21/05/2008
Durante debate sobre impactos da obra, índios
entram em confronto com responsável pelos
estudos ambientais da hidrelétrica de Belo
Monte e, no meio da confusão, ele acaba ferido.
Grupo irritou-se com o tom da fala do único
representante do governo presente ao evento. MPF
já pediu abertura de inquérito para
investigar o episódio.
O funcionário da Eletrobrás
e coordenador do estudo de inventário da
usina hidrelétrica de Belo Monte, Paulo Fernando
Rezende, acabou sofrendo um corte no braço
durante a confusão ocorrida ontem, terça-feira,
durante o Encontro Xingu Vivo para Sempre, que está
ocorrendo em Altamira (PA). O incidente aconteceu
logo após a fala de Rezende, na mesa redonda
que discutia os impactos socioambientais da hidrelétrica
de Belo Monte.
Rezende insistiu que as comunidades
indígenas estão sendo consultadas
sobre a obra e que seus estudos levam em conta todos
os fatores ambientais, sociais e econômicos
envolvidos. Ele desautorizou a explanação
anterior do professor Osvaldo Sevá, pesquisador
da Unicamp, que acompanha o assunto há vários
anos e tem alertado sobre a inviabilidade econômica
e as graves conseqüências da obra, que
está entre as prioridades do PAC (Plano de
Aceleração do Crescimento) do governo
Lula. “Quero corrigir informações
erradas que foram colocadas aqui. Essas informações
estão desatualizadas, não tem mais
validade”, afirmou.
O técnico do governo adotou
um tom contundente. A atitude acabou sendo considerada
provocativa e irônica por parte do público
presente, que o vaiou algumas vezes “Quem for capaz
de provar que Belo Monte não é a melhor
usina do mundo, não tem a melhor relação
entre área inundada e megawatts gerados,
então, teremos de rever, fazer outros estudos”,
defendeu, enquanto gesticulava. “Esse país
precisa de eletricidade. As energias alternativas,
como a eólica e a solar, são muito
mais caras, quem quiser pagar por alguma coisa muito
mais cara... Não acredito que as pessoas
queiram isso”.
De acordo com a Eletrobrás,
Belo Monte deverá gerar pouco mais de 11
mil MW com um reservatório de 400 quilômetros
quadrados, o que é visto como um grande trunfo
ambiental por parte do governo. Além dos
sérios impactos sobre várias populações
a montante e a jusante da barragem, no entanto,
estudos independentes apontam que, apesar da grande
potência instalada, a usina iria funcionar
com 30% ou menos de sua capacidade durante quatro
meses no ano. Isso pode inviabilizá-la economicamente
ou, então, servir como justificativa para
a construção de mais outras barragens
rio acima, que por sua vez trariam impactos muito
maiores.
Um grupo de índios que
acompanhava o debate irritou-se com a postura de
Rezende. Após sua explicação,
os índios começaram a dançar
e cercaram o funcionário da Eletrobrás.
A comissão organizadora do evento tentou
protegê-lo, mas no meio do tumulto ele acabou
sendo ferido no braço. O Ministério
Público Federal já pediu a abertura
de um inquérito à Polícia Federal
para investigar o episódio. Não existe
nenhuma confirmação sobre quem seria
o responsável pelos ferimentos.
“Não endossamos de forma
alguma e lamentamos a agressão contra o funcionário
da Eletrobrás”, disse André Villas-Bôas,
coordenador do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental
(ISA), uma das organizações apoiadoras
do evento. Ele lembrou, no entanto, que os índios
vêm sendo desrespeitados sistematicamente
pelo governo em seu direito constitucional de serem
ouvidos sobre qualquer obra que os afete e que isso
tem causado indignação nas comunidades
há vários anos. Ele lembrou ainda
que a queda da ação liminar que suspendeu
os estudos sobre a hidrelétrica, na segunda-feira,
dia 19, contribuiu para aumentar esse sentimento.
Ana Paula de Souza, coordenadora-geral
da Fundação Viver Produzir e Preservar
(FVPP), também uma das organizadoras do encontro,
reforçou seu caráter pacífico
como de todo o movimento contra Belo Monte há
mais de 20 anos. “Existe um acúmulo de violências
cometidas contra essas populações.
O que vimos aqui foi a demonstração
de revolta também por vários descasos
na área de saúde, educação
e meio ambiente”. Ana Paula lembrou que o governo
já anunciou a licitação da
obra, insiste em não dialogar e que vários
outros representantes da administração
federal foram convidados a participar do encontro.
“A ausência desses representantes ofende as
lideranças indígenas. O governo ignora
um evento como este, que conta com a participação
de vários setores da sociedade e representantes
das 24 etnias que habitam a Bacia do Xingu. Essa
atitude dá outras dimensões ao conflito
que existe em relação ao tema. Isso
não quer dizer que concordamos com o incidente
infeliz que ocorreu.”
O Procurador Federal em Belém,
Felício Pontes afirmou que os representantes
do governo vêm sendo alertados há mais
de dez anos que a Constituição está
sendo descumprida. “Esse descaso em relação
aos direitos dos índios está acirrando
os ânimos”, comentou. Ele avalia que já
ficou claro que a insistência do governo em
construir a usina pode provocar um conflito maior
com os indígenas, que estão dispostos
a resistir até fisicamente a ela.
O Encontro Xingu para Sempre reúne
representantes de comunidades indígenas,
ribeirinhas, agricultores familiares, movimentos
sociais e organizações da sociedade
civil para discutir os projetos de aproveitamento
hidrelétrico previstos para a Bacia do Xingu
(PA e MT) até a sexta-feira, dia 23.
Leia abaixo a nota emitida pela
coordenação do evento.
A comissão organizadora
do Encontro Xingu Vivo para Sempre vem lamentar
o episódio ocorrido nesta terça-feira,
dia 20 de maio, no Ginásio Poliesportivo
de Altamira, quando o representante da Eletrobrás
e coordenador dos estudos de inventário da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte sofreu uma
agressão que lhe ocasionou ferimentos. O
evento reúne representantes de comunidades
indígenas, ribeirinhas, agricultores e movimentos
sociais para discutir os projetos hidrelétricos
planejados para a Bacia do Rio Xingu. O triste episódio
não representa o espírito democrático
de diálogo desse encontro, que busca dar
voz a todos os atores e segmentos sociais envolvidos
e afetados por esses projetos.
Comissão Organizadora do
Encontro Xingu Vivo para Sempre
Apoiadores e Organizadores do
Encontro
Associação das Mulheres Agricultoras
do Assurini
Associação de Mulheres Agricultoras
do Setor Gonzaga
Associação dos Moradores do Médio
Xingu
Associação dos Moradores da Resex
do Iriri
Associação dos Moradores da Resex
Riozinho do Anfrisio
AFP - Associação Floresta Protegida
do povo Kayapó
Associação Indígena Kisedje
- povo Kisedje (Parque Indígena Xingu)
Associação Pró-Moradia do Parque
Ipê
Associação Pró-Moradia do São
Domingos
Associação Yakiô Panará
- Povo Panará
Associação Yarikayu - povo Yudja (Parque
Indígena Xingu)
Articulação de Mulheres Paraenses
Articulação de Mulheres Brasileiras
ATIX – Associação Terra Indígena
Xingu (Parque Indígena Xingu)
CJP - Comissão de Justiça e Paz
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Prelazia do Xingu
CPT - Comissão Pastoral da Terra
FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
FASE
FETAGRI - Federação dos Trabalhadores
na Agricultura Regional Altamira
Fórum de Direitos Humanos Dorothy Stang (FDHDS)
Fórum Popular de Altamira
Fundação Elza Marques
Fundação Tocaia
Fundação Viver Produzir e Preservar
(FVPP)
Fundo DEMA
Grupo de Mulheres do Bairro Esperança
GTA - Nacional
Grupo de Trabalho Amazônico Regional Altamira
(GTA)
Instituto Socioambiental – ISA
International Rivers – Brasil
IPAM- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
LAET- Laboratorio Agroecologico da Transamazônica
Mutirão pela Cidadania
MAB- Movimento dos Atingidos por Barragem
STTR-Altamira
Pastoral da Juventude
S.O.S. Vida
Sindicato das Domésticas de Altamira
Sindicato dos Trabalhadores em Educação
Pública do Pará – SINTEPP
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira
Campo e Cidade - MMTACC
MMCC- Movimento de Mulheres do Campo e Cidade –Pará
Movimento de Mulheres do Campo e Cidade Regional
Transamazônica e Xingu
AMB- Articulação de Mulheres Brasileiras
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense
STTR-Altamira
SDDH- Sociedade Paraense dos Direitos Humanos
MNDH- Movimento Nacional dos Direitos Humanos
MMM- Movimento de Mulheres Maria Maria
SOS Corpo
Instituto Feminista para a Democracia
Fundação Heinrich- Böll
Ded - Serviço Alemão de Cooperação
Técnica e Social
ASW – Ação Solidária
CASA - Centro de Apoio Sócio-Ambiental
Instituto Eqüit
+ Mais
MPF do Pará vai recorrer
contra privilégios para empreiteiras nos
estudos de Belo Monte
22/05/2008 Depois que a Eletrobrás
revogou cláusula de sigilo ilegal e obter
permissão para continuar o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA)da usina hidrelétrica de Belo
Monte, no Pará, procuradores defendem necessidade
de licitação e recorrem da decisão.
Leia a notícia na íntegra, publicada
no site do Ministério Público Federal
(MPF) do Pará na última terça-feira,
20 de maio.
Procuradores da República
que estão participando, em Altamira, do Encontro
Xingu Vivo para Sempre, receberam com surpresa,
ontem (19), a notícia de que o Tribunal Regional
Federal da 1ª. Região, de Brasília,
suspendeu uma liminar da Justiça Federal
de Altamira e autorizou a participação
das empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto
Odebrecht e Andrade Gutierrez nos Estudos de Impacto
Ambiental da hidrelétrica de Belo Monte.
Eles anunciaram que vão recorrer e exigir
uma licitação para escolher os responsáveis
pelo EIA-Rima.
A desembargadora federal Selene
Almeida, responsável pelo processo, acolheu
o pedido da Eletrobrás para retomada do licenciamento.
Ela tomou a decisão depois que a empresa
revogou uma cláusula de sigilo que dava às
três empreiteiras o direito de manter confidenciais
as informações do EIA da usina. Para
o MPF, apesar da revogação do sigilo
ser fundamental, dada a obrigação
de do licenciamento, não é o bastante:
é necessário fazer licitação
e dar oportunidade a outras empresas de participarem
desses estudos, diz o procurador da República
Marco Antonio Almeida, de Altamira.
Interesse nacional
Além do procurador da região
do Xingu, participa ainda do Encontro o procurador
da República Felício Pontes Jr, responsável
pela defesa dos direitos indígenas no Pará.
A subprocuradora geral da República Débora
Duprat, coordenadora nacional da defesa dos direitos
indígenas dentro do MPF, também está
sendo aguardada em Altamira.
O direito dos índios brasileiros
aos seus territórios e recursos naturais
está garantido na Constituição
brasileira, então o que o MPF quer salvaguardar,
cumprindo sua obrigação, é
o respeito à Constituição e
às populações brasileiras menos
favorecidas, explicou o procurador Felício
Pontes Jr.
Entidades empresariais que são
favoráveis à construção,
o mais rápido possível, da usina,
acusam aqueles que questionam o projeto de Belo
Monte de atender interesses estrangeiros. Para pesquisadores
presentes no Encontro Xingu Vivo, o que está
em jogo é justamente o interesse nacional.
Falar de interesses estrangeiros contra Belo Monte
é uma cortina de fumaça, ataca o pesquisador
Reinaldo Corrêa Costa, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que acompanha
há quase dez anos as tentativas da Eletronorte
e da Eletrobrás de implantarem hidrelétricas
no Xingu.
Nas suas pesquisas, Costa registrou
riscos à economia local e prevê uma
espiral inflacionária durante a fase de implantação
do projeto, assim como a falência dos modos
de sobrevivência das populações
locais. O que os defensores desse projeto procuram
esconder é o fato de que a hidrelétrica
não vai trazer desenvolvimento, vai trazer
mais miséria e que a energia gerada não
vai para as nossas casas, vai para grandes grupos
multinacionais, sustenta.
Por Helena Palmquist
Procuradoria da República no Pará
+ Mais
STF recebe documento de apoio
à Terra Indígena Raposa-Serra do Sol
21/05/2008 Carta aberta, assinada
por mais de 350 representantes dos meios técnico,
científico e acadêmico, de 21 estados
e do Distrito Federal, foi entregue na última
sexta-feira ao Ministro Carlos Ayres Britto, do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Direcionado às autoridades
brasileiras, o texto de apoio à Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol é uma iniciativa do Instituto
de Pesquisas e Documentação Etnográfica
- Olhar Etnográfico, entidade não-governamental
de Brasília, que realiza projeto de extensão
agroflorestal na região do Lavrado (savanas)
de Roraima, em parceria com o Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (INPA) e comunidades
indígenas.
Veja abaixo o conteúdo
da carta:
CARTA ABERTA AOS EXCELENTÍSSIMOS
MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PRESIDENTES
DO SENADO E CÂMARA DOS DEPUTADOS E DEMAIS
AUTORIDADES DO GOVERNO
Como representantes dos meios
técnico, científico e acadêmico,
vimos por meio desta Carta Aberta expressar nosso
apoio à desintrusão definitiva da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e sua
manutenção como área contínua
em benefício dos habitantes Macuxi, Wapixana,
Ingarikó, Taurepang e Patamona que nela habitam,
conforme estabelecido no Decreto s/n° de 15/04/2005.
O malogro do processo de retirada
dos invasores representaria um sério retrocesso
no caminho que a sociedade brasileira atualmente
busca quanto ao maior respeito ao meio ambiente
e aos direitos humanos, claramente enunciada na
Constituição, como também representaria
uma ameaça ao funcionamento do Estado de
Direito.
Este momento representa um divisor
de águas, tendo por um lado a construção
de um novo paradigma da relação sociedade/natureza,
hoje mais do que nunca imprescindível à
sobrevivência futura da humanidade em condições
dignas. Por outro lado, há aqueles que, se
escudando em retóricas pseudo-patrióticas,
buscam manter o status quo, com modelos de ocupação
da terra que prezam o relacionamento predatório
com o meio ambiente, esbulhando o patrimônio
público e ferindo os interesses da coletividade.
Contamos que os Senhores/as manterão
os princípios constitucionais da defesa dos
direitos indígenas, lembrando que o que for
decidido para a Raposa Serra do Sol estabelecerá
precedentes para as outras terras indígenas
e unidades de conservação, especialmente
aquelas que se encontram invadidas ou de alguma
forma ameaçadas pela atividade predatória.
A proteção destas, verdadeiras "jóias
da coroa" da nação, deve ser
propósito de toda figura pública,
como veraz manifestação da soberania
nacional. Desta forma, conclamamos os Senhores/as
à defesa incisiva e célere da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, na forma estabelecida
pelo Decreto s/n° de 15/04/2005.