100 pessoas, entre ribeirinhos,
seringueiros, pequenos agricultores, pescadores,
das regiões Norte e Nordeste, enfrentaram
dificuldades parecidas para chegar ao mesmo compromisso:
uma Audiência Pública na Câmara
dos Deputados, em Brasília, DF, no dia da
Abolição da Escravatura, 13 de maio,
para discutir o porquê de estarem paralisados
na Casa Civil da Presidência da República
os processos de regulamentação ou
criação de oito reservas extrativistas.
A vida nestas reservas não
é fácil. Não bastasse conviver
com a precariedade do atendimento à saúde,
educação, os acidentes em transportes
precários e a dificuldade de escoamento e
desvalorização de sua parca produção,
estes brasileiros estão, a cada dia, enfrentando
mais e mais pressão de grupos de interesse,
sejam de meros fazendeiros que ambicionam suas terras
e sua madeira, seja do próprio Governo Federal,
que planeja obras de infra-estrutura – principalmente
hidrelétricas – e atividades mineradoras
que, fatalmente, irão interferir ou mesmo
inviabilizar seu modo de vida, sua cultura, sua
permanência no local.
Alguns ribeirinhos amazônicos
estão há três, quatro gerações
na região, esquecidos pelos poderes públicos,
abandonados à própria sorte, até
terem suas terras e recursos naturais descobertos
pelo poder econômico.
“O Rio Ituxi é um dos mais visados que tem
lá, por causa das suas riquezas naturais
e, hoje, a gente não tem mais acesso a muitas
delas, como as cachoeiras.
Em algumas, a gente não
consegue mais chegar, porque foi tomado por pistoleiros,
grileiros, fazendeiros”, relata João do Mato
(nome fictício, para proteger a integridade
do entrevistado*), da Reserva Extrativista de Ituxi,
no município de Lábrea, no Estado
do Amazonas, cuja principal fonte de renda é
o extrativismo de borracha, castanha e óleos
vegetais.
Com a ausência do Estado,
essas regiões são alvos fáceis
da ganância, da pistolagem, da grilagem de
terras públicas. “No nosso município,
a gente não tem apoio nenhum quanto às
reservas, porque o nosso prefeito é contra
as reservas, porque ele também se tornou
um grileiro e vendeu terras pra esses fazendeiros
e favoreceu pra que eles avançassem até
onde quisessem”, acusa João.
“A situação lá
está muito crítica e ficando cada
vez pior. Não tem mais controle sobre as
coisas por causa de terra. Uns grileiros e fazendeiros
que tem dentro da área e que querem tomar
o que nós temos direito. A gente vem lutando
há seis anos, pra ver se consegue tirar aquele
pessoal de lá, pra gente ter um dia de vida
melhor, porque enquanto não tirar esses fazendeiros
que tem dentro, nunca vai acabar o conflito”. Parece
o João falando? Mas não é:
trata-se de Lauro Freitas Lopes, da Resex Rio Xingu,
na Terra do Meio, Pará, a muitos e muitos
quilômetros das terras do João.
Os problemas é que são
iguais nestes campos amazônidas.
Olho em Abrolhos
“Lá, nós temos o manguezal ainda preservado,
que é muito importante pras comunidades,
porque cerca de mil famílias vivem diretamente
da pescaria e da mariscagem. E o manguezal lá
serve como um berçário para as espécies
de peixes que vivem em Abrolhos. Então, há
uma ligação muito importante entre
o manguezal e Abrolhos”, ensina Marilene Figueiredo
Costa, da Reserva Extrativista de Cassurubá,
localizada entre os municípios de Caravelas
e Nova Viçosa, na Bahia.
Perto da Capital, Salvador, e
mais perto ainda de um dos pontos turísticos
mais visitados da Bahia – Porto Seguro –, a Reserva
de Cassurubá enfrenta, além da invasão
de não-locais para exploração
da área de influência das comunidades
e da ameaça à integridade dos manguezais,
a lentidão do governo em resolver este problema,
com a criação efetiva da reserva.
“Na verdade, nossa Resex não
foi criada, ainda. O presidente assinou o Decreto
em Dezembro, mas não foi publicado. Então,
pra comunidade, a reserva não foi criada,
ainda”, explica Marilene.
No mais, a reserva enfrenta quase
os mesmos problemas das outras sete áreas
que foram objeto da Audiência Pública,
principalmente atendimento à saúde
e educação, que, ali, não passa
do ensino médio para aqueles que têm
mais recursos.
Conservação
Seja em função da natureza de suas
atividades – o extrativismo, a pesca e a cultura
de subsistência –, seja pelo amor atávico
pela natureza, típico de quem dela vive há
gerações e gerações,
brasileiros como Dona Laurinda, João, Lauro
e Marilene são genuínos agentes de
conservação dos recursos naturais.
E a criação de reservas
extrativistas é, em alguns lugares deste
imenso Brasil, uma forma consistente de conservar
a natureza, mas também preservar a cultura,
o modo de vida e a própria vida deste povo
descrito pelo jornalista André Giusti como
não-índios e não-brancos. Não
são protegidos pela Funai e nem por ninguém...
Estão no limbo...
(*) O entrevistado não
solicitou sigilo de seu nome. A decisão foi
tomada pelo redator.
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Presidente da república
recebe extrativistas e admite que potencial hidrelétrico
ou petrolífero impede criação
de Resex
15 May 2008 - Por Denise Cunha
- Cerca de trinta líderes extrativistas,
agricultores familiares, ribeirinhos e pescadores
dos estados do Amazonas, Pará e Rondônia
– que também participaram da Ação
pelas Reservas Extrativistas no Brasil, realizada
durante a audiência pública na Câmara
dos Deputados, na última terça-feira,
dia 13 de maio – reuniram-se, ontem, dia 14 de maio,
no Palácio da Alvorada, com o presidente
da república, Luís Inácio Lula
da Silva, para cobrar um posicionamento sobre a
situação de oito reservas extrativistas
(Resex). Localizadas nas regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste, as Resex aguardam assinatura da
Casa Civil, algumas, desde 2006.
Durante a audiência pública
de terça-feira, Débora Duprat, coordenadora
da 6ª Câmara de Coordenação
e Revisão do MPF, anunciou e questionou o
conteúdo da avaliação de proposta
para a criação das Resex, feita pelo
Ministério de Minas e Energia (MME), que
se posicionou contrário à criação
de seis e ampliação de uma das oito
reservas extrativistas reivindicadas.
Segundo o secretário de
Política Agrária e Meio Ambiente da
Contag, Paulo Caralo, que também participou
da reunião, o presidente da república
admitiu que o resultado da análise do MME,
baseados no alto potencial hidrelétrico ou
petrolífero dessas regiões, é
o principal motivo para a falta de agilidade no
processo de criação das Resex e propôs
realizar uma reunião, no início do
mês de junho, com a ministra-chefe da Casa
Civil, Dilma Rousseff, e ministro de Minas e Energia,
Edison Lobão para agilizar encaminhamento
definitivo às reivindicações.
“Essa será nossa oportunidade
para pressionar, pessoalmente, a ministra pela assinatura
dos decretos dessas áreas. Só espero
que o presidente cumpra sua palavra”, declarou Marta
Valéria Cunha, coordenadora da Comissão
Pastoral da Terra do Amazonas (CPT/AM) que também
participou da reunião.
Além de importante instrumento
para garantir a manutenção de serviços
ambientais, fortalecer políticas de conservação
da biodiversidade e reduzir o desmatamento, as Resex
viabilizam uma maior clareza fundiária que
propiciam solucionar conflitos no campo. Ao mesmo
tempo, é componente estratégico que
compõe uma visão de desenvolvimento
sustentável da Amazônia e outros biomas.