12/05/2008
Mais uma vez, decretação da Reserva
Extrativista do Médio Xingu fica na promessa.
Enquanto isso, violência e ameaças
contra lideranças e comunidades ribeirinhas
continuam na Terra do Meio (PA).
O Palácio do Planalto frustrou novamente
a grande expectativa que havia de integrantes do
próprio governo, do movimento social e de
comunidades ribeirinhas da região conhecida
como Terra do Meio (PA), na altura do município
de Altamira, para a decretação da
Reserva Extrativista (Resex) do Médio Xingu.
A oficialização de várias Resex
deveria ter sido anunciada durante o lançamento
da nova versão do Plano Amazônia Sustentável
(PAS), na quinta-feira, 8 de maio, em Brasília.
Mas apenas a do Médio Purus (AM) foi confirmada.
Enquanto isso, longe de Brasília
e da Esplanada dos Três Poderes, mais uma
agressão a um ribeirinho foi registrada na
área para onde está prevista a Resex
do Médio Xingu. No último dia 30,
Lauro Lopes, vice-presidente da Associação
dos Moradores do Médio Xingu, foi agredido
por Cláudio Brasil, ligado a grupos que estão
grilando terras. Segundo Lopes, ele passava na frente
do local conhecido como Pedra Preta, trazendo uma
família que voltava da cidade até
a localidade do Tamanduá, na região
do Morro Grande. Nesse momento, foram chamados por
Cláudio Brasil e outra pessoa conhecida como
Chico Bandeira a encostar o barco – ambos haviam
agredido outro dirigente da associação,
em 13 de fevereiro e por isso foram denunciados
à época à Polícia Civil
de Altamira.
"Falaram que eu tinha feito
uma denúncia que colocou eles contra os pistoleiros.
Aí, me chamou de sem-vergonha e bateu na
minha cabeça. Nessa hora eu já estava
cercado com outros homens que estavam lá,
fiquei com medo e não reagi", contou
Lauro. "Nasci e me criei naquela região
e nunca na minha vida esperei passar por uma humilhação
daquela. Estamos trabalhando para ver se a gente
caça um meio de vida melhor para aquele povo
e para preservar o lugar que nascemos, proteger
o resto de floresta que nós ainda temos".
Integrantes da Associação
dos Moradores do Médio Xingu estiveram na
área prevista da futura Resex com uma equipe
de reportagem que está rodando um documentário
sobre conflitos agrários. Um morador pediu
que eles comunicassem às autoridades as ameaças
que vem sofrendo de Cláudio Brasil e de outro
homem conhecido como Devanildo - os dois disseram
que iriam matá-lo. De fato, ambos chegaram
a ir até a casa do morador, mas não
cumpriram a ameaça pois havia muita gente
lá.
Os relatos não diferem
muito de outros anteriores. Os personagens são
os mesmos. Além disso, a degradação
ambiental na área continua. Para os grileiros
é como se nada estivesse acontecendo. Eles
prosseguem com suas atividades normalmente sem respeitar
o que classificam como as "leis da cidade".
Esses grupos vêem a Resex como um atraso para
o desenvolvimento local. Estão espalhando
a informação de que ela não
trará benefícios para ninguém
e que eles é que podem dar assistência
para a população. Têm ajudado
algumas famílias, distribuído alimentação
e bebida. Alguns moradores acabaram sendo cooptados
e isso tem causado algumas divergências dentro
das comunidades.
Decisão da Justiça
Existe uma decisão da Justiça
Federal que obriga a saída dos fazendeiros
que ocupam a região, mas até agora
não há sinal da retirada de suas benfeitorias.
Ao contrário, existe uma boa movimentação
de barcos transportando sementes e sal de São
Felix do Xingu para as fazendas localizadas no Parque
Nacional da Serra do Pardo e na área da futura
Resex.
De acordo com Tarcísio
Feitosa, pesquisador do Laboratório Agroextrativista
da Transamazônica (LAET), de Altamira, existe
um grupo de três a quatro pessoas envolvidas
com pistolagem e escondidas na área sob a
proteção de alguns fazendeiros. Essas
pessoas estão ameaçando e denegrindo
a imagemdas lideranças comunitárias
locais. Também vêm agredindo moradores
que recentemente concederam entrevistas à
imprensa sobre os conflitos fundiários da
Terra do Meio.
"A falta de ação
da justiça dá espaço para os
grileiros continuarem fazendo as coisas erradas.
Vemos operações do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) e Polícia Federal que vão
até a área, mas passam poucos dias.
Resolvem algumas coisas e depois a bandidagem volta
de novo e com mais pressão ainda. Os grandes
ficam sabendo das operações antes
de elas acontecerem e não são pegos;
só os coitados dos trabalhadores que são
mandados por eles”, relata outro morador, que prefere
não se identificar.
Novos grileiros reclamam terras
na área da Resex
Em 6 de maio, um funcionário
do escritório local do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
foi informado por telefone que o presidente da Associação
de Moradores do Médio Xingu estava muito
assustado. É que no dia anterior ele foi
informado de que uma pessoa tinha estado na área
da Resex à sua procura. Dizia possuir uma
terra herdada na área, identificou-se como
Raimundo e apresentou documento supostamente assinado
por um funcionário do ICMBio. Afirmou que
queria conversar sobre a construção
de uma casa e um curral para escoar o gado e os
porcos que sua família teria na região.
Disse ainda que havia conversado com um "sargento
da Policia Federal" e este lhe indicou o presidente
da associação.
No mesmo dia, Raimundo havia ido
ao ICMBio pedir autorização para ocupar
uma terra na Resex do Rio Iriri e outra na área
proposta para a Resex do Médio Xingu. "Com
jeito simples e palavras humildes, ele disse que
era de família muito respeitada na região
e era próximo da senhora Cleide, desembargadora
da 1ª Vara da cidade de Mosqueiro. E que conhecia
um rapaz do Ibama chamado Edu, que hoje trabalha
na organização não-governamental
Bioambiente (vinculada ao grupo CR Almeida). Ao
sair, pediu ao funcionário do ICMBio alguma
coisa do Ibama para estudar. Dei a ele a Lei de
Crimes Ambientais", comenta o funcionário
do ICMBio, que prefere não se identificar.
"Grileiros se apropriam da
área, destroem a biodiversidade, atentam
contra os direitos humanos, corrompem e cooptam
moradores e, como se não bastassem os conflitos
já existentes, agora novos grileiro vêem
a oportunidade de conseguir terras na região",
alerta Marcelo Salazar, assessor do Instituto Socioambiental
(ISA). Ele avalia que existe um esforço de
alguns órgãos oficiais como a Polícia
Federal, o Ibama, o Ministério Público,
o ICMBio, em combater essa situação,
mas o efeito tem sido pequeno. "As investigações
não chegam ao fim, os mandados de desocupação
da área não são cumpridos,
os assassinos continuam atuando livremente. É
esse o Plano da Amazônia Sustentável
(PAS) que o governo almeja para a região?
São necessárias ações
mais enérgicas para resolver os problemas
socioambientais da Terra do Meio". Confira
as reportagens especiais sobre a Terra do Meio publicadas
pelo ISA em 2006 e as notícias relacionadas
ao tema.
Na semana que passou a mídia
noticiou a absolvição em segundo julgamento
do fazendeiro Vitalmiro Bastos, o "Bida",
acusado de ser o mandante do assassinato da missionária
Dorothy Stang, em fevereiro de 2005. Ele havia sido
condenado a 30 anos de reclusão no primeiro
julgamento. No segundo julgamento, a testemunha
que o acusou desmentiu o que dissera anteriormente
e ele foi julgado inocente por 5 votos contra 2.
A absolvição vem reforçar a
impunidade e abrir mais brechas para a proliferação
da grilagem e do uso da força contra trabalhadores
rurais e comunidades tradicionais.
Sobre a futura Resex do Médio
Xingu
É uma faixa de terra que
terá 303 mil hectares de área total
e ocupa 100 quilômetros na margem esquerda
de quem desce o Rio Xingu em direção
a Altamira. É considerada estratégica
para consolidar o mosaico de áreas protegidas
projetado para a região, que inclui Terras
Indígenas e Unidades de Conservação
estaduais e federais Saiba mais. A criação
da Resex do Médio Xingu representa a possibilidade
de regularização fundiária
de cerca de 59 famílias, que vivem atualmente
em clima de total insegurança. O processo
está paralisado na Casa Civil da Presidência
da República desde maio do ano passado.
Segundo Antônia Melo, coordenadora
do Movimento das Mulheres Trabalhadoras do Campo
e da Cidade de Altamira, as primeiras ações
para criar a Unidade de Conservação
na região do Médio Xingu foram motivadas
pela visita de três moradores da região,
que relataram o episódio ocorrido na localidade
de São Sebastião quando foram expulsos
de suas terras e tiveram suas casas queimadas. Antônia
havia acabado de voltar de Brasília após
a assinatura da Resex do Riozinho do Anfrísio.
Foi quando aconteceu uma grande reunião com
os movimentos sociais locais e iniciou-se uma maratona
para denunciar essas violências e o processo
de criação da Resex.
+ Mais
Encontro Xingu Vivo para Sempre
vai debater projetos de hidrelétricas na
Bacia do Rio Xingu
13/05/2008 Representanters de
populações indígenas e ribeirinhas,
movimentos sociais, organizações da
sociedade civil, pesquisadores e especialistas reúnem-se
de 19 a 23 de maio, no ginásio poliesportivo
de Altamira (PA). Na pauta, os projetos hidrelétricos
previstos para a região, desde a usina de
Belo Monte até as pequenas centrais hidrelétricas.
Confira a programação completa do
evento. Veja ainda animação que anuncia
o encontro, realizado pelo produtor de vídeo
Kamikiá Kisêdjê.
Cerca de mil pessoas, entre representantes
de populações indígenas e ribeirinhas,
movimentos sociais, organizações da
sociedade civil e pesquisadores, estão organizando
o Encontro Xingu Vivo para Sempre para discutir
projetos hidrelétricos e seus impactos na
Bacia do Rio Xingu. O evento acontecerá entre
19 e 23 de maio, no Ginásio Poliesportivo
de Altamira (PA). Serão debatidos a construção
prevista da usina de Belo Monte, que faz parte do
Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), e as pequenas centrais hidrelétricas
(PCHs) previstas para a bacia. Tanto as que já
estão prontas, como a do Culuene (MT), quanto
as que estão em construção
e as que estão planejadas para o Pará
e outras no Mato Grosso. Se forem adiante, tais
projetos devem atingir direta e indiretamente cerca
de 16 mil pessoas, 14 povos indígenas entre
elas.
A mobilização ocorre
19 anos depois do I Encontro de Povos Indígenas,
realizado em Altamira, que reuniu três mil
pessoas, das quais 650 eram índios. Naquela
época, os participantes protestaram contra
a construção já prevista de
cinco hidrelétricas no Rio Xingu, Belo Monte
entre elas. Os protestos tiveram repercussão
internacional e levaram o Banco Mundial a cancelar
o financiamento previsto para o empreendimento,
que até hoje não saiu do papel.
O Encontro Xingu Vivo para Sempre
vai debater os impactos das usinas previstas para
a Bacia do Rio Xingu e as ameaças que representam
às populações tradicionais.
Os participantes também pretendem propor
ações que apontem para um modelo de
desenvolvimento alternativo para a região,
considerando o planejamento integrado da bacia,
além de discutir a formação
de um Comitê para a Bacia Hidrográfica
do Xingu.
Líderes de movimentos sociais
e indígenas, especialistas no tema energia
e hidrelétricas, procuradores do Ministério
Público Federal e membros do governo devem
participar do evento. Foram convidados representantes
da Eletronorte, da EPE (Empresa de Pesquisa Energética),
do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis), Funai
(Fundação Nacional do Índio)
e de alguns ministérios.
Histórico
Em 1989, os povos indígenas
protestaram contra o projeto de aproveitamento hidrelétrico
do Xingu, que inundaria cerca de 1,7 milhão
de hectares, com a construção de cinco
barragens em trechos do rio. A forte oposição
de índios, ambientalistas e movimentos sociais,
fez com que o projeto fosse deixado de lado. Correu
o mundo a. foto da índia Kayapó Tuíra
que encostou a lâmina de seu facão
no rosto do então presidente da Eletronorte,
José Antônio Muniz Lopes, num gesto
de advertência. Lopes continuou ocupando o
cargo durante o governo FHC e hoje é presidente
da Eletrobrás.
Em 1999, o projeto foi retomado
em menor proporção, com a previsão
de uma só barragem na chamada Volta Grande
do Xingu, em Altamira. Apesar disso, os impactos
socioambientais e inúmeras irregularidades
nos estudos e no licenciamento da obra levaram o
Ministério Público Federal a questioná-la
judicialmente repetidas vezes.
Em 15 de abril último,
a Justiça Federal acatou o pedido de liminar
do Ministério Público Federal que
suspendeu a autorização dada a consórcio
formado por três grandes construtoras para
finalizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima)
de Belo Monte. Vários pesquisadores e instituições
vêm questionando a viabilidade técnica
e econômica da usina, que teria potencial
para gerar até 11,1 mil megawatts, mas que,
durante a maior parte do ano, seria capaz de gerar
no máximo 4,6 mil megawatts.
Também é preocupante
a construção de pequenas centrais
hidrelétricas previstas para o Xingu, cujas
licenças dependem apenas do governo estadual.
O caso mais emblemático é o da PCH
do Culuene já construída e nove outras
previstas, que se construídas deverão
afetar a vida de 18 povos indígenas da região.
O movimento Xingu Vivo para Sempre
acredita que as hidrelétricas na Bacia do
Rio Xingu podem causar a remoção forçada
de comunidades, prejuízos para a pesca e
o transporte fluvial, emissão de gases de
efeito-estufa pelos reservatórios e o aumento
de doenças como malária e febre amarela.
Organizações participantes
Associação Floresta
Protegida - Kayapó, Associação
Terra Indígena Xingu, Amigos da Terra-Amazônia
Brasileira, Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Fórum
Popular de Altamira, Prelazia do Xingu, Fundação
Viver Produzir e Preservar (FVPP), Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), Fórum de Direitos
Humanos Dorothy Stang (FDHDS), Sindicato dos Trabalhadores
em Educação Pública do Pará
(SINTEPP), Movimento de Mulheres Trabalhadoras de
Altamira Campo e Cidade (MMTA-CC), Associação
das Mulheres Agricultoras do Assurini, Associação
de Mulheres Agricultoras do Setor Gonzaga, S.O.S.
Vida, Federação dos Trabalhadores
na Agricultura (FETAGRI), STR-Altamira, Grupo de
Trabalho Amazônico Regional Altamira (GTA),
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Mutirão
pela Cidadania, Associação Pró-Moradia
do Parque Ipê, Associação Pró-Moradia
do São Domingos, Grupo de Mulheres do Bairro
Esperança, Fundação Tocaia,
Fundação Elza Marques, Pastoral da
Juventude, Sindicato das Domésticas de Altamira,
Associação dos Moradores da Resex
Riozinho do Anfrisio, Associação dos
Moradores da Resex do Iriri e Associação
do Moradores do Médio Xingu, entre outras
entidades locais, apoiadas pelo Instituto Socioambiental
(ISA), International Rivers - Brasil, WWF, FASE,
Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam),
Rainforest Foundation, MMCC,CASA, ASW,Fund.BÖLL,
Survival International, Rainforest Concern, Indigenous
People's Cultural Support Trust, Environmental Defense
Fund, Suzuki Foundation.