19/05/2008
- Daniela Mendes - O Brasil cobrará mais
atenção à agrobiodiversidade
e biodiversidade florestal na reunião da
9ª Conferência das Partes (COP-9) da
Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) da ONU, que iniciou nesta segunda-feira (19),
em Bonn, na Alemanha. Dentro dessas temáticas
estão assuntos polêmicos como biocombustíveis
e árvores transgênicas. "O Brasil
tem sido um proponente forte no fórum internacional
para que esse tema da agrobiodiversidade receba
mais atenção", afirma Bráulio
Dias, diretor de Conservação da Biodiversidade
do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo ele, o Brasil também
quer avançar na transversalidade dos temas
entre os diversos setores. "Sair daquele nicho
de só ficar preocupado com biodiversidade
na agenda do setor ambiental e começar a
ver e mostrar para a sociedade que biodiversidade
é importante, que a nossa vida depende da
biodiversidade no nosso dia-a-dia", argumenta
Bráulio.
Ele afirmou ainda que a agricultura
deve ser priorizada no debate, pois é o setor
que mais impacta e, também, o que mais depende
da biodiversidade. "Biocombustíveis
e a relação entre agrobiodiversidade
e mudanças climáticas estarão
no centro das discussões. O governo brasileiro
vai organizar um evento paralelo lá só
mostrando a experiência brasileira com biocombustíveis,
os avanços. Por exemplo, o Brasil não
joga mais o vinhoto na água, faz reciclagem,
o bagaço é reciclado para produção
de energia, nós temos plantio direto, controle
biológico de pragas, tem fixação
biológica de nitrogênio", afirmou.
Em relação às
mudanças climáticas, Bráulio
esclareceu que a discussão vai girar em torno
das alterações profundas nos sistemas
de plantio e nos locais de cultivo. "Em função
da mudança climática vai mudar toda
agricultura no mundo. Onde hoje é bom pra
cultivar café não vai ser mais no
futuro. A agricultura vai ter que migrar e isso
vai ter impactos ambientais. Vamos precisar de recursos
genéticos para desenvolver novas variedades
em novas regiões, então vai ser um
grande desafio com problemas e com oportunidades",
acredita.
Biodiversidade florestal é
outro tema-chave, com destaque para o desmatamento
ilegal e árvores transgênicas. Cada
vez mais setores produtivos promovem o desenvolvimento
e as plantações de árvores
transgênicas para aumentar as matérias
primas. Além dos debates que aconteçam
em nível oficial entre os diversos governos
signatários da CDB, espera-se a chegada à
cidade alemã de povos indígenas, organizações
e movimentos sociais de diversas partes do mundo
que questionam a implantação das árvores
transgênicas.
Em relação ao desmatamento
ilegal, segundo Bráulio, o que o Itamaraty
coloca é que não podemos só
olhar a questão da ilegalidade na origem,
nós temos que olhar a cadeia toda até
o mercado. "Não adianta só cobrar
sustentabilidade na produção e não
abrir espaço nos mercados para produtos de
valor agregado na região de origem que sejam
sustentáveis. O produto sustentável
é mais caro do que o produto não sustentável
e muito mais caro do que o produto de origem ilegal.
Sem ter acesso ao mercado e preços melhores
não se viabiliza a produção
sustentável", acredita Bráulio.
Em cada edição da
conferência é apresentado um conjunto
de temas centrais. Para 2008, os temas prioritários
são: (i) Agricultura e biodiversidade; (ii)
Estratégia global para conservação
de espécies de plantas; (iii) espécies
invasoras; (iv) biodiversidade florestal; (v) medidas
de incentivo; (vi) abordagem ecossistêmica;
(vii) progresso na implementação do
plano estratégico para atingir as metas de
2010 e das Metas de Desenvolvimento do Milênio;
e (iix) recursos e mecanismos financeiros.
Além deles, a COP-9 discutirá
com ênfase a implementação da
repartição de benefícios; relação
entre biodiversidade e mudanças climáticas;
conservação de florestas; implementação
de uma rede global de áreas protegidas terrestres
e marinhas, entre outros.
A conferência sediada em
Bonn será o último encontro das partes
antes de 2010 - ano base para o qual a comunidade
internacional projetou alcançar resultados
significativos na redução da perda
de biodiversidade. Entre 28 e 30 de maio, acontece
o Segmento Ministerial ou de Alto Nível que
reúne ministros da maioria dos países
participantes para considerar algumas das questões
políticas chave na agenda da conferência.
O Segmento Ministerial é organizado e presidido
pelo governo anfitrião, que também
escolhe as questões a serem discutidas. As
principais decisões da conferência
são esperadas para esse período.
Saiba mais sobre a COP-9 da CDB
- O principal instrumento internacional para a conservação
da biodiversidade é a Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB) - um dos
três acordos internacionais adotados na Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, realizada no Rio Janeiro, em
1992. A CDB não é uma convenção
tradicional para a proteção das espécies;
ela abrange todos os aspectos relacionados à
conservação e ao uso sustentável
da diversidade biológica em três níveis:
habitats, espécies e genes.
Criação de áreas
de conservação é compromisso
da CDB
Um dos compromissos dos países
signatários da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) é "estabelecer
um sistema de áreas protegidas ou áreas
onde medidas especiais precisem ser tomadas para
conservar a diversidade biológica" (Art.8).
O Arpa contribui para que o Brasil estruture seu
sistema nacional de unidades de conservação.
Pelas metas definidas na CDB,
10% de todas as ecorregiões continentais
do mundo deveriam estar efetivamente protegidas
até 2010. O mesmo percentual vale para as
áreas marinhas, só que até
2012. O Brasil possui hoje 292 Unidades de Conservação,
o que equivale a quase 70 milhões de hectares.
A meta brasileira é de chegar até
2010 com 30% do bioma amazônico e 10% de todos
os outros biomas protegidos sob a forma de Ucs.
Atualmente, este percentual está em 17,6%
para a Amazônia, 5,5% para a Caatinga, 5,7%
para Cerrado e Mata Atlântica, 2,5% para Pampa,
0,02% para Pantanal e 0,47% para Zonas Costeiras
e Marinhas.
+ Mais
COP-9 discute proteção
dos conhecimentos tradicionais
21/05/2008 - Gisele Teixeira -
Com mais de 200 povos indígenas e uma diversidade
de comunidades locais (como quilombolas, caiçaras
e seringueiros), o Brasil reúne um inestimável
acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação
e uso da biodiversidade. Exatamente por isso, é
um dos países mais interessados na criação
de um mecanismo legal, internacional, para proteger
o uso dessas práticas, bem como punir sua
apropriação indevida. Esse é
um dos principais assuntos em discussão durante
a 9ª Conferência das Partes (COP) da
Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), que acontece até o dia 30 de maio,
em Bonn, na Alemanha.
As discussões giram em
torno da implementação do Artigo 8(j)
da CDB, que obriga os países signatários
a "respeitar, preservar e manter o conhecimento,
inovações e práticas das comunidades
locais e populações indígenas
com estilos de vida tradicionais relevantes à
conservação e utilização
sustentável da diversidade biológica".
O artigo também encoraja "a repartição
justa e equitativa dos benefícios oriundos
da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas".
O problema é como levar o discurso para a
prática.
A expectativa da delegação
brasileira é que na COP-9 possa se chegar
a um consenso em torno de um "código
de conduta", voluntário, para todas
as pessoas que usam recursos oriundos de comunidades
tradicionais, e que garanta o respeito ao patrimônio
cultural e intelectual das mesmas. Esse código
seria uma base para o estabelecimento, a médio
prazo, de um regime internacional sui generis, um
regime novo, para proteção desses
conhecimentos. O regime deverá conter, por
exemplo, diretrizes sobre consentimento prévio
informado e termos mutuamente acordados entre as
partes.
O uso de conhecimentos tradicionais
é visado não apenas por suas propriedades,
mas por acelerar o desenvolvimento de produtos e
reduzir o volume de investimentos em pesquisas por
parte das empresas. De acordo com dados do Ministério
do Meio Ambiente, de cada 10 mil amostras de substâncias
analisadas, apenas uma demonstra utilidade, o que
faz com que uma pesquisa para lançamento
de um novo produto possa levar até 15 anos,
com custos entre US$ 230 milhões e US$ 500
milhões. Pesquisas apontam que 75% dos 120
compostos ativos amplamente utilizados pela medicina
apresentam correlação positiva com
o uso tradicional das plantas das quais derivam.
Anteprojeto em consulta pública
até julho
O reconhecimento da necessidade
de proteção da sociodiversidade, intrinsecamente
associada à biodiversidade, está consagrado
também na legislação interna
brasileira. O Governo Federal está em processo
de consulta pública ao Anteprojeto de Lei
(APL) sobre Acesso a Recursos Genéticos,
Conhecimentos Tradicionais e Repartição
de Benefícios. O prazo termina em 13 de julho.
O APL deverá substituir a Medida Provisória
2.186-16, de 2001 e dispõe sobre a coleta
de material biológico; o acesso aos recursos
genéticos e seus derivados, para pesquisa
científica ou tecnológica, bioprospecção
ou elaboração ou desenvolvimento de
produtos comerciais; a remessa e o transporte de
material biológico; o acesso e a proteção
aos conhecimentos tradicionais associados e aos
direitos dos agricultores; além de abordar
a repartição de benefícios
resultantes do uso da biodiversidade.